segunda-feira, agosto 31, 2009

Pelos caminhos de Portugal

Em Braga as igrejas estão cheias ao sábado à tarde. Apesar do cheiro a mofo.
Em Braga faz-se amigos que falam de política e que constroem futuros com calos nas mãos - coisa rara e admirável. Em Braga vive Helena, a que cativou Menelau e Páris com a sua beleza sedutora e incediou guerras no tempo do antigamente: tem os mesmos cabelos de oiro e o mesmo sorriso encantatório.
Em Braga as portas das casas abrem-se para deixar entrar toda a gente e toda a gente se sente em casa na casa dos que vivem em Braga.
Em Braga almoça-se e lancha-se e janta-se com os amigos do amigo em mesas intermináveis. E quando se acaba de almoçar já está na hora de lanchar e quando se acaba de lanchar já está na hora de jantar. E é bom. Porque as casas não são fortalezas erguidas contra os outros e as televisões não roubam nem tempo de conversa, nem tempo de discussão, nem tempo de amizade.
Lisboa não é Portugal. Nem podia, se assim o quisesse...

sexta-feira, agosto 28, 2009

Os meus lábios cor de azeitona lima

A minha devoção às azeitonas nunca me trouxe nada de muito bom, excepto aqueles minutinhos iniciais de prazer e deleite que duram normalmente até à manhã seguinte em que me aparece uma, ou várias aftas na boca.

Por que não desisto eu de comê-las? Eu penso nisso de cada vez que acordo com a boca disforme e de cada vez que a minha alimentação se torna num exercício de dor. Mas não dura muito. É só deparar-me com aquelas coisas redondinhas, a cheirar a oliveiras, que os meus olhos se perdem em desejo.

Hoje acordei com os lábios da Angelina Jolie. E não fosse a dor que sinto, era uma mulher feliz!


quarta-feira, agosto 26, 2009

Cartazes para todos os gostos

É sempre assim. A poluição visual em épocas de eleições afecta-nos mais do que a outra poluição, a recorrente, pela qual até já sentimos um certo carinho.

Os partidos investem sempre muito na proliferação de slogans eleitoralistas associados às fotografias dos candidatos.

Este ano, porém, não pude deixar de reparar que os outdoors são ligeiramente diferentes e não sei se me agradam. Por exemplo, o Paulo Portas que está ao lado do Mercado da Ribeira - sendo um mercado faz sentido a sua presença - revela claramente que o canditato tem um problema na vista ou isso ou aquele olho semicerrado tem subjacente a si uma qualquer estratégia de marketing, sendo, na verdade, um piscar de olhos malconseguido aos eleitores que ele tanto quer conquistar.

Sobre os do PSD nem vou manifestar-me, aliás, já houve manifestações suficientes sobre o rosto da Ferreira Leite estampada em cartazes que são, antes de tudo, um perigo para a circulação rodoviária.

Depois há os cartazes da candidatura do Isaltino Morais - esse grande senhor - à Câmara de Oeiras. O seu rosto não aparece em nenhum deles, sendo substituído ou por frases emblemáticas ou por rostos de pessoas de ar simpático. Não percebo a razão por detrás desta opção. Não pode estar relacionada com o facto do autarca ter sido condenado a sete anos de prisão efectiva, por favor, ninguém em Oeiras quer saber disso para nada!

O Jerónimo de Sousa aparece sem óculos no cartaz do PC. Fica giro sem óculos. As pessoas que usam óculos não podem aparecer em cartazes de campanhas eleitorais. Porquê? É que ficam menos giras. E para ganhar votos ao PSD há que ser mais giro do que a Ferreira Leite. Difícil, tarefa difícil!

O PS tinha uns cartazes todos catitas com o primeiro-ministro mais sexy do mundo, só que deixei de os ver. Inveja é o que é!


P.S. Não posso deixar de falar igualmente num dos cartazes do partido bloquista. Então não é que estes camaradas fazem publicidade aos outros candidatos?! Estão lá, e em versão repetida (para não haver qualquer dúvida) o Sócrates, a Manuela Ferreira Leite e o Santana. Ó pá, aceitem este conselho: experimentem colocar no cartaz a Joana Amaral Dias em biquíni e vão ver como os votos serão mais do que muitos. Com a vantagem de nem precisarem pagar a nenhuma agência para criar um slogan eficaz!


A emancipação não tem graça nenhuma

Não tenho jeito para coisa nenhuma. Mas especializei-me em ser mãe. Agora, sem filho, como posso eu aplicar toda a sabedoria adquirida em mestrados, doutoramentos e cátedras?!

segunda-feira, agosto 24, 2009

As canções na minha VIDA

Gosto de música e gosto de associá-la a momentos.
Nestes últimos dias, é esta que não sai da minha cabeça:
Cantada (Depois de ter você)
Depois de ter você,
pra quê querer saber que horas são?
Se é noite ou faz calor,
se estamos no verão,
se o sol virá ou não,
ou pra quê é que serve uma canção como essa?

Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas,
pra quê amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas?
Depois de ter você...

sexta-feira, agosto 21, 2009

Quando for grande...

foi depois de tudo. dos caracóis devorados entre conversas próprias - todas as famílias têm uma língua natural, imperceptível para os outros, os de fora - da carne que o meu avô escolheu e não quis comer. do leite creme com açúcar queimado que a minha avó substituiu pela gelatina com natas - que ela adora, mas que não havia - dos sms que a minha irmã trocou com gente que acabou, afinal, por nos acompanhar ao jantar.


foi só depois disto, quando o carro parou em frente ao prédio branco do bairro 1.º de Maio - decorei o nome do bairro assim que aprendi a ler, uma vez que, a tinta preta, estava escrito na parede do lado direito, em cima: 1.º de Maio, bloco D, n.º 8 - e depois da anedota do cigano que nunca foi contada, por que não era preciso, só de falar nela dava-nos vontade de rir; foi quando ficámos, eu e a minha irmã, sozinhas no carro e voltámos o pescoço para a porta do prédio, para acenar ao meu avô e avó, até que tivémos de usar o espelho retrovisor para vê-los, foi aí que reparámos: a atravessar a rua, o meu avô e a minha avó, casados há 51 anos apesar das mentiras, do sangue da minha mãe jorrado nas sebentas da escola, das socas atiradas contra a sua cabeça de filha-menina, das bebedeiras intermináveis, dos filhos da puta e caralhos e vão-se foder gritados contra tudo e contra todos os que ousassem respirar, atravessaram a rua de mão dada...

quinta-feira, agosto 20, 2009

Talk to the HAND


Sentir a sua mão no rosto devolvia-lhe a sensação de redenção absoluta. A pele do corpo virava galinha, num repente brusco e disparatado. Nem o bater do coração escapava, por acelarar-se em batidas descompassadas e persistentes. Ela não queria pensar muito no assunto. Pensar estraga, dizia para si própria, como se o dissesse aos ouvidos das amigas, no recreio da escola preparatória.

Aquelas mãos, ela sabia, não eram como outras que sentira no mesmo rosto e na mesma pele. Aquelas eram AS mãos. Mãos que demoravam horas a encenar os contornos específicos do seu rosto de mulher. Mãos que dispensam olhos, e até boca. Mãos que afagam, que apertam. Mãos que amam. Mãos que são MUITO em TUDO.

Voltados um para o outro, alheavam-se da vida que continuava além deles: o camião do lixo, os vizinhos a entrar e a sair, o relógio do tempo a tiquetaquear.

- Sandra - Foi a última coisa que ela ouviu, dita num murmúrio dolente, quente, húmido.

Afastou-o de si, olhando-o nos olhos:

«Depois de mim, depois das outras mulheres, é o meu nome que dirás, e nenhum outro.»


terça-feira, agosto 18, 2009

Mangueirais

É exactamente como se tivesse comido mangas: os fios podem não ser visíveis a olho nu, mas estão lá entrelaçados nos dentes e a provocar aquela sensação de desconforto. A verdade é que gosto de mangas, mas ainda não aprendi a comê-las de forma a não ficar com restos de fios entre os dentes...


segunda-feira, agosto 17, 2009

Castelo de Vide/ Marvão/ Sr.ª da Penha (não da Graça)

O silêncio das ruas permite ouvir o tamanho do calor que fica suspenso no ar da manhã. Poucos são os passos que se cruzam com os meus, poucos ou nenhuns. Há, de tempos a tempos, uns passos velhos e agastados, que arrastam idade e cansaço, assim como sacos de plástico pela mão. Também há ruas e ruelas estreitinhas, onde é possível esticar os braços e chegar num instante à janela da vizinha que nos empresta um pouco de poejo para temperar a comida. A antiguidade esconsa delimita geometrias de traçado antigo. Não há excesso. Também não há pouquidão.
Com passinhos em volta, atinge-se o paraíso, se ele houvesse, que eu sei que não há. Lá no alto, o céu é mais nosso e o horizonte não cabe apenas no olhar. É maior. Muito maior.
Tem uma cadeira de desejos. Uma cadeira que não é uma cadeira, é uma pedra esculpida na montanha a fazer de cadeira. Diz-se que no tempo em que os homens iam à tropa, as mães vinham sentar-se ali para pedir à santa que não lhes levasse os filhos. A santa não levava.
Também estive sentada naquela cadeira e pedi o meu desejo. Só que foi um de fingir, o desejo maior guardei-o em segredo, que é onde os desejos devem guardar-se...

O amor...

"O amor não é um bem: Quem ama sempre padece."


Mário de Sá-Carneiro

quinta-feira, agosto 13, 2009

Ele e ela

(ela) - Tenho tanto medo.
(ele) - (sorrindo) O medo só te faz morrer por dentro.
(ela) - Não. Faz-me viver nas dobras do que sou.
(ele) - Então... ter medo pode ser bom?
(ela) - Em alguns casos, sim.
(ele) - Não percebo!
(ela) - (sorrindo) Eu tão pouco!

quarta-feira, agosto 12, 2009

The slag of my father

Caramba... sou uma gaja simples e à pergunta o que mais desejavas na vida, neste preciso momento, teria apenas e só esta resposta: receber do meu pai uma demonstração de confiança absoluta, que não fosse nem subtil, nem transversal. Uma confiança, confiança...

terça-feira, agosto 11, 2009

Hoje é o dia?

"Um dia beijo-te a meio de uma frase"



Não bebo café. Não tenho esse hábito. Não gosto do sabor. Só do odor que dele emana. É por isso que me dá prazer preparar café para oferecer às visitas lá de casa, numa cafeteira antiga que faz um café de merda, diga-se de passagem, mas permite que o cheiro permaneça por algum tempo nas minhas narinas. É verdade que a Nespresso, pelo que dizem, faz cafés deliciosos, mas não devolve ao ar o cheiro que tanto aprecio. Com a devoção que existe por estas máquinas hiper-mega-eficientes, tipo Nespresso ou Bimbi, impedimos, sem nos apercebermos, da possibilidade de activar memórias adormecidas pela acção do cheiro.

Por exemplo, o cheiro do arroz de cabidela leva-me de imediato para uma tarde de calor insuportável, para o quintal da minha bisavó, no Minho, e para vozes de tias e avó, acotovelando-se para se fazerem ouvir, misturadas com o som do pingar constante de patos mortos e depenados, de cabeça para baixo, dispostos em alguidares multicolores. Até hoje não suporto arroz de cabidela. Tenho o cheiro do sangue dos patos entranhado na memória.

Com o cheiro do café acontece-me pensar em hálitos quentes e dentes amarelo-acastanhados, sorridentes de chávena na mão, entregues àquele ritual silencioso de pega-na-chávena-com-a-ponta-dos-dedos-e-leva-a-aos-lábios. Fixo-me nos olhos e há muitos a espreitarem-me por entre as chávenas.

Não bebendo café, há uma série de outras coisas que não faço. Como sair de casa, aflita, para ir ao café da esquina, por exemplo. Não indo ao café da esquina, a verdade é que fico sem conhecer muitos dos meus vizinhos que frequentam aquelas paragens. E também não sou surpreendida com frases Nicola. A não ser que algum devorador de café, por simpatia, me estenda um pacote de açúcar onde está dito: "Um dia beijo-te a meio de uma frase" e me deixe pendurada de lábios esticados ansiando por esse beijo atrapalhador de frases...

segunda-feira, agosto 10, 2009

Mastiga e deita fora

Regressar de férias é como regressar de um país longínquo, de um país onde amanhece de noite e anoitece de dia, onde as pessoas caminham com a cabeça e pensam com os pés, de um país onde os ponteiros do relógio se movimentam da direita para a esquerda.
Só isso justifica a lassidão do cérebro em reaceitar os pequenos gestos que perfazem o quotidiano dos nossos 343 dias restantes, como se precisasse de tempo para se reajustar ao jet lag que a rotina do despertar sem hora marcada, do sol e sal no corpo, das leituras sem ritmo, das churrascadas às três da tarde, do riso, da família, do dolce fare niente provoca.
Até a escrever este texto, sinto falta de agilidade nos dedos e na mente. Neste exacto momento não sou nada mais do que uma pastilha elástica gigante, mastigada para a frente e para trás e que precisa urgentemente de ser cuspida...

domingo, agosto 09, 2009

Reencontro

Sento-me na areia e desenho nela uma linha dividida ao meio por um traço. Essa linha representa-me, sou eu menos gente, menos mulher, menos empírica, mas eu. O traço está ali para demarcar um antes e um depois.
O mar tropeça na areia e traz um apetite voraz, os seus braços de espuma estendem-se pela linha do antes, apagando-a. Só o depois permanece. E ninguém sabe o que diz.

O final das férias obrigaram-me a um novo início. Não tenho braços de espuma capazes de devorar os antes que somados fazem os hojes da minha vida; ainda assim, o depois que há dias inaugurei não me deixa margem para duvidar de que um mais um é realmente dois e que a dois tudo tem um valor maior. Porque? (oiço-te a perguntar mesmo antes de te ouvir)
Porque a dois dividem-se as tristezas, subtraem-se as amarguras e multiplicam-se os prazeres (respondo-te mesmo antes de me perguntares).