sexta-feira, junho 26, 2009

Cucurrucucuuuuuuu Paloma

Vinha pela A5 , como sempre venho, absorta nos pensamentos do dia, que raramente são os mesmos do dia anterior - é aqui que finco o pé à rotina - quando à minha frente os carros empreendem um desvio a um obstáculo que se encontrava na via mais à direita.
Primeiro pensamento:
- Carneiros! Se um se desvia, os outros vão atrás, sem pensar sequer na razão. Eu cá não me desvio! - resolução de uma mulher decidida e não compactuante com carneirada.
Os carros foram fazendo a dança do desvio e eu, determinada em seguir em frente, mais próxima do obstáculo, reparei que à frente da frente do carro estava, nem mais nem menos, do que um passarinho encolhido sobre si mesmo, alheio ao que o rodeava, ansioso por passar despercebido numa paisagem de cimento que lhe era igualmente alheia.
Segundo pensamento:
- Que estúpida! Ai são carneiros, são? Então não te desvies, a ver se tens coragem.
Terceiro pensamento (quase em simultâneo com o segundo)
- Aquele passarinho sou eu (e estará aqui para me lembrar disso?)
Quantas vezes não me coloco, inadvertidamente, no centro das atenções e depois fico quieta, encolhida sobre mim própria, tentando passar despercebida?
Frágil, talvez doente ou perdido ou sem rumo, aquele passarinho fez uma pausa na sua vida de pássaro e ficou por ali, absorto, moribundo, amolecido.
Quarto pensamento:
- Vou parar. Vou pegar nele entre as minhas mãos e levá-lo ao veterinário.
Quinto pensamento (já ao som de buzinadelas)
- Carneiros! Já que se desviam, deixem-me ao menos parar para fazer um pouco mais.
Não deixaram. O passarinho ficou por lá. Não sei durante quanto tempo. Talvez tenha morrido. Talvez tenha tido o ímpeto do voo e fugido. Talvez tenha adormecido e sonhado com árvores e ramos e lugares distantes. Talvez...
Quanto a mim, embalo-me ao som da música que continua a tocar mesmo quando já não a oiço.
"Dicen que por las noches
No má¡s se le iba en puro llorar
Dicen que no comia
No mas se le iba en puro tomar
Juran que el mismo cielo
Se extremecia al oir su llanto
Como sufria por ella
Que hasta en su muerte la fue llamando
Ay, ay, ay, ay, ay
Cantaba
Ay, ay, ay, ay, ay
Gemia
Ay, ay, ay, ay, ay
Cantaba
De pasion mortal
Moria
Que una paloma triste
Muy de mañana le va a cantar
A la casita sola
Con las puertitas de par en par
Juran que esa paloma
No es otra cosa mas que su alma
Que todavia la espera
A que regrese la desdichada
Cucurrucucu
Paloma
Cucurrucucu
No llores
Las piedras jamá¡s
Paloma
Que van a saber
De amores "
Caetano Veloso, versão Hable Con Ella

quinta-feira, junho 25, 2009

Mesures

a distância e o tempo não são medidas universais. parecem, mas não são.
em miúda, uma viagem da casa dos meus pais à casa da minha madrinha demorava horas, tal era a minha ânsia de chegar. hoje, a mesma viagem não me toma mais do que poucos minutos: o caminho é o mesmo de há 20 anos atrás, as mesmas curvas, as mesmas rectas, os mesmos sinais luminosos.
a distância e o tempo são medidas flexíveis. ontem demorei 10 minutos entre Almada e Cascais. normalmente preciso de uns 20 a 40. só que esses 10 minutos pareceram 10 vidas multiplicadas por outras 10: lembro-me de tudo (excepto da estrada), lembro-me dos olhos de mar, da voz ao telefone a repetir "meu amor", da preocupação de todas as vezes que não estamos bem ou existe essa suspeita, da minha primeira jóia a brilhar-me no dedo e que agora só cabe em bonecas de brincar, do meu primeiro casaco, do meu primeiro relógio, dos meus primeiros ténis de marca, das minhas primeiras viagens de autocarro ao lado dela, com as mãos dela nas minhas.
Bastou qualquer coisa como:
- Sónia, a avó...
Nesse instante, ganhei asas!

quarta-feira, junho 24, 2009

Lições

na noite anterior adormeci com uma frase na cabeça. hoje não consigo lembrar-me dela. ainda não aprendi a ter o papel e a caneta à cabeceira da cama. como ainda não aprendi a atender o telefone sempre que me ligam ou a dizer honestamente o que penso sem medo de que deixem de gostar de mim.
com esta idade já não devia sentir esta espécie de paralisia emocional só de pensar que alguém possa deixar de gostar de mim. e ainda de tornar-me num papel amarrotado à beira de uma cabeceira qualquer.

terça-feira, junho 23, 2009

Random Choices

A discutir pormenores da minha vida sentimental (seria mais correcto dizer da "minha anedótica vida sentimental") com um amigo, percebi que os amigos servem para muitas coisas, mas uma das mais valiosas é evitarem umas idas ao psicólogo.


Ainda que eu tenha tido sempre a curiosidade de fazer umas sessões de psicanálise para perceber melhor a pessoa que sou. É óbvio que todos alimentamos fantasias sobre nós próprios, umas corresponderão à verdade, outras nem tanto. Acho que o normal, se formos optimistas, é inflamarmos os aspectos que nos favorecem e diluírmos os que nos desfavorecem. Eu sou claramente uma optimista, por isso tenho dificuldade em digerir determinados condicionalismos amorosos.


Passo a explicar, há três anos que a minha vida amorosa é isto:


- ex-namorados a querer tornarem-se namorados;


- homens comprometidos a querer que eu me comprometa numa relação a três;


- solteiros com indefinições brutais, do tipo: "não estou preparado para uma relação";
- amigos que procuram tornar-se em algo de difícil definição;

- sexo fantástico;

- sexo não tão fantástico;

- total ausência de sexo;

E eu ando nesta roda-viva a tentar encaixar os meus desejos, as minhas fantasias, as minhas vontades, os meus sentimentos com aquilo com que me vou deparando.
O que me leva a perguntar: a vida é isto? Ou é mais? Ou é menos?
É que não me apetecia nada acordar um destes dias com um telefonema do género:
- Boa-tarde, sou a X, a mulher do Y e gostaria de saber a natureza da sua relação e do meu marido. É que descobri um cartão seu quando cheguei da maternidade onde dei à luz o nosso segundo filho.

segunda-feira, junho 22, 2009

Siga para BINGO

tenho um nó na garganta. tenho um nó na garganta e não posso desatá-lo. o problema é que este nó é como as doenças contagiosas: começa na garganta mas facilmente se espalha pelo resto do corpo. enquanto escrevia estas breves linhas, o nó da garganta atacou cérebro e coração.
agora... toda eu sou um nó. uma corda atada à ironia filha da puta da vida.

sexta-feira, junho 19, 2009

Traffic II

Só me conforta o facto de Durão Barroso ter sido apoiado por todos os líderes europeus para voltar a ser presidente da Comissão Europeia. Fico quase tão comovida com o sucedido quanto ele. E quase que esqueço a confusão de trânsito desta manhã e regresso ao estado de satisfação e felicidade anterior...

Traffic

Um gaja acorda feliz e satisfeita da vida, só porque se atreve a espreitar por cima das cortinas do quarto e se dá conta do brilho de sol que reclama pelos ares da manhã.
Mas uma gaja não pode sentir-se feliz e satisfeita durante muito tempo, até porque felicidade e satisfação causam uma espécie de urticária à maioria.
De feliz e satisfeita, passei a rabujenta e maldisposta assim que no primeiro cruzamento deparei com uma fila de carros enorme. E porquê? Porque duas gajas, que provavelmente se esqueceram de espreitar por cima das respectivas cortinas ao acordar, chocaram uma contra a outra e resolveram, como as gajas gostam, conversar sobre o sucedido em vez de ligarem para a Brigada de Trânsito ou desviarem a merda dos carros para a berma.
Resultado?
Cheguei tarde ao trabalho e perdi todo o ar de satisfação e felicidade que trazia ao sair de casa.

terça-feira, junho 16, 2009

Before/ After

estes dias resumem-se a atrapalhação total. o telefone interruptamente a tocar, os e-mails desdobrados em pedidos com urgências (in)evitáveis, sem ninguém perceber (acho que nem eu) que a vida corre a uma velocidade inimaginável, ultrapassando-nos e atropelando-nos em infímos segundos de desatenção.

um ano. faz hoje um ano que comecei tudo de novo. e este "de novo" não me soube, nem num único momento, ao "de sempre".

estou grata a quem proporcionou a mudança. sem esse "a quem" isto não seria a realidade dos meus dias.

por esta altura, estaria ainda sentada numa cadeira a tornar-me invisível com o maior profissionalismo com que podia. mas ser invisível é trabalho de grandes e eu sou coisa pouca nesta algarviada em que todos procuramos a tona de água.


Foto retirada no dia 26.06.2008, no topo do pilar norte da Ponte 25 de Abril

segunda-feira, junho 15, 2009

Pssst

Um papel branco recortado à pressa de um envelope de carta recebido há dias...
Uma caneta inexistente e, por isso, ineficaz na transmissão de um recado que por ser simples acabava por não ser tão simples assim...
Uma amiga a oferecer palavras de conforto e de coragem num momento tão delicado que poderia não ter sido sequer "um momento"...
Para celebrar um sorriso, a vergonha esvai-se e a coragem flui num gesto simples: "Não consegui arranjar uma caneta para te deixar o meu telefone. Ainda assim, aceitas ficar com o meu número?"

sexta-feira, junho 12, 2009

Vacaciones

Os pés na areia. A areia quente nos pés que se escondem.
A luz pouco sincera da noite. As estrelas ocultadas num oceano de céu. Mas estão sempre lá, paradas, bonitas, brilhantes, luzentes, ainda que nem sempre as vejamos. E o que não se vê, não existe?!
Os risos estridentes dos outros a fazer ricochete nos ouvidos sensíveis de poucos.
As férias são como as ondas: vão e vêm. E os amigos são como as férias e as ondas: vão e vêm; mesmo que haja uns que vão mais do que vêm e outros que vêm mais do que vão.

terça-feira, junho 02, 2009

Não DEVOTA não VOTA

Sou uma cidadã, como tal, tenho uma série de deveres e de direitos. Em ano de eleições, não posso deixar de avaliar o meu percurso enquanto eleitora. Não preciso reflectir muito para chegar à conclusão de que exerci apenas em duas únicas ocasiões o meu direito de voto: uma para eleger o Jorge Sampaio como Presidente da República, outra para dizer sim ao aborto. O que significa que tenho um carácter perigosamente abstencionista. Em 15 anos, votei duas vezes!
Já me disseram que quem não vota não devia ter direito a manifestar a sua opinião sobre a política e os políticos.
Já me disseram que quem não vota não respeita as pessoas que morreram a lutar pelo direito ao voto.
Já me disseram que sou menos cidadã pelo facto de não votar.
Já me disseram que mais vale votar nulo ou branco, pois esses votos são contabilizados estatisticamente, do que não votar.
"Se a liberdade não é dizer o que eu penso, mas deixar os outros pensar diferente de mim", aceito que tudo isso possa ser verdade. Ainda assim, para mim, não faz sentido votar quando não me sinto mobilizada para tal. Julgo que numa sociedade democrática o não-voto deve ser tido não como uma desresponsabilização - os outros que decidam - mas como uma tomada de posição - não voto porque não há nenhuma cor, nenhum rosto, nenhuma campanha que me leve ao acto de fé subjacente ao voto: quem não é devoto não vota.
Não faz sentido que em democracia se possa coagir seja quem for a votar. Aliás, o não-voto é precisamente a forma dos cidadãos revelaram o seu cansaço em relação à hipocrisia da não rotatividade das caras no poder, às anedóticas campanhas políticas, à irónica falta de carácter e de moral de quem devia servir de exemplo aos cidadãos comuns. Os cargos públicos têm de ser actos de generosidade e não actos de galanteio ao orgulho e ao poder.
Enquanto ISTO for nem mais nem menos do que ISTO, não voto.

segunda-feira, junho 01, 2009

Filho da Mãe









quando devias andar às risadas com as colegas da escola, a trocar segredinhos e a apontar, às escondidas, para os rapazes, carregavas uma barriga de mulher, com um princípio de gente lá dentro.

mais tarde, quando devias andar a pintar as unhas, ir ao cabeleireiro, à ginástica, em viagens pelo mundo fora, ajudavas-me a carregar uma barriga que era tua por ser minha.

foste mãe quando devias ser apenas filha e avó quando devias ser mãe.

agora, olha, estás aí enxutinha, com cara de mãe quando, na verdade, já és avó.