quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Um paciente que nada tinha de inglês

Revi o English Patient.
Eram três horas da manhã quando acordei. Decidida a não ficar a olhar para o vazio, levantei-me e fui ver o filme. Tinha-o encontrado nesse mesmo dia entre dezenas de DVD's que o meu avô guarda num móvel lá de casa. Assim que olhei para ele, senti necessidade de revisitá-lo. Desconheço a razão que enformou tal necessidade, mas percebi que ela existia.
Não sei dizer o que me agradou mais no filme. Se a história de amor que é contada, se as pequenas histórias que se desenrolam à medida que se desenrola a guerra.
Nunca vivi em guerra, por isso, para mim, falar de guerra é a mesma coisa do que falar da ida à Lua; posso até imaginar como será, já visualizei imagens, documentários, filmes, mas não é a mesma coisa: há um limite bastante real entre o que se conhece e o que se imagina conhecer.
Todavia, a guerra não tem apenas a capacidade de estilhaçar e mutilar vidas, tenho a impressão de que ela gera imaginação e criatividade nos seres humanos. Anne Frank ou Guernica são apenas dois exemplos que ilustram o que digo. Há outros. Há muitos outros.
Guerra fria, guerra colonial, guerra civil - guerra é sempre guerra, independentemente dos adjectivos que lhe colocarmos na frente?
"Amor platónico, amor carnal, amor filial" - é ou não é amor de qualquer maneira?
Neste filme, todas as personagens acabam por ser elas mesmas pacientes esperançadas de que a cura acabe por chegar: para uns a morte, para outros a vingança e para outros o amor.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

No dia que é teu, pergunto-te...

Que mais posso eu fazer por ti?
Senão oferecer-te estas palavras que ainda não tens? Ou emprestar-te esta verdade que pode ser ou não?
Que posso eu fazer por ti?
Senão apenas provar-te que o desconsolo dos dias pode ser o consolo das noites? Ou que os sonhos não terminam até nós dizermos que terminam?
Que posso eu fazer por ti?
A não ser oferecer-te estas palavras que são as que oiço, ainda que os teus lábios não se movam?

"De que sedas se fizeram os teus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,
De que alturas chegou ao teu andar
A graça de camurça com que pisas.

De que amoras maduras se espremeu
O gosto acidulado do teu seio,
De que Índias o bambu da tua cinta,
O oiro dos teus olhos, donde veio.

A que balanço de onda vais buscar
A linha serpentina dos quadris,
Onde nasce a fescura dessa fonte
Que sai da tua boca quando ris.

De que bosques marinhos se soltou
A folha de coral das tuas portas,
Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas."

José Saramago, in Poemas Possíveis

E o que fazes tu por mim? Finges que precisas que eu faça tudo isto por ti...

domingo, fevereiro 22, 2009

A alimentadora de gaivotas

Sabia da existência dos alimentadores de pombos: velhos, reformados, sentados em bancos de jardim, a ver passar o tempo que o tempo lhes roubou. Há também as crianças que andam pela mão destes velhos e olham para os pombos de sorriso nos lábios, pois ignoram os perigos que escondem.

Desconhecia, no entanto, que há quem se entretenha a alimentar gaivotas. Levada num saco, a comida é atirada sobre as rochas, enquanto elas pairam no ar, aguardando o momento certo para debicar o banquete.

Eu, sentada muito perto, por de baixo de toda a agitação, tentava apenas passar despercebida, e na minha cabeça só um pensamento: espero que as gaivotas não me caguem em cima.


sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Bilnd date







O que é que um encontro às cegas pode proporcionar?



Isto?!

Eu não sei, é por isso que está na altura de descobrir. Aos 33 anos parece-me uma idade razoável para embarcar nesta aventura. Vou sem mapa, sem roteiro e sem GPS. E espero não me perder pelo caminho...

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

O Caminho do Santiago

Eras tão pequenino, a primeira vez que te vi, que tive a sensação de caberes na minha mão. Mas o amor não aconteceu logo ali.

Devia ter suspeitado, pela forma como impuseste a tua vontade ao nascer, que não ias ser uma criança qualquer. E não és. Os teus olhos grandes e negros, que apregoam um mar de doçuras, não criam qualquer suspeita sobre o teu voluntarioso carácter. A primeira vez que saímos juntos, choraste compulsivamente durante tanto tempo que julguei que ia envelhecer ao som dos teus gritos. Foi a primeira vez que não soube o que fazer com uma criança nos braços. Isso irritou-me.


Foste crescendo ao sabor do amor inquestiónável de uma MÃE-pai, de um avô-pai e de uma avó-pai, uma vez que O verdadeiro decidiu, espontanea e estupidamente, desaparecer do teu mapa de afectos. Não te importes nunca com isso, ou não te importes muito. Ia sentir-me miserável por te ver sofrer com a decisão miserável de um miserável qualquer.
Conquistaste-me inequivocamente. Talvez eu seja a tua primeira conquista. Contigo o tempo pára. Adoro ouvir-te tropeçar na gramática ao mesmo tempo que tropeças nos passeios. Juntar a minha voz à tua só para ouvir-te cantar as músicas dos Da Weasel (e do Rui da Cena, tia). E pegar-te na mão para irmos dar pão aos patos (quando não o comemos a meias) e inventar-te histórias sobre eles que tu anseias ouvir (o preto está mesmo doente, tia? ele não vai dar mergulhos?). Ou ir pelas ruas da Parede à procura de um mar onde possamos, descalços, atirar pedrinhas e contá-las num alfabeto numerológico inventado à revelia da matemática: um, dois, três, quatro, sete, nove, seis, dez: tantas pedrinhas, tia.
E este tia que ecoa num universo que me pertence tanto por a ti pertencer a voz que diz tia.
Santiago, estou no teu caminho com a mesma fé com que os peregrinos vão na descoberta do outro caminho que tem um nome similar ao teu.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

poema (?!) estéril

não me apetece escrever
nem sempre me apetece escrever
porque nem sempre tenho o que dizer
e não ter o que dizer não é nada de mais
é apenas e não ter o que dizer

não tenho que ficar preocupada
ou inventar um mundo de coisas
porque não ter o que dizer pode deixar-me embaraçada
ou criar a suspeita de que não sou suficientemente atenta ao que se passa
ou necessariamente criativa para fazer nascer de mim um texto

estou estéril

e

contudo
agrada-me este lado do silêncio dos que nada têm para dizer
é que mais vale calarmo-nos e parecermos estúpidos
do que falar pelos cotovelos
e
não deixar qualquer margem para dúvidas

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Qual São Valentim qual carapuça...

O São Valentim é um santo agastado e demodée.
Quem está na berra é a Santa Rita dos Descomprometidos (quem não conhece esta belíssima santa que ponha o dedo no ar. Não, não ponha, é demasiado humilhante admitir que se desconhece a padroeira dos solteiros).
E o que defende esta verdadeira guru dos solitários, ainda que atléticos e esculturais, com uma vida socal activa e sem qualquer possibilidade de receber um ursinho de pelúcia fofinho com uma daquelas frases de ir ao cu?

"Se eu gostasse de repetir aquilo que como, ter-me-ia casado."

Casting: resultados

Eu bem disse que estava quase certa de que seria a escolha certa. Não fui, mas porque eles foram incapazes de perceber as minhas brilhantes capacidades. Too bad for them!
P.S. Agora mais a sério: estou triste, até porque não gosto de perder.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Efeméride: Mãe

Não é importante as palavras que não disseste enquanto as saias nos deixavam de servir e os ténis rompiam do uso. Nem sequer importa os abraços que não nos deste por estares sempre atrasada para chegar a qualquer lugar e, com isso, nos obrigavas a caminhar apressadamente, ainda que o sono nos atrapalhasse os passos. Muito menos fará diferença os ralhetes que não nos deste por não saberes que deles precisávamos, pois estavas demasiado ocupada em providenciar a nossa sobrevivência.
De qualquer maneira, hoje desenhámos-te um coração de linhas simples e vermelhas, numa folha de papel branco, rasgada no fundo e amachucada por estar na mochila da escola que não usamos há anos e nela escrevemos infantilmente: AMAMOS-TE MÃE. Se prestares atenção, em letras menos visíveis estão também escritas as palavras: parabéns, sónia e rita. Consegues ler? Não? Põe os óculos, anda.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Quase

Durante o dia de ontem, estive numa dinâmica de grupos para chefias intermédias, com um grupo de consultores da Heidrick & Strugles. Tivemos a obrigação de pensar criticamente sobre uma série de questões que interferem no trabalho desenvolvido na empresa. O caricato? É que eu sou apenas quase chefe. Tenho o título, mas faltam-me as pessoas para chefiar.
À noite fui a um casting para participar num programa de rádio na Antena 3, o progama chamar-se-á "Pontapés na Gramática". E não fosse o facto dos meus concorrentes serem todos originais e criativos, segundo o director de casting em mail enviado ontem aos participantes, eu seria a escolha certa, estou quase certa disso. É por isso que, enquanto os resultados do casting não se tornarem oficiais, posso dizer que estou quase a participar num programa de rádio.
Depois do casting, fui ter com uma amiga e quase jantámos juntas, se ela não o tivesse feito já e se uma tosta de queijo, que foi o que comi, pudesse ser equiparada a um jantar. Entretanto, estivemos quase a não falar de homens. E quase que esse não era o assunto central das nossas conversas.
Admito, sou quase uma gaja a conseguir quase tudo o que deseja ou, melhor, quase tudo o que merece.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Seriedades

Estou com o período. Além disso, ouvi na rádio o anúncio de incitamento aos jovens deste país para se alistarem na Marinha:

"Estás cansado de uma vida normal? Vem para uma força especial."

É preciso dizer mais alguma coisa?

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Gotcha YA!

Eu vi o céu carregado e dentro desse céu, que eu vi carregado, vi igualmente um bando de aves em voo uníssono. Eu vi, ainda que dentro de um carro com vidros fechados, por causa do frio, um bando de aves que perfazia também um corpo de bailado em suspensão no firmamento; eu vi e tive o vislumbre da poesia em voo e em horizonte.
Eu vi o agitamento das asas em sincronia meticulosa e o céu carregado por detrás a fornecer o enquadramento, a cor e a luz. Eu vi ISTO enquanto conduzia o meu carro, como faço todas as manhãs, para deixar o meu filho na escola. Não era uma tela de Munch, nem uma composição de Schumann ou um livro de Borges; eram simplesmente pássaros a deslocarem-se nos céus pela manhã. Eu vi o carregado céu e os pássaros em bando e, por momentos, apesar de fechada dentro de um carro, descendo a rua que desço em cada um dos dias, senti Munch, Schumann e Borges naquela imagem. Eu vi porque, para ver, é só saber olhar.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Tristonhos dias tristes

Dizem que o primeiro-ministro do meu país desviou dinheiro que não lhe era devido. Dizem que estamos a enfrentar uma crise económica e financeira de que não há memória. Dizem que as empresas estão a despedir gente que se farta. Dizem que os professores estão em guerra aberta contra o governo. Dizem que uma mulher foi levada pelo mar enquanto passeava no areal. Dizem que este é o Inverno mais rigoroso dos últimos anos. Dizem tudo isto com uma voz nublada e cinzenta. Com uma voz grave também; e com os olhos descaídos, num aviso óbvio de decepção e conformismo.
Eu digo que a roupa suja se acumula lá por casa; digo que o meu filho decidiu começar a namorar; que eu nunca mais desencalho; que o meu carro anda a fazer um barulho esquisito e de difícil interpretação; que a torradeira avariou; que a ficha eléctrica onde ligamos a televisão da cozinha também, pelo que não há televisão na cozinha; que não temos gás no aquecedor e que as minhas vizinhas lésbicas deixaram de dar umas quecas pela noite dentro, o que animava consideravelmente o prédio nestes dias de crise. Digo isto com uma voz estridente e colorida, na tentativa de não sucumbir à epidemia depressiva que se instala em nós como a humidade ao corpo. E digo mais: se nos próximos dias não tiver cuecas enxutas para vestir, olha, não visto cuecas!

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Menos filho, mais homem (parte II)

E a constatação da possibilidade do que poderá vir a ser!

Menos filho, mais homem (parte I)

E quando o teu filho te diz, olhos nos olhos (ou directamente no coração?), que está apaixonado? É como se, de repente, ele gatinhasse para fora do teu colo em direcção a outros colos, que não têm mais o tamanho dos teus braços nem a extensão do teu amor. Dói, mas é uma dor boa, que não se deseja sentir, é certo, mas que quando chega nos traz a memória do que um dia foi...