sexta-feira, outubro 24, 2008

Uma Aventura na Ponte 25 de Abril

Descobri que a Ponte 25 de Abril é suportada por cabos que são constituídos por mais de 11 mil fios de aço. A verdade é que não descobri isto apenas, tive a oportunidade de tocar-lhes, pois estive no lugar onde esses fios se encontram seguros.
De cada vez que visito a Ponte 25 de Abril descubro coisas novas sobre a sua construção ou a sua manutenção. Dentro dos seus pilares, subindo e descendo por escadas de bombeiros sem qualquer protecção extra, em que os buracos por onde passa o meu corpo formam crateras sem fundo por baixo dos meus pés, sinto como se estivesse a viver uma aventura da colecção juvenil Uma Aventura, das autoras portuguesas Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães. Já imaginei mil enredos para aquelas paragens que muitos utilizam na travessia do Tejo, mas que muito poucos tiveram a oportunidade de conhecer por dentro, como eu agora conheço.
É impossível não me sentir privilegiada por poder estar na ponte sob uma nova perspectiva. Nem sei explicar aquilo que se sente, a 200 metros do solo, tendo Lisboa e Almada como fundo e horizonte. Lá no alto dos pilares, guardamos a sensação de que é fácil tocar nos aviões que estão prestes a aterrar no Aeroporto da Portela. Lá no alto também nos sentimos parte de tudo, ainda que longe de tudo. Gostava de levar lá para cima o meu caderno e escrever, sei que as palavras teriam outra consistência que aqui em baixo não têm. E depois, quem sabe?, elas seriam levadas pelo vento e seriam lidas por pessoas à janela, que as agarrariam e as tornariam suas? Ou que na resposta me diriam: anda, vem voar comigo, e se por acaso eu cair, amparas-me na queda...

terça-feira, outubro 21, 2008

Não gosto de casamentos. Também não gosto de baptizados, mas muito menos de casamentos. Falo, como é óbvio, da festa em si, não do que ela representa; até porque para uma romântica incurável, nada é mais bonito do que a celebração do amor.
Chateiam-me, por exemplo, os protocolos a que essas cerimónias obedecem. As pessoas obrigadas a enfiar-se em vestidinhos (ou fatos) de cerimónia, a quererem parecer confortáveis, quando, na maioria das vezes, não se identificam com a roupa que trazem, nem com os penteados que usam e muito menos com os sapatos novos e brilhantes que lhes aperta os pés até à exaustão.
Aborrece-me igualmente o som irritante dos garfos nos pratos a pedir que os noivos se beijem a toda a hora, para satisfazer o desejo voyeurista de alguns. Também não tenho grande paciência para a sessão fotográfica que condiciona noivos e convidados à tirania do clic. A verdade é que julgo que as pessoas esquecem-se, às tantas, do verdadeiro objectivo do casamento; esquecem-se ou confudem-no. Lembro-me de uma frase dita pela Carrie (a Suka não permitiu que eu a esquecesse) no filme Sexo e a Cidade: "I let the wedding get bigger than Big". Ou seja, o casamento não pode ser um fim em si mesmo - dos últimos casamentos a que fui, um acabou ao fim de seis meses e outro ao final de um ano.
O casamento mais bonito a que assisti foi, de longe, o dos meus tios. Após 25 anos de vida em comum e de uma união civil, resolveram renovar os votos dizendo "sim" um ao outro numa igreja, rodeados da família e amigos, inclusive dos filhos, também já eles em idade de casar. Foi talvez a cerimónia menos faustosa, menos glamourosa, mas definitivamente aquela que me causou um friozinho no estômago e me proporcionou as lágrimas mais sentidas e inteiras.
Este sábado vou a um casamento, ao do meu primo André; finalmente, terá direito a uma família sua, que lhe pertencerá em exclusividade. A dele nunca lhe pertenceu ou se pertenceu, ele nunca deu por nada. Nem no dia do seu casamento dará, uma vez que a maior parte disse não ao evento! Eu estarei por lá, a lembrar-lhe que apesar de não gostar de casamentos, ele é quem me importa e não perdia por nada o momento de ouvi-lo dizer: prima, estou feliz.
Um dia quero olhar nos olhos de alguém e sentir que o que existe é tudo o que deveria existir: nem mais nem menos.

sexta-feira, outubro 17, 2008

APICECTOMIA

A agitação. Os telefonemas cá e lá. A tentativa de perceber se a voz revela medo ou ansiedade. O fingimento de que se parte do pressuposto de que tudo correrá bem. A sombra de que tudo pode correr mal a condensar-se, como nuvens de chuva, por cima das nossas cabeças, talvez do nosso coração. Um telefonema a dizer Dormiste bem? Estás nervosa? Sabes que gosto de ti. A resposta que se faz ouvir: Sim. Não. Eu também gosto muito de vocês. Uma despedida que não se quer, nem se anseia, mas que se impõe. Um adeus não para sempre, mas até daqui a bocado. A vida a não permitir mais do que isto; e ainda que permitisse, saberíamos mais do que isto?
Tive vontade de abraçá-la. A minha voz abraçou-a, julgo, no instante em que lhe disse: Gosto muito de ti. Quero que saibas que vou estar a em pensar em ti e que desejo que tudo corra pelo melhor.
Hoje, às 20.00 horas, a minha mãe entra para o bloco operatório. Eu estarei a alguns quilómetros de distância, porém, será como se estivesse do lado dela, a segurar-lhe a mão e a falar-lhe ao ouvido coisas da nossa história. Coisas que a façam sorrir e esquecer a puta da doença que a consome aos poucos.

Minudências do ensino do português

1.º Se da palavra "cabelo" deriva a palavra "cabeleireiro"; de"barba" deriva "barbeleiro"? - questão colocada pelo meu aluno eslavo na última aula do curso de português.



2.ª O buraco que temos na barriga chama-se umbico? Um bico?!? Não... o som é semelhante, mas "um bico" é outra coisa em português. É mesmo é "umbigo".


3.ª "O que é caralho?" - pergunta de uma aluna italiana, pois estava intrigada com a frequência com que ouvia a palavra nos corredores da faculdade.


Nota: Procurei dar resposta a todas as questões (não sem corar algumas vezes). A estes alunos, ávidos de conhecimento, não se pode responder de forma evasiva ou dizer-lhes que sobre esse assunto é melhor não falarmos. Eles estão aqui, em Portugal, pela primeira vez, logo, o seu interesse é reter da língua aquilo que precisam para a sua vivência diária. E, parece-me, "um bico" e "caralho" dão-lhe mais hipóteses de se misturarem entre os autóctones do que saberem de cor as contracções das preposições com os artigos ou que existe qualquer coisa como pretérito perfeito, imperfeito e mais-do-que-perfeito. Ã?????!!!!!

terça-feira, outubro 14, 2008

Porque há dias assim

Há dias em que nos sentimos bem. Em que o acordar não é demorado nem sofrido, em que a água pelo rosto não é fria e a roupa que tiramos do armário não tem nódoas, não sendo necessário escolher outra. Há dias em que os passos que damos, são passos dados em relação ao futuro, que nos aguarda, solidário. Há dias em que o nosso rosto não se cansa de nós e nos devolve em beleza o que lhe gastamos em vida. Há dias assim...
Há outros, porém, em que acordar é um exercício de guerra civil - não há pior combate do que aquele que empreendemos contra nós mesmos -, em que a luz da rua não nos motiva, em que a fala dos outros que amamos não nos reconforta, em que o futuro nos parece tão distante e tão impossível que as lágrimas e a tristeza nos vencem. Há dias em que acreditamos que os dias vão ser sempre assim.
Desejava que hoje fosse um bom dia. Mas não é. Nem este texto tem as palavras que eu desejei que tivesse. Triste dia triste. Triste texto traste.
Só porque há dias assim...

quinta-feira, outubro 09, 2008

HOJE

HOJE queria ser pássaro, bater as asas contra o infinito azul e intoxicar-me de liberdade. Só que HOJE sou apenas uma mulher entre tantas sem nada de especial para dizer, fazer ou até oferecer. É por isso que HOJE me apetecia ser pássaro, descer do céu a pique e lançar-me, vertiginosamente, ao mar. Pois HOJE não consigo ser maior do que eu própria nem parecer inequivocamente feliz. Sei que é por isso que HOJE trocava a minha pele por penas e a minha consciência pela inconsciência de voar sem rumo.
A minha salvação? A certeza de que HOJE será, não tarda nada, ONTEM.

quarta-feira, outubro 08, 2008

SAUDADE

O SOM de uma porta que se fecha e a BRISA de ninguém que paira no ar.



a sala vazia. a cozinha vazia. o quarto vazio. a CASA vazia.




a saudade aperta aí, antes da casa VAZIA e depois da porta FECHADA.

terça-feira, outubro 07, 2008

O vírus do passado a querer fazer-se presente

Não sei o que se passa, mas será com certeza uma virose. De repente, sem que nada o previsse, sou bombardeada por mensagens telefónicas de pessoas que fizeram parte da minha vida há algum tempo atrás. Ou porque sentem a minha falta, ou porque querem ver-me... E eu penso, será que estas pessoas julgam que a minha vida parou no momento em que lhes disse adeus? Não parou, aliás, nunca pára. Sou demasiado impaciente para ficar no mesmo sítio muito tempo. E sou extremamente boa a arrumar histórias. Por mais importantes que tenham sido. Como é óbvio, há umas que demoram, que permanecem mais do que o normal, que me habitam por dentro, que me assombram a esperança; só que existe sempre aquele momento em que fico novamente só comigo mesma, então percebo: já não há volta a dar.
Nunca tive (pelo menos até agora) vontade de reviver uma história de amor. E acredito que não terei. É preciso vocação para reconstruir o que ficou gasto pelo tempo, sujeito às intempéries, ao musgo e à humidade. Eu sou mais de arregaçar as mangas e construir o que há para construir de raíz; aí perco tempo, invisto, suo, sujo as mãos, o corpo, a alma, dou-me inteira, como se fosse a primeira vez, ansiando que seja a última.
Enfim... cada um é para o que nasce. E eu sei que nasci para o amor, mas sempre para aquele que está por vir, por acontecer. Não podemos ser todos iguais; eu sou assim, o que fazer?!

segunda-feira, outubro 06, 2008

Quem sou eu, afinal?

EU sou areia. Sou os passos de gente marcados na areia. Sou os grãos da areia. Sou os grãos da areia remisturados em si mesmos. Sou areia por fora, mas areia por dentro também. Sou o sol. Sou o riso das crianças felizes. Sou as gargalhadas dos ignorantes. Sou o amor. Sou a vida dos outros - muito pouco a minha própria. Sou os passos ligeiros das acácias, a luz tímida das buganvílias. Sou Lisboa. E sou o amor. Sou a pele enrugada dos velhos. Sou o beijo apaixonado dos amantes. Sou a amante. Mas também o amador. E só poucas vezes a coisa amada. Sou conversas atiradas por cima do futuro. Sou o futuro assustado com o vazio. Sou as horas em viagem. E sou o amor. Sou o cão que guarda o quintal. Sou o quintal que enfeita a casa. Sou a casa que recebe a família. Sou família. Sou os olhos do meu pai. O sorriso da minha mãe. Sou os cabelos da minha avó. As orelhas do meu avô. Sou tanto o amor. E sou o mar. Sou as ondas da manhã engasgando-se com a areia. Sou os barcos e os rastos dos barcos. Sou o horizonte, ao fundo. Sou o longe. O perto. E sou o amor. Sou as gaivotas à deriva. Sou a espuma. Sou o pó. Sou o vento. Sou a chuva. Sou os pingos da chuva, nas manhãs de Outubro. E sou Dezembro. Sou as montras cheias de luz, em Dezembro. E as ruas da cidade iluminadas e enfeitadas. Sou o Natal. E sou só amor, amor, amor. E não consigo, por mais que devesse, viver de boca fechada. Sou confissão inocente. Sou dizedora de afectos. Sou desbragada. Sou palavra. Sou diálogo. E sou... amor. Sou amor nos poros da pele. Sou amor no ar que respiro. Sou amor na ponta dos dedos. Sou amor no beijo que troco. Nas palavras que confesso. No toque das mãos. Sou amor no embate de peles nuas. Sou amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, AMOR.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Hino à minha mãe

Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual?
A minha irmã abraçou-se a mim a chorar, eu senti o seu corpo frágil sustentado pelas minhas mãos vazias de tudo. Só consegui dizer-lhe: "se ela desistir, se ela tiver já desistido, a única coisa que podemos fazer é aceitar a sua decisão e sermos fortes ao mesmo tempo que ela. Estás a ser egoísta, ela não pode querer a vida só porque para nós seria insuportável viver sem ela." Quis parecer maior, recusar-lhe o direito à dor, revelar-lhe a sua pequenez, mas cada palavra me foi devolvida com violência. Tenho no meu corpo a marca de cada uma das palavras que usei contra a minha irmã. O que estava eu a dizer? Que sou capaz de aceitar a sua desistência? Que gosto mais da minha mãe do que a minha irmã? Que sou capaz de vê-la desistir e acompanhá-la nessa decisão porque isso me faz generosa, solidária? Ridícula. Sou neste momento a mais ridícula de todas as mulheres. Foi só preciso entrar no carro e ouvir o som da solidão, para o medo me levar às lágrimas e as lágrimas me levarem ao medo. Sou cobarde, grito para dentro e o que sai para fora já vem tão distorcido que não se manifesta por ondas sonoras, só através do que agora escrevo. Em vez de guardar em mim o segredo da dor e do medo, exponho-o. E porquê? Porque não passo de uma menina assustada a gritar por socorro.
Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual?
Eu não sou generosa e também não sou solidária. Sou apenas uma filha assustada com a doença da mãe. E no fundo sei bem que serei incapaz de perdoar-lhe a desistência, no fundo, sei que os meus dias terão no seu reverso a amargura de sabê-la fraca, vendida ao caminho mais fácil. É só por isso que não corro para os seus braços implorando-lhe a coragem que me falta sempre que a vejo debilitada.
Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual? Quanto vale a minha mãe? Quanto deve pesar o amor de um filho? Que distância deve existir de um coração ao outro? Que peso têm as minhas lágrimas choradas? E as por chorar? Quanto tempo se deve esperar por um abraço? Que espaço ocupa a ausência? Quem me abraça agora? Quem se calará para sempre? Quanto tempo aguento eu sem chamar por ti, mãe? Quando é que isto acaba, mãe? Quando é que te vejo feliz, mãe? Quando é que regressas para nós, mãe? Quando é que me abraças, mãe? Quando é que percebes, mãe, que és a estrutura, a base e as paredes desta família que criaste, mãe? Mãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãe. Estou exausta, mãe. Vou dormir, mãe. Amo-te, mãe. Para sempre, mãe. Como só a ti poderia, mãe.