quarta-feira, dezembro 29, 2010

Código de "Deséctica"

Hoje tive de assinar uma declaração em que garantia ter cumprido com rigor o Código de Ética da empresa.
No local onde estava escrito Código de Ética assinalei com um asterisco e, no final da declaração, escrevi o que a seguir transcrevo:

* Apesar de desconhecer o Código de Ética em vigor na empresa, declaro que o cumpri com todo o rigor. Acrescento apenas que desconheço se tirar macacos e colá-los debaixo da secretária conta como infracção ao código! Ou ficar especada a olhar para o vazio, a pensar em tudo o que não se relaciona com o trabalho, também conta como infracção ao código! Ou se falar dos directores também conta como infracção ao código! Ou rir com e dos colegas...

Nota: Acho que, afinal, não deveria ter assinado a declaração!

Milagrário é não querer voltar ao Livro

Estou triste.
Os dois últimos livros portugueses que li (ainda não consegui terminar ambos) - Milagrário Pessoal e Livro - não me entusiasmaram absolutamente nada. Aliás, até os achei assustadoramente chatos, narrativamente desconexos e com personagens alheadas da história.
Estou irritada.
Sou uma defensora acérrima da literatura que se faz em português mas os dois livros que li retiram força à minha defesa habitual. Ainda por cima, são livros de autores que gosto de ler.
Estou esperançada.
Apesar de viver há muitos anos nos EUA, António Damásio é português. Espero que o Livro da Consciência me renove a fé na literatura escrita em português.

terça-feira, dezembro 28, 2010

CHALADA e sem chá

Há momentos de dúvida. Ao contrário, outros há em que as certezas são absolutas: tenho alturas em que guardo o cérebro numa gaveta e depois esqueço-me de ir lá buscá-lo.
Ontem, antes de dormir, pus a chaleira ao lume para que, ao acordar, fosse apenas necessário aquecer o chá. Isto era o que devo apelidar de "projecto inicial".
O que acabou por acontecer não foi bem aquilo. Ao acordar, lembrei-me que deixei a chaleira ao lume durante TO-DA a noite.
Pus a vida do meu filho em risco de forma gratuita.

Vou guardar o cérebro na gaveta e mantê-lo por lá, pelo menos passa-me este travo de responsabilidade - por causa da falta dela - que se instalou aqui desde o meu despertar...

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Que tanga de manhã...

não sabia, apenas advinhava
o dia cinzento, frio, chuvoso, feio
a cama quentinha, aninhada nos meus pés gelados
e também enrolada num abraço caloroso nos meus braços vazios
foi assim que fiquei mais tempo que devia
absorta em pensamentos tristes, cinzentos, chuvosos, feios
o tempo a passar e o abraço a tornar-se mais e mais caloroso
o alarme impiedoso que tinha tocado há minutos largos
a cama, eu, a cama, eu, um tango sensual, vermelho-choque
é só mais uns minutos, é só mais uns minutos
quando dei por mim, os minutos eram já mais do que muitos
e o atraso mais do que certo
há dias em que a cama apetece e o mundo lá fora nos cospe na face
em ambas as faces, se, seguindo o Novo Testamento, lhe oferecermos a lavada...

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Bem, se não nos virmos...

Por que razão quando as pessoas se cruzam connosco na rua nos desejam Feliz Natal da seguinte maneira?

- Bem, se não nos virmos, feliz Natal.

E se dissessem só "Feliz Natal" não serviria?

quarta-feira, dezembro 22, 2010

É Natal, é Natal

Pelas mensagens de Natal que tenho recebido no meu email profissional, estou convencida do seguinte:

1. As pessoas resolveram emigrar para uma realidade alternativa, onde não haverá aumento do IVA, da electricidade, do desemprego, nem diminuição de salários, uma vez que praticamente todas as mensagens desejam sucessos profissionais e pessoais;
2. Julgam, igualmente, que os outros só existem nesta época; de repente, recebo emails de gente que não conheço e com quem nunca troquei palavras, sorrisos ou o que quer que seja;
3. Para terminar, creio que acreditam que o Natal implica uma transformação tal que nos torna a todos em seres bonzinhos, solidários e o raio que os parta;

Estas mensagens agoniam-me e só me acentuam o desconforto que sinto por viver esta vida neste país de merda...

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Parabéns a mim

Ontem foi o dia do meu aniversário.
No dia dos aniversários não há filhos que se esquecem de nos presentear com um beijo redondo e um abraço horizontal.
No dia dos aniversários não há portas de casa fechadas com a chave na fechadura, do lado de dentro.
No dia dos aniversários não há carros na reserva, nem bombas com o combustível esgotado.
No dia dos aniversários não há filas de trânsito intermináveis que não nos deixam chegar a casa a tempo de jantar com a família, que nos aguarda, ansiosa pelo abraço e a felicitação costumeira.
No dia dos aniversários não há pais zangados ou a gritar-nos aos ouvidos, irritados com os problemas próprios, pessoais e intransmissíveis. Nem mães a vaguear pelas ruas, à espera de acalmar a irritação sentida momentos antes.
Não há. Ou melhor, não deveria.
Há dias de aniversário em que o dia deveria passar como se de outro dia qualquer se tratasse.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Natal anoréctico

Estou aflitíssima com o Natal. Gostava de ser criativa o suficiente para oferecer a cada uma das pessoas o presente certo. O presente. Cada vez menos me entusiasmam as banalidades.
Ontem lá fiz a árvore (finalmente!) mas está tão nuazinha, escanzelada, sem qualquer embrulho a decorá-la que mais parece a Kate Moss nas piores fases da anoréctica doença.
Quero uma árvore gorda, anafada, roliça, tipo Kirstie Allen. Uma árvore orgulhosa dos seus pneumáticos. Quero, sobretudo, que cada presente aninhado aos seus pés valham a aflição de não saber HOJE o que oferecer a quem.
Acho que vou deprimir-me em frente a uma folha de papel com vários nomes, tipo escritor angustiado e às voltas com uma folha de papel em branco...

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Este frio de DEZEMBRO

Tenho os pés gelados. As mãos também.
Estou sentada ao computador a contar o tempo que passa. Mas estou desconfiada que o tempo passa sem eu  ter tempo de contá-lo. Daqui a nada o despertador vai tocar e anunciar um novo dia. O pequeno-almoço. A viagem para a escola. A viagem para o trabalho. Os acidentes da A5. O trabalho. Os telefonemas. As informações. Os pareceres. Os directores. Os requerentes. Os colegas. As piadas de teor sexual que fazem rir. A hora de regressar a casa. As filas de trânsito na A5. O treino de natação. O jantar. O silêncio. O sono. A aproximação de um dia novo.
Tenho a perfeita noção de que o ciclo do tempo se aperta. Antes, o tempo sobrava-me e eu sentia dificuldade em ocupá-lo. Agora, o tempo falta-me e eu sinto dificuldade em desocupá-lo. E isto, dizem-me, é crescer. É ficar mais velho. É saber responder a qualquer questão que nos coloquem. É saber exactamente que já não controlamos o tempo, que é o tempo que nos controla a nós.
O frio regela, neste instante, outras partes do meu corpo. A conversa no facebook susbstitui a conversa que deveria fazer-se pessoalmente. O facebook é a falácia da modernidade: não aproxima, afasta. Não aconchega o tempo, acelera-o.
A não aceitação das virtudes da tecnologia é só mais um sinal de que o meu mundo se faz na corrida contra o tempo; já não a seu favor...

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Tanga ou Sunga?

Sinto-me a viver num país tropical, tal é a humidade e o calor que emana da atmosfera.
Só falta mesmo os políticos irem trabalhar de tanga... ou de sunga, que é uma tanga mais sofisticada porque brasileira!
E tudo o que é importado... é bom!

(Já estou a imaginar o Teixeira dos Santos, com o seu ar de pai natal grave e cinzento, a fazer contas de subtrair - nos Açores fazem-se de somar porque os açorianos são portugueses de outra estirpe -, vestido com uma tanga branca, com a bandeirinha da UE estampada ao centro) 

sábado, dezembro 04, 2010

Era uma vez um pai

- NÃO QUERO AJUDA. NÃO PRECISO DE NINGUÉM - OUVIRAM? - DE NINGUÉM.
Os gritos, o desespero contra o vazio das horas, que passavam em tiquetares estrondosos.
- Estou bem sozinho. Gosto de estar sozinho. Incomoda-me se não estiver sozinho.
A solidão sublinhada por palavras trementes, hesitantes, que não passavam despercebidas aos olhares cúmplices das três.
- Não entendo a vossa insistência. Isto é rápido. Eu sou homem e os homens são fortes. Eu sou forte.
Dávamos as mãos, sem as entrelaçar, sem sequer as encostar umas nas outras. Falávamos do tempo e de restantes banalidades. Criávamos um laço que o ultrapassava e que o confortava sem ele se aperceber.
-  Estou aqui. Não vim sozinho, é certo, mas sou homem, logo, sou forte.
As três por detrás dele, sorrindo candidamente e anuindo com a cabeça e com o coração: sim, ele é forte, nós somos fracas e, por isso, quisémos acompanhá-lo.
Despiram-no. Depilaram-no. Meteram-no numa cama despersonalizada. Fria.
- Vão trabalhar. Vão almoçar. Eu estou bem. Eu fico bem.
Palavras que significavam tudo, menos o que diziam. Trocávamos de 10 em 10 minutos. Nenhuma estava disposta a abdicar do seu lugar à cabeceira.
Uma mensagem. As lágrimas disfarçadas de encontro ao amor.
- Ele disse "Avô, que corra tudo bem. Gosto muito de...".
As últimas palavras eram já só soluços, esperanças de um abraço, só mais um abraço.
Desapareceu por uma porta, que era o escuro para nós, o medo, a incerteza de todas.
Chamaram-nos horas depois. Longas horas depois. Muitas esperas depois.
- Tirem-me daqui. Não me deixem sozinho, não aqui.
Os olhos a pedir socorro, a pedir o conforto do resgate; a boca quieta, muda.
- Não quero ficar sozinho. Não gosto de hospitais. Preciso de vocês.

Tensio

Não sei se é do frio. Não sei se é da sede. Ou da fome. Ou da pobreza. Ou da miséria. Ou da inoportunidade. Ou da inércia. Talvez da ataraxia.
Só sei que olho para o mundo de hoje e não sinto tesão por dele fazer parte.
Nem um niquinho.
Nada.
Mesmo NADA.

sexta-feira, novembro 19, 2010

"O que é desejo?"

os contornos de uma pele molhada
as sombras recortadas da infância
as horas
a morte
a carreira 434
o mar
as redes sociais
o capital
a capital
os corpos das outras
a vida dos outros
o sucesso
o amor
a possibilidade de dizer não
a vontade de dizer sim
os sapatos manolo blahnik
os risos da infância
os amigos para sempre
o reconhecimento
o que não nos pertence
a água
o céu
o MUNDO

No Afeganistão, todavia, Zafaran não sabe o que é desejo...


(vide texto de Adelino Gomes em 52 Histórias Livro-Agenda Perpétua, ACEP e vv. autores, 2010)

quarta-feira, novembro 17, 2010

Seja o que DEUS quiser

Há burburinho no ar, burburinho que é inquietude, burburinho que é medo. Pressinto que há pessoas com medo, sobretudo medo de ter de justificar o trabalho que, afinal, toda a gente espera que faça.
Vive-se numa fase em que um gesto, uma decisão ou uma atitude pode prender alguém nas malhas da desconfiança.
"Se existes, logo és corrupto" é a máxima que se pode ler nos corredores por onde movimento os meus passos ou os meus saltos, naqueles dias em que decido vestir-me de empresária de sucesso, a trabalhar numa empresa de sucesso.
Acho uma certa graça a este movimento colectivo - procura-se inferir as mudanças que se advinham: este fica, este sai. Esta vai para aqui. Aquele salta para lá. Este fecha. Aquele esfuma-se...
Na verdade, não se sabe de nada, mas como num jogo de xadrez, joga-se com as pessoas, com as posições que ocupam como se de meras peças se tratassem - entretém, faz rir e permite escapar ao burburinho que se infiltra na pele como a humidade nos ossos; como um grito calado que, quando se fizer ouvir, explodirá nas mãos de uns quantos!

sábado, novembro 13, 2010

Para SEMPRE

Seremos todos hipócritas compulsivos? Ou serei eu uma tábua rasa no que a emoções colectivas respeita?

Não entendo esta onda de homenagens ao homem que passeava de saco de plástico na mão e presenteva com adeus simpáticos os trauseuntes do Saldanha.
A maior parte das pessoas passava por ele e nem sequer o "via" - absortos que estariam na sua própria vida.
Além disso, a solidão era o seu apanágio - somos normalmente alérgicos a pessoas com comportamentos desviantes.
Ouvi - algumas vezes - dizerem que o homem era maluco (o que pensar de alguém que ocupa os dias a passear pelas ruas a acenar aos outros?!).

Por isso, mais uma vez pergunto, seremos todos hipócritas ou serei eu uma tábua rasa no que a emoções colectivas respeita?

sexta-feira, novembro 12, 2010

A Lista, não de Schindler, mas de Manuel Godinho

Com a publicação da lista das prendas oferecidas por Manuel Godinho, no jornal diário I, oferece-me dizer o seguinte:

1. Preciso urgentemente que me expliquem - tim tim por tim tim - o significado de corrupção. Receber um presente de alguém faz de nós corruptos?
2. Se a resposta à pergunta anterior for "sim", deixo uma sugestão: afundem o país e construam um novo, porque duvido que haja entidades isentas nesta coisa à beira mar plantada.

quarta-feira, novembro 10, 2010

É das loiras que eles riem mais

Por que razão sempre que procuro ser eficiente e diligente só consigo ser - no máximo, vá - disparatada?
Ia eu a sair do trabalho, aflita com as horas (ando normalmente com o pé no limite do tempo), quando me aproximo da cancela, onde devo passar o cartão identificativo que activa o levantamento da baia de segurança, e baixo o vidro do carro - julgo que chovia, além de estar uma fila atrás de mim (provavelmente com o pé - como eu - no limite do tempo), neste instante, o cartão escorregou das minhas mãos e caiu no chão:
- Merda! - disse e pensei eu, quase simultaneamente.
O colega, que se encontrava imediatamente atrás, ria. Podia ter-se ficado só pelo riso, mas não...
- Tem o carro travado? - perguntou-me, assim que me viu sair em demanda do cartão.
- Merda! - pensei e não disse - Deves pensar que lá por deixar cair a merda (pensei e disse de mim para mim) do cartão isso significa que não tenho cérebro.
- Sim - retorqui com o meu melhor sorriso - Tenho o carro travado! - acho que aqui voltei a sorri-lhe.
Não demorei a encontrar o cartão, a passá-lo na maquineta e a esfumar-me pela estrada fora. Vermelha, não de vergonha, mas de clara irritação:
- Merda!

terça-feira, novembro 09, 2010

Boa Nova

Desde miúda que me lembro de ouvir os adultos, com o dedo empinado diante dos meus olhos, a reclamar contra a mentira, por ser qualquer coisa condenável e - até - pecaminosa.
O caminho, advinha-se, deverá ser sempre o da verdade.
Só não compreeendo, então, por que razão a maior parte da vida adulta se pauta na mentira, no engano e na decepção - com "p" porque não sou das pró-acordo ortográfico.
Dino Saluzzi, compositor argentino, em Portugal por causa do Estoril Film Festival, desvenda - sem o saber - a razão para eu gostar tanto de música:

 - Com a música não se pode mentir. A música diz sempre a verdade.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Ave Mundi Luminar

Bastaram os primeiros acordes para as lágrimas surgirem no meu rosto, como as flores que desabrocham com os primeiros raios da manhã. Ao início, tentei evitá-las - sentia-me idiota por estar a chorar sem querer. Mas durou pouco aquela vontade de controlar as emoções que a música despertou em mim. Entreguei-me. Deixei-me ir e fui.
A emoção de ver Rodrigo Leão ao vivo não é contável por palavras escritas. Há qualquer coisa indizível naquela música, no som daqueles instrumentos (Teclas - Rodrigo Leão; Violino - Viviena Tupikova; Acórdeão - Celina da Piedade; Viola de arco - Bruno Silva; Bateria - Luís San Payo; Violoncelo - Carlos Gomes; Baixo - Luís Aires), naquelas vozes femininas (Ângela Silva e Ana Vieira) que são instrumentos de outra natureza. Há qualquer coisa que me aprazaria descrever em palavras, qualquer coisa que fosse, mas sei que não é possível. As emoções não se explicam, sentem-se, dão-se, acontecem.
Sexta-feira, dia 5 de Novembro, fui surpreendida com a ida ao concerto Ave Mundi Luminar e não me lembro de nada que me apetecesse mais fazer naquele dia.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Os homens e o vinho

Ontem, enquanto apanhava um pouco do sol do dia, ouvi:

- Os homens são como as uvas. Têm de ser bem pisados para dar um bom vinho.

Não me identifico minimamente com ideais feministas, mas esta frase ficou-me no ouvido... confesso.

Wrestling domesticado

Julgo que estaria a lanchar - sei que ainda não tinha saído de casa, o temporal não convidava a ir para a rua, além disso, sentia-me adoentada. Chá - de maçã e canela - e torradas - de pão alentejano - e o Ipsílon como companhia.
Roçava os dedos nas páginas e a atenção no que lia: Jonh Lennon, novo filme de Fincher, Companhia Maior e A Bela Adormecida (tentei comprar bilhetes, estavam esgotados). Até que vozes musculadas entraram em minha casa sem ser convidadas.
Ao início, mantive os dedos a roçar as páginas e a atenção no que lia. Só que as vozes tornaram-se cada vez mais musculadas e os dedos saltaram das páginas ao mesmo tempo que a atenção do que lia.
Sem dar por isso, os meus dedos roçavam os cortinados azuis da minha cozinha e a minha atenção centrava-se nas vozes musculadas que gritavam uma contra a outra. Não percebi por que discutiam, sei que o faziam na rua, perto da minha janela.
Por instantes, senti-me num programa de televisão da TVI: eu a espreitar uma discussão da vida real pela janela da minha casa!
Em segundos, desinteressei-me pelos gritos, pela discussão e voltei ao chá, às torradas e ao Ipsílon, apesar das vozes musculadas perturbarem convictamente a minha paz vespertina...

sexta-feira, outubro 22, 2010

isto de ser coisa nenhuma

não é que tenha qualquer coisa inteligente para dizer.
não é que tenha qualquer coisa especial para dizer.
não é que tenha qualquer coisa única para dizer.
nem que tenha uma coisa qualquer para dizer.
mas digo. já disse. foi isto. e isto (dirão/pensarão) alguns, não é NADA.
eu, de mim para mim, replicarei: traduzam-me NADA.

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo (...)"
«Tabacaria», Álvaro de Campos

segunda-feira, outubro 18, 2010

domingo, outubro 17, 2010

Milagre da multiplicação dos pães

Os noticiários têm pessoas de voz grave e semblante carregado a falar do Orçamento de Estado 2011.
Dá-me vontade de rir a vê-los esgrimir argumentos para defender a recessão, a situação económica difícil e o esforço que  é exigível a TODOS os PORTUGUESES.
Engraçado que, em determinados contextos - como este - somos TODOS PORTUGUESES.
Pena é que os responsáveis políticos se lembrem tão pouco de TODOS os PORTUGUESES quando a finalidade é repartir crescimento, melhoria de condições de vida e futuro.
Ainda não usei a máquina de calcular para quantificar a diminuição da minha riqueza: quando se aprende a viver com pouco, o que resta será sempre suficiente.
Já para aqueles que de pouco só têm nada, terão de aprender o milagre da multiplicação dos pães, da alegria, dos peixes, da resistência, das carnes, da resignação, dos iogurtes, da força, dos legumes e da esperança...

quinta-feira, outubro 14, 2010

Subdimensionamento humano

Há hospitais fresquinhos, acabadinhos de nascer, que não têm lugar para todos os doentes.
A desculpa técnica é a do subdimensionamento - palavra chique - mas que pouco diz aos familiares que se deslocam às instalações e encontram o seu doente numa maca, à porta de um quarto com lotação esgotada.
Eu pago impostos. Os meus pais pagam impostos. Os meus familiares pagam impostos.
Eu pago a Segurança Social. Os meus pais pagam a Segurança Social. Os meus familiares pagam a Segurança Social.
Alguém me explica por que está, então, o meu avô, de 90 anos, num corredor de um hospital fresquinho, acabadinho de estrear?
Alguém me explica por que está o meu avô, com a sua doença, a sua dignidade ferida, a sua fragilidade natural, à mercê do olhar dos que passam?
O meu avô está neste corredor, sem forças, a fazer xixi ensaguentado para um plástico transparente, que qualquer um pode ver.
Eu sei que o meu avô tem 90 anos. E que a sua vida já aconteceu. Mas enquanto os olhos dele não se fecharem de vez, não há quem lhe cale a desconfiança e a incerteza daquele lugar. Nem a ele nem a mim.

terça-feira, outubro 12, 2010

Palavras que ofereceria ao dia de hoje se o dia de hoje recebesse palavras minhas no dia de hoje

prenda
de
abraços
com
sede
de
extâse
e
pele
com
a
saudade
do
amor

se as juntasse, daria qualquer coisa como: prendadeabraçocomsededextâsepelecomasaudadedoamor.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Curso III

chegar. devagar. olhares ansiosos. lugares disponíveis.
professora. lugar que ocupa. silêncios cúmplices.
rostos. vidas. desvendados. partilhados.
sonhos. ambições. desejos. revelados.
estonianos. polacos. alemães. espanhóis. italianos. turcos. melting pot.
eu. a língua toda. as línguas todas. o ensino.
aprendizagem. eles. eu. nós. juntos.
universo que basta. sala de aula. tecto e chão do mundo. nosso.

sexta-feira, outubro 08, 2010

Palco da vida

"Para ser performer é preciso odiar o teatro. O teatro é falso. A faca não é real, o sangue não é real, as emoções não são reais. A performance é exactamente o oposto."

Marina Abramovic, performer


A acreditar no que diz a performer, Marina Abramovic, sou daquelas que ama o falso. Mas o falso que sabe a verdadeiro, cheira a verdadeiro e se sente como verdadeiro: de realidade, basta-me a minha...

quarta-feira, outubro 06, 2010

Hamlet na A5

Hoje apeteceu-me rebentar as fuças de alguém. Assim mesmo: rebentar as fuças de alguém.
Saí de casa às 08.10 da manhã. Cheguei ao trabalho às 11.00.
Estive com o rabo enfiado no carro três horinhas seguidas, enquanto carros avariados, carros batidos, carros incendiados entupiam as vias. Tudo por causa de uma chuvinha idiota.
Tanto imposto e não há um que seja pago pelos concessionários das estradas aos utentes que vêem a sua chegada ao local de trabalho impedida por toquezitos da tanga? Sobretudo nas estradas portajadas. É que, afinal, pagam-se essas portagens para quê?
Para se ter direito a estradas seguras?
Para se ter direito a estradas mais rápidas?
Sinto-me roubada. Enganada. Vilipendiada. E não gosto.
Apetece-me rebentar as fuças de alguém.

P.S. Agora percebo melhor as personagens da peça de teatro, Hamlet da Silva.

terça-feira, outubro 05, 2010

República mendiga

Fui passear a Lisboa. Nada melhor do que aproveitar, em dia feriado, a cidade esvaziada do correpio rotineiro, das filas de trânsito, do buliço apressado das pessoas. O feriado que comemora a República, que é qualquer coisa que devemos louvar, embora tenhamos tão pouca noção do seu significado. Principalmente num tempo em que os políticos governamentais fazem lembrar os reis com a sua incontrolável sede de impostos.
Ia a descer a rua do Trindade quando me deparo com alguém a dizer-me quase em surdina, em embaraço comprometedor:
- Dê-me uma moeda, a minha reforma é de € 238 e eles não ma entregaram ainda. Tenho fome, queria comer.
Era uma senhora de idade, mãe de alguém, avó de alguém. Era uma senhora que, em algum momento da sua já longa vida, trabalhou para um Estado que agora lhe dá € 238 mensais para sobreviver.
Chorei por dentro. Odeio a miséria. Dei-lhe € 2, com esperança que esse dinheiro lhe matasse a fome e a vergonha por umas horas.
Viva a República.

segunda-feira, outubro 04, 2010

C@s@

Queria ter uma casa para ser viva nela. Queria um canteiro de flores amarelo-alaranjadas para causar inveja aos vizinhos. Queria uma varanda para o infinito, onde pudesse vir sentar-me, ao cair da noite, a perscrutar o sonho dos outros.
Queria uma casa  sem paredes e sem tecto - só com janelas. Uma casa onde o cheiro do teu corpo (não o cheiro do teu perfume, porque o cheiro do teu perfume sem o teu corpo não cheira ao que cheira o cheiro do teu corpo com o teu perfume) me arrebatasse de dia e de noite, sem sobressaltos ou sonhos dos maus.
As paredes das casas - assim como os tectos - impedem-nos de sentir a liberdade e fazem-nos recear os que nelas não vivem. Nós somos seres de medos, foi por isso que inventámos as paredes, os tectos, os portões, as grades.
Eu não tenho medo. Mentira. Tenho um medo, unzinho. Tenho medo de que o cheiro do teu corpo (não o cheiro do teu perfume, porque o cheiro do teu perfume sem o teu corpo não cheira ao que cheira o cheiro do teu corpo com o teu perfume) não me arrebate de dia e de noite e que, por causa disso, os sobressaltos e os sonhos dos maus se venham instalar na casa que eu queria mas que não tenho: a tal do canteiro de flores amarelo-alaranjadas e da varanda para o infinito.
A tal só com janelas, que é a maneira mais simples de abraçar a vida defronte - ou como quem diz: de frente!

quarta-feira, setembro 29, 2010

Os hospitais são lugares sombrios.
Há decadência a espreitar por todo aquele branco: das paredes, da roupa das camas, das batas dos médicos...
Há incertezas. E há medo.
Não gosto de hospitais.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Há coisas que não se explicam...
Por exemplo, fico com pele de galinha ao ouvir pronunciar *CLIRIS (a palavra não é grave) em vez de CLÍTORIS (a palavra é exdrúxula).
Ou fico verde, quando alguém se dirige a mim e me chama: 'MIGA - dá-me sempre a sensação de que a sílaba "a" ficou entalada algures...
E fico danadíssima se no café, na mercearia ou numa loja qualquer um empregado,a fazer-se de engraçado, returca:
- Queria? Então é porque já não quer (com aquele sorriso de estúpido estampado no rosto).
Eu respondo, ainda que só mentalmente:
- Ó boi, não sabes que a expressão "queria" (designada por imperfeito de cortesia) é apenas uma forma de ser cortês e de não exigir-te o serviço sem mais nem quês? Devias era viver em Espanha, cabrón!

Conversas perdidas

Conversa I

Ele - Às vezes fico na dúvida se devo dizer austríaco ou australiano.
Eu - ?!?!?!


Conversa II

Eu (ao telefone) - Acabou de chegar aqui o meu preto.
Ele (abraçado a mim, com um pedaço de pão na mão) - Olha, sabes que quando como pão fico branco?
Eu - ?!?!?!
(Se o Michael Jackson tivesse sabido disto, será que estaria vivo?)

quarta-feira, setembro 22, 2010

Caricatura a carvão

Não é nos sons intermináveis que faz com as mãos, com os pés, com a boca.
Não é no rasto de desarrumação que arrasta atrás de si. À frente de si. Ao lado de si. Por baixo de si.
Não é nas horas que rouba ao espelho em silêncio.
Não é nas roupas que veste e que despe que-despe-e-que-veste-e-que-veste e torna a despir para vestir enfim.
Não é nos braços compridos, fortes que limitam a visão da criança que foi outrora.
Não é na maturidade do discurso: calmo, equilibrado, bem pronunciado.
Não é na insegurança do que o que os outros dizem, do que os outros pensam, os outros, os outros, os outros (e tão pouco ele).
Não é na gargalhada vibrante que acorda os mortos.
Não é no carinho aos molhos com que chama seus aos seus.
Não é na preguiça que lhe molda os gestos, passados e futuros.
Não é na ambição de fazer 59' aos 100m crowl e e não-sei-quantos a bruços e outros tantos a livres.
Não é no sentido de humor refinado, contagiante, genial com que desarma os que o ouvem.
Não é na capacidade infinita de amar dolorosamente, fidelissimamente, fervorosamente, eternamente um ser, uma causa, o nada.
Não é no gosto e no tempo que dedica à música.
Não é nos desenhos que rabisca cujos traços lhe definem a alma.
Nem nos "i-ó-mãe" ditos em tudo.
Nem na facilidade com que diz "obrigada" ou "desculpa".
Não é no sentido de protecção exímio ou expedito com que me defende das agressões externas, internas, reais mas também as imaginadas.
É em mim. E na parte minha que já é dele.
É nele. E na parte sua que já é minha.
14 anos. E o tempo a carregá-lo longe. Para longe. Lá longe. No lugar da independência.

terça-feira, setembro 21, 2010

Lições já mortas

Victoria Holt.
Este é o nome dos livros que li na minha juventude. Não frequentava livrarias. O dinheiro chegava apenas para o básico e indispensável. Não para livros. Que eram luxo.
Uma das tarefas que mais gostava era devorar o catálogo da Círculo de Leitores, à procura do próximo romance a quem dedicar os meus olhos, mãos, consciência e fantasias.
Todos os meses, sem tirar nem pôr, o vendedor da Círculo premia a campainha da porta da minha casa. Eu (expectante), no quarto, ouvia os passos da minha avó - tenho tantas saudades tuas, avó - e aguardava, ansiosa, pelo livro que tinha escolhido dias antes e que ela me oferecia diligentemente - tu, avó, que nem ler podias.
O vendedor da Círculo era pai de uma grande amiga minha. Amiga que engravidou de um vizinho meu. Abortaram. Era demasiado cedo para terem  filhos. O meu vizinho veio a ter filhos de outras. Nem sei se ela os teve. Ou com quem.
 O pai, que era vendedor da Círculo, continuou a trazer os catálogos. Os olhos nunca subiam ao nível dos olhos dos outros. E a curvatura das costas indicava que, além dos catálogos, carregava a vergonha da desonra.
Eu só pensava em livros. Victoria Holt. Catarina de Médecis. Jovens empedradas.
Não li os clássicos aos 5 anos. Como já li acontecer. Só muito mais tarde entraram na soleira da minha porta. Já sem a mão amiga da minha avó - obrigada, avó, pelos livros que me ofereceste; não quis a vida que eu pudesse ter consciência da dádiva de aprendizagem que me concedias a cada novo livro antes de te teres transformado em buraco negro de um céu que é só meu. Tão meu. Muito meu.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Raiva

17 milhões. Foi quanto custou a visita do papa e da sua corja ao Reino Unido.
Em Moçambique, com uma quantia de 3,20 dólares, uma criança compra um kit (pasta, caderno, lápis e caneta) que lhe permite frequentar a escola; para a recuperação completa de uma criança HIV positiva malnutrida bastam 54 dólares e com 12.000 dólares poderá construir-se uma sala de aulas, beneficiando 150 crianças.
São ou não são os 17 milhões números sujos, vergonhosos e pouco cristãos?
Sinto raiva, ainda que seja um pecado tão capital.

domingo, setembro 19, 2010

Auto-retrato

O amor não existe.
Esta frase assombra-me o pensamento há dias e não sei o que fazer com ela. O que fazer dela.
Podia, quem sabe, usá-la como recheio da lasanha que pensei fazer hoje para jantar. Descascá-la e deixá-la refogar junto dos alhos e das cebolas. Aloirá-la. Não em excesso. Só até a cebola ficar branquinha.
Também podia pintar com ela as paredes do quarto. Usá-la como recorte, entre a cor branca e a cor verde timor - nos catálogos das tintas descobrem-se cores poéticas: verde paraíso; verde minho, verde roma; rosa doce; amarelo sol, amarelo lar e azul-o-amor-não-existe.
Talvez encher com ela a banheira e mergulhar o meu corpo cansado em cada sílaba pronunciada: o/a/mor/não/e/xis/te - perfumando o ar com o peso das palavras pronunciadas.
Ou podia agarrar nela e esfregá-la contra o rosto das pessoas que vivem convencidas de que o amor é um pressuposto de vida. Gritar-lhes bem alto para que oiçam aquilo que ela diz, mas não aquilo que pensam que ela diz - parece que eu nunca sei o que as palavras querem dizer, por isso, invento.
O amor não existe. O´Neill sabia-o.
O amor não existe "porque não há feito". É preciso saber fazê-lo.
Já me decidi. Vou barrar o raio da frase no pão, a ver se me engasgo nela...

segunda-feira, setembro 13, 2010

Caixinhas

Os dias de Setembro são frescos. Mesmo que o sol intensifique nos céus, já não aquece como antes.
Uma destas manhãs fui acordada por sons antigos. Daqueles sons familiares, próximos, ainda que totalmente adormecidos ou guardados em caixinhas multicolores na minha consciência.
Foi com alguma surpresa que os meus ouvidos se apropriaram da melodia e o meu cerébro a reconheceu: ouvi um amolador, mais a sua gaita, a anunciar presença na proximidade do 302.
Antigamente, os amoladores vinham em bicicletas ferrugentas oferecer os seus préstimos às donas de casa de bairros periféricos. Julguei que a profissão estivesse extinta. Tal como as donas de casa. Pelos vistos, enganei-me.
Este amolador vinha de moto. Ferrugenta. Ao bairro periférico, no 302. Mas não houve dona de casa que se aproximasse. Assim veio. Assim foi. Sem história, a não ser o facto de ter acordado em mim sons da infância, cada vez mais distante, preservada em caixinhas multicolores na minha consciência.
Também as haverá escuras. Pretas. Sombrias. Como a caixinha de Pandora, que guardava todos os males da Humanidade.Que a essas não haja melodia que as desperte. Assim reze a esperança...

segunda-feira, setembro 06, 2010

Espelho meu

Dei-me conta de que a imagem que projectamos nos outros raramente corresponde à verdade. Ou melhor, raramente corresponde à verdade integral.
Tinha terminado o jantar: rolo de atum com legumes, confeccionado a seis mãos. Ao desbarato na cozinha, como na vida.
Na troca de confissões e medos - após o jantar ou após o sexo sabe bem deslindar emoções e desbravar caminhos inóspitos dentro de nós próprios - dizem-me:
- És uma imagem de força, mas, na verdade, és tão insegura como outros.
Concentramos grande parte da nossa energia a disfarçar o nosso "eu". A disfarçá-lo ou a ornamentá-lo, engradecendo-o, individualizando-o. Até porque reconhecemos que muito pouco nos distingue de outros como nós.
Não há ninguém que não goste de ser amado. Desejado. Reconhecido. Enaltecido.
Não há ninguém que não se sinta assustado. Receoso. Melindrado. Inseguro. Fragilizado.
Ainda por cima, não há ninguém que não seja qualquer coisa e o oposto disso mesmo. Somos seres de contradição. De antagonismo. De desequilíbrio.
Sou forte, de tão insegura que tantas vezes me sinto? Ou sou insegura, de tantas vezes que me vejo forte. Fortíssima. Fortalhaça. Fortalhíssima?

terça-feira, agosto 31, 2010

Saw VIII - O ataque do Pisão

Acho que era um dia de sol. Não excessivamente quente. Nem frio. Um dia de sol como outros.
Acho que foi numa casa de pessoas extraordinárias. Pessoas que não encontram no mundo exterior um lugar que possam chamar de seu.
Acho que foi num dia de trabalho comum. Umas coisas por arranjar. Umas ferramentas tiradas da caixa, sem pressa.
Até que, no corredor, um tipo de olhar alucinado, com uma faca em riste, desata a correr para ele.
A faca. Só pensava na faca. A faca a rasgar-lhe a pele. A faca a feri-lo de morte.
Deixou as ferramentas para trás. O trabalho para trás. O sol para trás.
Correu sem mais nem comos. Atravessou o corredor em passadas largas e imprecisas.
A faca. A faca a aproximar-se. O corredor a terminar. A parede a transformar-se em obstáculo impossível.
Olhava para trás em golfadas. Sustendo a respiração.
O outro seguia-o. Com a mesma cara de antes: alucinada. E a faca na mão. Em riste.
Acabou o corredor. Acabou a corrida. A parede estava ali: intransponível.
Só a faca poderia atravessar a fronteira do ar e entrar, por fora, dentro. Feri-lo. De morte.
Voltou-se para trás, rendido. Desistente.
O outro, o que o seguia, parou de correr.
O olhar? Alucinado.
Olhou para ele, bem fundo nos olhos, e disse-lhe, estendendo-lhe a faca temida:
- Toma. Corre tu agora atrás de mim.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Diálogo sobre a morte

Alguém - Tu não vais ficar triste se o avô morrer?
Ela - Não. Ele sabe e eu sei o que vale a nossa relação. Ninguém engana ninguém. Não somos chegados.
Criança - Olha, ela não fica triste porque depois nasce um outro avô...

sexta-feira, agosto 27, 2010

Paga e não... bufa

Há muito que desejo fazer um curso de escrita criativa. Tentei fazer um em 2008 ou 2009, mas aguentei-me apenas duas ou três aulas. Aborreci-me. Aborreço-me com facilidade.
Ontem, numa pesquisa que fiz, lá encontrei um que me pareceu interessante, mas apenas até ter trocado três ou quatro emails com o formador. Além das aulas serem particulares - o que até poderia ser interessante na medida em que há necessariamente um maior investimento do formador no formante - o que mais me irritou - confesso - foi o senhor exigir o pagamento integral do curso antes sequer das aulas terem início. É tão disparatado como eu chegar a um restaurante e pagar antes de ter sido servida.
Contei-lhe do meu desconforto relativamente ao assunto. Ele retorquiu que, infelizmente, paga o justo pelo pecador, pelo que, para o curso acontecer, as coisas teriam de processar-se daquela forma. E as garantias que me dava - dizia-me - era o seu nome, uma vez que era dele que vivia.
Eu também vivo do meu. Aliás, não vejo quem possa viver do nome de outros (a não ser, claro está, actores ou espiões).
Ainda por cima, Pedro Chagas, embora identificado no Wikipédia enquanto escritor português (?!) - também a Margarida Rebelo Pinto está convencida de que é -  tem um nome que, para além de me ter chagado o juízo, deixou-me a zeros em termos literários.

terça-feira, agosto 24, 2010

Férias à beira de um ataque de Família

A minha mãe parece uma mulher de 70 anos. A minha avó parece uma mulher de 50. A minha mãe tem 51. A minha avó 73.
As férias em família são uma confusão. Ou há pratos que sobram na mesa ou há pratos a mais. Há pessoas a entrar e a sair, num correpio ininterrupto.
Eu gosto. Mas também me agrada o silêncio. Sobretudo aquele que nasce por de dentro. Que forra o interior e o aconchega.
Antes de me habituar ao computador, só gostava de escrever no papel. Agora que me habituei a escrever no computador, não gosto de escrever no papel. Fico mais lenta, os pensamentos de escrita não fluem tão rapidamente. E a letra aparece-me desordenada.
Às vezes gosto da minha caligrafia. Outras não. Uma vez uma professora acusou-me (injustamente) de ter assinado o teste pela minha mãe - de tão parecidas que seriam as caligrafias. O máximo que fiz, ainda que não dessa vez, foi ter alterado um Insatisfaz para um Satisfaz.
Foi aí que me dei conta da diferença que umas palavrinhas podem ter no nosso destino. A minha mãe apercebeu-se da rasura no "In". Castigou-me. E fez muito bem.
A mentira não é tolerável. Embora passemos nela grande parte do nosso tempo: tenho de ser feliz. Tenho de ter uma casa. Um carro. Ter um bom emprego. Ter dinheiro.
A minha avó não sabe ler. Quando vínhamos de Lisboa para Fernão Ferro, disse-me:
- Aquela casa tem uns escritos. É porque está à venda.
A minha avó nunca teve carro. Nem dinheiro. Nem um bom emprego. A casa que agora habita ocupou-a há 35 anos, após a Revolução de Abril. Entrou nela e lá permanece... até hoje.
À sua maneira muito própria, é feliz. Sem computador. Com pouco silêncio. Sem palavras e cem mentiras.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Embriagada de palavras

Outro dia disseram-me: tens escrito menos, o que significa que estás feliz.
Ainda que não se deva reduzir a escrita ou a necessidade desta a estados de espíritos, a verdade é que ela  nasce de uma certa inquietude - com o presente, passado ou futuro. Inquietude com os outros, com o mundo ou connosco próprios. 
A felicidade não produz nada de prático, é inebriante e estática, como uma droga que se injecta, fuma ou inala.
Quem nunca sentiu a dor profunda, a inquietude irrequieta, permanente, inexorável nunca viveu a plenos pulmões; logo, desconhece este pendor para as palavras. Esta mania de desenhar o mundo em sílabas.
É verdade que me sinto mais feliz do que outrora. Há uma tranquilidade intransigente instalada aqui.
Mas também é verdade que não consigo hipotecar esta mania de interrogar tudo, todos, sempre.

Quinta do Lago Silencioso

"Ondas azuis, ondas verdes, todas elas se abrem num rápido leque sobre a praia, contornando o pontão coberto por avezinho-do-mar e deixando pequenas poças de luz aqui e ali, espalhadas na areia"

As Ondas,Virginia Woolf

Estou sozinha. Passeio pela praia. Não há muito gente. Ainda há lugares que conseguem preservar a nossa identidade.
O sol acaricia-me com os seus dedos de luz. A minha pele aguenta. Caminho pelo areal imenso, mas não me sinto perdida. Vou em frente, nem mais nem menos.
Tenho medo. Não mais nem menos do que estas pessoas que não conheço e que estão aqui comigo, embora não estejam.
Tenho o livro debaixo do braço. Ter livros para ler acalma-me.
A praia acolhe o bom. Há risos que morrem nas vagas, há euforias que desaguam nas areias e existo eu mais o meu livro. 
O meu pensamento não pára. Não há silêncio que lhe resista. Mais rápido do que eu chega às rochas que me impedem de seguir mais à frente.
Por vezes, gostava de parar o meu pensamento. Não é bom pensar tanto. Há momentos em que me dói a cabeça de tanto pensar.
Está na hora de regressar. O tempo espera-me e o mar está prestes a devolver-me o meu amor.

quarta-feira, julho 28, 2010

As noites: em claro.

QUANDO o claro dos dias se prolonga pelas noites, percebo que há alguma coisa a perturbar-me, a perturbar-me de tal modo que impede que o sono aconteça.
Não fui, até agora, capaz de identificar o que não me deixa dormir.
Se fosse supersticiosa, que não sou, diria que algo está para acontecer-me.
Se fosse medrosa, que não sou, dormiria com a luz acesa.
Se fosse mariquinhas, que não sou, já teria contado isto à minha irmã, ao meu namorado, à minha mãe, ao meu filho, aos meus avós, tios e primas.
Ainda assim, se fosse pedinchona, que não sou, pediria que as minhas noites de tranquilidade absoluta regressassem...

sexta-feira, julho 23, 2010

A VÓS, fiéis SEGUIDORES

Muitos não sei de onde vêm. Nem tão pouco o imagino. Tudo porque não me dedico a viajar, como gostava, por terras bloguistas alheias.
Venho aqui, num acto comiserado de puro egoísmo, e escrevo e saio e ponto final, deixando o parágrafo suspenso até à próxima vez.
Mas já contabilizo 16 seguidores, que, para mim, valem como 16 milhões, por que, na verdade, serei sempre uma inadaptada feroz a este lugar que me acolhe com tanto carinho.
Escrevo por compulsão. Agradeço aos que me lêem e seguem com atroz lealdade. 

quarta-feira, julho 21, 2010

Recado

A ironia é fodida (perdoem-me os mais sensíveis, mas quando a palavra passou a figurar no título de uma obra - O Amor É Fodido, de Miguel Esteves Cardoso - devo dizer que ela ganhou estatuto literário) e eu bem digo que é uma das formas mais inteligentes do ser humano exprimir-se, expandir-se, retratar-se.
E quem não a reconhece, lamento, mas fica a meio caminho de ser um entendedor que baste...

segunda-feira, julho 19, 2010

Anticlímax

Quem nunca se sente triste não sabe como apreciar verdadeiramente a alegria...
Não suporto as segundas-feiras. Não suporto filas de trânsito causadas por acidentes que ocorreram na faixa contrária. Não suporto condutores que insistem em percorrer as auto-estradas nas faixas de rodagem centrais. Não suporto a alegria dos vãos. Não suporto a tristeza como regra. Não suporto crianças que choram por tudo mas também por nada. Não suporto o cheiro do tabaco na boca dos outros. Não suporto quando me apontam falhas. Não suporto gente sem palavra. Não suporto palavras sem nexo. E amor sem sexo.
Não suporto a cobardia. Sobretudo a minha. Não suporto as pessoas que acreditam que ter dinheiro é ter o importante. Não suporto os emails em cadeia. Muito menos os que me aconselham a sentir-me feliz só por acordar. Quem disse que a felicidade se cumpre na rotina dos dias?
Não suporto gente que não chora. Ou que não canta. Ou que não dança. Não suporto quem escreve textos em que o assunto é "não suporto isto ou aquilo" ou "gostava disto ou daquilo". Não suporto frases que começam com "eu nunca ...". Não suporto mau hálito. Nem alcóol.
Não suporto aqueles que não respondem a SMS ou não devolvem chamadas telefónicas. Não suporto atender o telefone em quaisquer circunstâncias. Não suporto conversas como:
- Olá, tudo bem.
- Sim, tudo bem. E tu?
- Eu estou muito bem, obrigada.
- Liguei só para saber de ti.
- Está tudo bem.
- Então vá.
- Vá, beijinho.
Não suporto a espera. Nem a ansiedade. Nem o ciúme. Não suporto ficar sem saber o que dizer. Não suporto não ter nada para dizer. Não suporto dizer nada só para preencher vazios.


quinta-feira, julho 15, 2010

Estado da Nação

Digo que os meus dedos se atrasam em tocar demoradamente as teclas, transformando esse toque em escrita, como alquimista burilando freneticamente;
Digo que não escrevo por preguiça, para atrasar o pensamento e não impedir a vida;
Digo que não escrevo por obrigação, porque tudo o que é obrigado cansa, é inútil e dispensável;
Digo que, apesar do silêncio da escrita, não estou morta;
Digo: sou viva. Sou vida. E por ser tudo isto, aborreço-me e sinto-me exausta só de pensar em escrever.

terça-feira, julho 06, 2010

A insegurança vem daqui

- Capacidades? Tu? Quais capacidades?! Tu não tens capacidades.

E esta frase, expelida gelidamente,  anda ainda às voltas no meu estômago, como a comida, quando estragada...

quarta-feira, junho 30, 2010

O amor é uma avenida de múltiplos sentidos

Andava por ruas incógnitas, olhava para as árvores e via estas acenarem-lhe com mãozinhas tenras e verdes. Pensava em si e na vida e quanto mais a pensava, mais ela se esvaía em obscuras e impenetráveis realidades. Quis gritar, mas o grito retombou num enorme silêncio, num gigante e perigoso silêncio.
A angústia crescia-lhe com os passos e lembrava-se dos delírios febris da infância - ao mesmo tempo murmurava:
 "Sou triste da vida. Tenho esta dor e não sei o que fazer com ela; pior, não quero nada dela."

Quantas vezes não sou este homem perdido dentro de si próprio? Quantas vezes não quero achar uma saída para fora de mim mesma? Quantas vezes não penso que sou triste da vida? E quantas vezes não sigo em frente por desconhecer o caminho para trás e por recear o caminho defronte? É ou não é o amor uma avenida de múltiplos sentidos?

quinta-feira, junho 24, 2010

O que faz de uma noite uma noite (quase) perfeita...

Em conversas soltas, apercebi-me, há muito pouco tempo, que não é correcto defender que a maternidade e a paternidade fazem mais sentido quando não há  diferenças geracionais significativas.
Não é verdade que uma mãe, aos quarenta anos, não possa proporcionar ao seu filho o que ele mais precisa: amor/ compreensão/companheirismo. Mas não há um único dia em que não me sinta privilegiada por ter tão pouca diferença de idade em relação ao Rodrigo. Não fora esse facto, como poderia ter estado eu, no concerto do Slash (ex-guitarrista da famosa banda dos anos 90 - Guns N' Roses), a dançar, pular e a cantar do seu lado?
Não passaram sequer 20 anos da última vez (na altura, a primeira)  que vi o Slash pisar um palco em Lisboa. E é tão bom ver a vida com os olhos de antigamente. Mais, é tão bom partilhar da alegria eufórica de um adolescente quando confrontado com alguma coisa que deseja e admira muitíssimo.
Tenho de agradecer à tia do Rodrigo este momento mais do que a ninguém, pois foi a sua súbita doença (nada de gravoso, acrescente-se) que me "obrigou" a ser o braço-direito do Rodrigo no concerto.
Não fossem os gritos infernais do grupo de rock português que abriu o concerto (Misslava); não fosse o cheiro de ganza espalhado pela sala do Coliseu; não fossem os telemóveis empunhados a toda a hora para sacarem uma imagem inédita do concerto, não fossem as horas que passei de pé depois de um dia de trabalho, não fosse este o concerto a que eu nunca teria ido, a noite de ontem teria sido perfeita!

segunda-feira, junho 21, 2010

Eu e SARAMAGO

Muito se disse, e acredito que muito se dirá, sobre a vida, a morte e, sobretudo, sobre a obra de José Saramago. Contudo, sendo eu amante da literatura e das artes, não poderia deixar de escrever sobre o tema: ia almoçar quando me apercebi que tinha ocorrido qualquer situação grave, foi a TSF quem me trouxe a notícia. Já tinha pensado invariáveis vezes que Saramago morreria muito em breve.
Nada de novo até aqui. O que talvez seja novo é eu dizer que a obra que mais me emocionou deste escritor foi Conto da Ilha Desconhecida e a que mais me perturbou  Ensaio Sobre a Cegueira. Perturbou-me tanto que ainda não acabei de ler as páginas finais. O romamance repousa e aguarda pelo meu amadurecimento intelectual e emocional.
Não era especialmente devota da literatura do Saramago, mas não posso deixar de me sentir triste pelo apagamento da sua luz literária, humana. Sou absolutamente devota aos escritores que, como ele, foram capazes de pensar a dimensão do Homem; pois, ao fazê-lo, deram passos determinantes, mesmo que imperceptíveis, no conhecimento desta massa tão disforme, tão absoluta e tão real que conhecemos como HUMANIDADE.

quinta-feira, junho 17, 2010

Off

De vez em quando odeio a minha vida. Odeio a minha pele. Odeio o que digo, o que penso, a forma como digo o que digo e penso o que penso.
De vez em quando, olho para mim e detesto-me. Detesto a rotina dos dias, o trabalho instalado na rotina dos dias, o que se diz, o que fica por dizer.
De vez em quando apetecia-me virar para mim o comando da televisão e carregar eu mesma no OFF...

quarta-feira, junho 16, 2010

Gillettes

Ontem, pela primeira vez, vi-me num supermercado à procura de gillettes e espumas de barbear que não tinham como finalidade as minhas pernas; ontem, pela primeira vez, as gillettes e as espumas de barbear tiveram como objectivo os bigodes do meu filho.
Quanto tempo faltará até que o acompanhe à Farmácia para aconselhá-lo sobre... preservativos?

segunda-feira, junho 14, 2010

Pés de... lã?

Foi só quando olhei para o lado que percebi, o senhor que se encontrava, como eu, na casa de banho de um restaurante na praça Jemma El Fna, estava com um dos seus pés enfiado no lavatório e esfregava-o convictamente enquanto eu, no lavatório ao lado, lavava as mãos para ir almoçar...

terça-feira, junho 08, 2010

Conversas de esquina em Marrocos

- Italian? Spanish? English? French?
- Não. Portugueses.
- Ah, Portugal: obrigado, Cristiano Ronaldo, José Mourinho, Figo.
(E eu, de cada vez que participava neste diálogo repetido em cada esquina, perguntava-me: E a Amália?! Fernando Pessoa?! Camões?!)

segunda-feira, junho 07, 2010

Marrakech dos pequeninos

Em Marrakech as crianças têm olhos enormes, redondos, expressivos. Riem-se e as ondas do seu sorriso enlevam-nos num abraço maior do que todos os abraços de todos os mundos.
Na verdade, acho que o que mais me impressionou na cidade foram as crianças e a ternura a que nos obrigam, ao olhá-las, ao partilhar o espaço que habitam.
Não falávamos a mesma língua, ainda assim, entendíamo-nos.
A língua do amor é a mais antiga de todas e não precisa de qualquer tradução.
Se eu pudesse, coisa que não posso, tornar-me-ia na mãe daquelas crianças e inventar-lhes-ia histórias todas as noites sobre princesas e príncipes, sobre castelos e masmorras, sobre lutas e disputas para que o seu sono fosse mais povoado, mais cheio de tudo e, sobretudo, mais cheio de mim.

quarta-feira, junho 02, 2010

Maroco

Estou em Marrocos e tenho tanto para contar, mas nao me entendo com o teclado. Detesto escrever sem conseguir acentuar as palavras bem...

segunda-feira, maio 24, 2010

Amar os livros

Comecei a ler um novo livro esta semana. Enquanto esperava pelas provas de natação do meu filho, no Estádio do Belenenses.
Ainda não sei porquê, mas o livro de David Trueba, Saber Perder, agarrou-me logo na leitura das primeiras páginas.
Nem me lembro como cheguei àquele livro. Se foi oferta, se foi uma compra minha.
Só sei uma coisa, gosto de me apaixonar assim, incondicionalmente, num ímpeto. E manter-me neste estado de euforia induzida enquanto as páginas do livro não esgotarem as suas histórias, que serão, logo, logo, as minhas histórias também...

sexta-feira, maio 14, 2010

O plano? Não fazer nada.

DEPOIS DO FILME

Há muito que não saía de uma sala de cinema em rebuliço.
Não um rebuliço de fora para dentro, mas daqueles que crescem dentro, são, diria eu, de dentro. Do lugar onde nós somos nós, sem fuga possível, nem a imaginada.



O FILME

Um rosto de mulher comum. Nem bonita. Nem feia. Nem gorda. Nem magra. Comum, assim mesmo.
Um carro, uma cidade e os detalhes de um quotidiano regular, sem acontecimentos extraordinários.
Um homem como tantos homens. Sem sucesso. Sem família. Sem a vida que um dia sonhou sua. Mas com uma imagem subvertida de si próprio.
Greenberg não é um filme grandioso. E por causa disso é o filme mais grandioso que me foi dado a ver nos últimos tempos. Nada nele é previsível, embora todo o filme discorra sobre previsibilidades. Não há um momento de epifania, de revelação, de clímax. De tal forma que o filme acaba sem o espectador perceber que o fim está iminente.
Um filme como a vida.
Um filme para a vida.
Noah Baumbach - o realizador.
Ben Stiller - o protagonista.
Los Angeles - a cidade.
Greta Gerwig - a protagonista.


terça-feira, maio 11, 2010

O Livro das Ilusões

É por coisas como esta - que contarei em seguida -  que gosto tanto de livros.
Após a leitura de O Livro das Ilusões, de Paul Auster, oferecido por um amigo no Natal passado, estava eu na FNAC, com o Rodrigo - obriguei-o a comprar CD's todos os meses ou não me responsabilizaria pelo desaparecimento dos Gun's N' Roses, já que em casa ou no carro não era possível ouvir mais nada senão aquela banda de rock dos anos 90 - quando dou de caras com um filme chamado The Inner Life of Martin Frost.
Ao início, de tão espantefacta, nem dei importância ao nome do realizador, concentrei-me apenas no nome da película. Estava certa, certíssima que aquele filme tinha sido inventado e criado nas páginas do livro que acabara de ler. A personagem principal descrevera cena a cena, diálogo a diálogo. Vê-lo ali, nas estantes, enfileirado entre outros filmes de autor, fez-me querer comprá-lo imediatamente.
Foi apenas quando peguei no DVD que percebi que o realizador e o autor do livro eram o mesmo: Paul Auster.
Para mim, aquele filme só existia em papel e na mundividência criada em O Livro das Ilusões. Agora estava ali, fora do livro, nas minhas mãos.
Estou ansiosa por vê-lo, ainda que, na verdade, já o tenha visto.


quinta-feira, maio 06, 2010

Inércia

Há alturas que adormeço torpemente sobre os meus sonhos ou desejos. Fico como que anestesiada, aceitando com um sorriso o que a vida me oferece como ementa diária. Mas como eu gosto mais de mim é quando, esfaimada, devoro a ementa da vida que é minha e a outra que não é mas que eu procuro que seja. Quando até as sobras devoro, sem  me preocupar com regras de etiqueta. Nessas alturas, se não houver garfo à vista, sorvo o que houver com as mãos. Também não limpo a boca, deixo aqueles restos fossilizarem na minha boca, para que a memória a eles recorra em tempos de crise.

segunda-feira, abril 26, 2010

Circus, circum

Como por magia, os circos aparecem nas localidades vizinhas dos grandes centros urbanos de uma noite para a outra.
Um dia não estão lá, no outro sim.
Nunca vi qualquer operação de montagem. De desmontagem também não.
É como se  soprassem para a concha das mãos e esse simples gesto habilitasse o surgimento de tendas, caravanas, grades, altifalantes, cartazes coloridos, bilheteiras.
Não gosto de circo. Em pequenina acho que me agradavam os animais e os palhaços. Isso e os trapezistas.
Hoje nada me agrada. Só me deixam curiosa estas operações de montagem e desmontagem únicas. Eficientes. Só isso.
Os animais retidos em jaulas enjoam-me. A rotina dos números enfadam-me. As graçolas dos palhaços enervam-me. Por tudo isto, prefiro reter-me apenas na forma inesperada como o circo vem e vai dos locais onde assenta arraiais.

quarta-feira, abril 21, 2010

Escritaria

De vez em quando dou-me conta de que, embora não sendo escritora, passo a vida a escrever... tal como a vida, que também escreve em mim...

segunda-feira, abril 19, 2010

Amor, amor

Escolhi o lugar mais alto, um que roçagasse os céus.
Espreitei ao de leve, antecipando a queda.
Nenhum som ao derredor. Como no princípio do Mundo. Antes do verbo. Antes de tudo.
Respirei fundo, inalando cheiros e sons. Inalando a vida. Só a minha.
Dei passos atrás: contei os passos: um - dois - três.
Balancei o corpo com força e dei velocidade às pernas.
Corri de encontro ao vazio e a minha alma entregou-se-lhe de corpo.
Voei como um pássaro.
Esvoacei como uma flor em pleno vento.
Só parei na queda. Que me foi amparada.
Antes acompanhada do que mal sozinha.


quarta-feira, abril 14, 2010

Minutos: só cinco

Tenho cinco minutos para escrever o que penso. Cinco minutos para apreender a verdade dos meus sentidos em frases com sentido. Cinco minutos onde caberão as palavras de hoje, mais as de ontem (que não escrevi) e mais as de amanhã (por desconhecer se escreverei). Cinco minutos entre o silêncio da escrita que não aconteceu e esta voz que acontecerá. Cinco minutos de nada a quererem ser cinco minutos de tudo.
Cinco minutos que tive e que não tenho mais. A cada cinco minutos que passam, estou cinco minutos menos nova e cinco minutos mais velha. Sobrar-me-á, no fim de tudo, cinco minutos para dizer aos que amo que os amo? Ou, a cinco minutos do fim de tudo, os que amo não passarão de memórias a cinco minutos de desaparecer?
Em cinco minutos a vida pode mudar, parar ou reacontecer.
Cinco minutos bastam para tanto.
Até para isto.

quinta-feira, abril 08, 2010

Os mortos são viajantes?

Eu e a minha irmã
Vamos à ópera
Assistir à história de 6 mulheres aprisionadas numa estação de metro
Não são umas mulheres quaisquer
São escritoras e todas suicidas...

Música: Hugo Ribeiro
Libreto: Armando Nascimento Rosa


Se tiverem curiosidade, espreitem aqui.

quarta-feira, abril 07, 2010

Graffitar mentalidades

Assisti ontem a uma palestra sobre graffiti em contexto rodoviário. Exceptuando a discussão óbvia (comprensível e pertinente mas que para o caso pouco me interessa) à volta da questão da perigosidade dos graffiti e da sua potencial  interferência na circulação e segurança rodoviárias, o que achei interessante foi perceber a necessidade incontrolável do ser humano em trazer para o centro o que pertence, por natureza, às margens.
Pelo que percebi, graffitar paredes é ilegal - quanto a mim, a inexistência de legislação sobre uma determinada actividade não faz dela ilegal, aliás, determinar qualquer coisa  ilegal é porque essa coisa está contra a lei o que, inevitavelmente, faz depreender que ela exista; a questão é que não há qualquer legislação sobre os graffiti e assim deve continuar.
O que torna esta actividade tão atractiva quanto marginal é a proibitividade que lhe está inerente.
Não faz qualquer sentido - não para mim - amordaçar este tipo de manifestação artística - espontânea e imediata - a leis, até porque a arte acontece sempre quando existe a capacidade ou a oportunidade de ultrapassar  e subverter normas ou tendências.
As artes de rua são para ser vividas na rua. Apreciadas na rua. No contexto de urbanidade que lhe dão suporte.
Não parece fazer qualquer sentido vir uma lei estipular onde podem ser pintados graffiti ou que cores deverão ser usadas. É tão absurdo quanto existir uma lei a proibir, nos textos literários, o uso de minúsculas quando se devem utilizar maiúsculas, ou o uso de palavras que não estejam dicionarizadas, ou impedir que a poesia reflicta sobre trivialidades - a ser assim, o que faríamos com Saramago, Guimarães Rosa ou Manuel de Barros?
Eu cá ia numa de graffitar mentalidades...









Skater by Ram

terça-feira, abril 06, 2010

Gravidez Ectópica

Há sempre um momento, antes da menstruação, que me ocorre a possibilidade de estar grávida. E sempre que isso me acontece, vou enumerando argumentação a favor e contra essa remota possibilidade:

Contra

  • Estou a aprender surf, se estivesse grávida esse objectivo teria de ser abandonado;
  • A liberdade que adquiri voltaria a ser posta em causa, com um bebé lá por casa;
  • Que casa? Não tenho casa para um bebé;
  • Estou no início de uma nova relação, um bebé seria uma aventura tresloucada e um possível tiro no pé;
  • Sinto-me pouco sexy grávida.


A Favor

  • Tenho 34 anos, o mesmo é dizer que as minhas entranhas estão a morrer, pelo que o timing seria o apropriado;
  • Sinto-me segura, tranquila e feliz comigo e com os outros;
  • Sou louca por aventuras com sinal proibido, daqueles gigantes, iluminados e impossíveis de ignorar;
  • Conheci o pai  (quase) perfeito.
Pelos vistos, há o que se chama de empate técnico entre o "a favor" e o "contra". Outros pesos e outras medidas entrariam na equação, caso estas pensatices não passassem disso mesmo...

segunda-feira, abril 05, 2010

Pintura colorida

Júlio Pomar dizia numa entrevista telefónica que deu à Antena 2 que teve a sensação, na viagem que fez a Moçambique, que as crianças, por serem imensas, não caberiam naquele espaço.
Esta imagem pictórica, poética até, lembrou-me que as crianças vão ganhando espaço à medida que os "adultos" (entre os 15 e os 49 anos) morrem infectados pelo HIV.


quarta-feira, março 31, 2010

Alunos: máquinas de fazer pensar

Os professores, mais do que ensinar, aprendem. E os alunos estrangeiros são "professores" previlegiados dos professores-alunos porque revelam, com ingenuidade e transparência, o quão complexa e intrincada é a  língua portuguesa.
Num destes dias, enquanto adquiriam léxico relativo à casa e à sala de aula, chamaram cortador à tesoura e, impulsionados pela máquina de café e máquina de lavar roupa, máquina de fazer comida ao fogão - é uma delícia reconfigurar o mundo através do olhar do "outro".

Metáforas literais

As promessas de amor eterno são apenas isso: promessas. Até ao dia em que um "não consigo respirar sem ti" signifique literalmente "não consigo respirar sem ti".

sábado, março 27, 2010

Sorte ao jogo e ao amor

O amor é como o jogo, se não arriscares, nunca ganharás qualquer prémio. E quanto maior for a tua aposta, maior a probabilidade de saires vencedor.

sexta-feira, março 26, 2010

Coisas de mãe

Fui mãe aos 6 anos. Prematuramente arrancaram-me a filha dos braços, porque estava velha e rota.
Chorei até se esgotarem lágrimas e dor - nessa altura, umas não existiam sem a outra.
Fui mãe outras vezes e de cada vez o amor era mais sério, mais comprometido com os filhos que ia tendo - os primos que cresciam lá por casa,  os animais que trazia às escondidas do meu pai (borboletas, cães, gatos e até caranguejos que viajavam no meu balde e que eu insistia em fazer de meus) e os vizinhos de quem tomava conta em troca de um ou outro escudo.
Se voltar a  cabeça para o lado do passado (será do lado esquerdo ou do direito?!) tudo na minha vida concorreu para um único momento: aquele em que agarrada às mãos, às voltas na cama do hospital em razão das dores lacinantes, já sem rosto, já sem olhar, já sem expressão, pedia à minha avó, acabadinha de morrer, para ajudar-me a trazer à luz o meu primeiro filho natural.
Percebo agora que as aprendizagens ganhas com as maternidades anteriores contribuiram para que eu fosse uma mãe eficiente, mesmo que aos 20 anos. Nunca me atrapalharam fraldas, biberões ou doenças. Ou o amor incondicional.
O que me atrapalha neste momento - pois o ensinamento não veio com as maternidades antigas -  é ter o meu filho a competir comigo por coisas tão banais como o espelho, a banheira ou a tábua de engomar.

segunda-feira, março 22, 2010

O que nunca se diz sobre a Meia Maratona de Lisboa

1.º O congestionamento da Ponte 25 de Abril é estrutural; mesmo sem qualquer carro na área, houve filas de espera, ultrapassagens difíceis e alguns atropelamentos;

2.ª O lince ibérico pode estar em vias de extinção, mas como a Mãe Natureza tudo faz para compensar perdas e gastos; descobri uma nova espécie (genuinamente portuguesa) nos taludes da praça da portagem; são fisicamente parecidos com os homo sapiens sapiens, usam aquele espaço como mictório (era vê-los espalhados pelos arbustos à procura da aliviar o aperto) embora a organização tenha disponibilizado umas casas de banho ambulantes a uns passos de distância;

3.ª Há quem faça a corrida (eu) para vislumbrar paisagens lisboetas únicas e há quem aproveite a oportunidade para comemorar o Carnaval, uma vez que em Fevereiro faz demasiado frio;

4.ª Vi o Sócrates a dar a sua entrevista de t-shirt azul, com um sorriso tão fantástico que me apeteceu ir lá perguntar-lhe se participámos ambos na mesma corrida - é que eu vinha estafada e só consegui esboçar o meu primeiro sorriso lá para as 4 da tarde;

5.ª Houve policiamento sério no final da corrida, vi pessoas a serem paradas porque levavam mais do que um saco-oferta EDP: "Vá, toca a devolver o saquito que isto tem de ser distrubuído equitativamente"; o que valeu é que mais à fente estava o pessoal da Olá que oferecia gelados ao desbarato. Ainda lhes disse que não gostava muito de Super Maxi, se dava para me arranjarem um Corneto de Morango, mas para minha tristeza, só tinham daqueles. Para a próxima - disse-lhes eu - vejam se trazem outro tipo de gelados, há pessoas que não gostam de Super Maxi.

terça-feira, março 16, 2010

Angústia a dois compassos

Compasso I

Estou completamente angustiada.
Pensei que a reentrada na sala de aulas fosse revigorante e exultante. Ao invés, foi ultrajante e muito pouco prestigiante.
Quiseram enfiar-me (este é o verbo mais do que adequado) a mim e a mais 20 alunos Erasmus numa sala onde havia mesas e cadeiras. Também havia um quadro branco, mas sem canetas.
Acho que a indignação na minha cara foi tão óbvia que fizeram tudo para me encontrar uma sala com computador, Data Show e quadro e, já agora, canetas.
Percebi, exactamente no instante em que o computador desta segunda sala deixou de funcionar, que vivo num país demasiado pequeno e pobre para se dar a soberbas de europeísmo.

Compasso II

Estou completamente angustiada, com nós no estômago e na garganta também.
Ontem o Rodrigo esfregou-me (este é o verbo mais do que adequado) na cara, na minha e só na minha, de que necessita de privacidade; por essa razão, não quis contar-me o teor das mensagens que continuamente trocava com uma amiga.
Percebi, exactamente no instante em que os lábios dele se fecharam, que sou demasiado pequena e pobre para não usar da chantagem emocional para extorquir-lhe os segredos. Usei a chantagem, ainda assim, fiquei sem saber os segredos.

domingo, março 14, 2010

Parto de língua

Amanhã nasço novamente professora de português. O que gosto mais nestes partos intermitentes é que eles nunca se repetem.
Amanhã serão outros os rostos cravados em mim, ansiosos por perceber se a viagem se fará de olhos fechados, desejando que termine, ou de olhos abertos, para que nenhum pormenor se perca, se confunda, se minimize.
A escolha dependerá sempre do que eu conseguir fazer...

sexta-feira, março 12, 2010

Epifania

E o que fazer naqueles dias em que se acorda cheio de ideias, cheio de textos em turbilhão na ponta dos dedos?
O que fazer nos dias em que acreditamos ser donos do mundo; em que a euforia da vida, de viver a vida, se transmite no olhar, na forma de andar?
Que fazer nos dias em que a felicidade não te deixa morrer impávido nas páginas no teu quotidiano? Em que os outros te aplaudem, sem usar as mãos?

quinta-feira, março 11, 2010

Folhas outonais

Ontem, enquanto jantava em família, recordei-me de eventos que se passaram comigo há anos. Dos que já nem suspeitaria existirem em mim, sobretudo, com aquela força viva.
As memórias são como folhas outonais que balançam ao vento, de vez em quando, há umas que nos caem no colo.

quarta-feira, março 10, 2010

Kidgarden

Estou certa de que a vivência do nosso mundo interior está cheia de absurdidades - umas mais abstractas do que outras - e até de algum maquiavelismo.
Há um jogo que repito com  frequência, principalmente na banheira: fecho os olhos e tomo banho com eles fechados. Dá-me alguma satisfação perceber que naquele espaço minúsculo me safo com alguma ligeireza. Sei onde encontrar o shampoo e o gel de banho. E raramente me atrapalho com o manuseamento da torneira.
Às vezes também utilizo uma única mão a vestir-me; demoro o dobro do tempo, é certo, mas consigo fazê-lo.
O bom deste tipo de jogos é ter consciência que eles não duram mais do que a minha vontade.

terça-feira, março 09, 2010

Reflexologias

"Queria viver tudo numa noite"

Queria  olhar-me ao espelho e gostar sempre do que vejo; ainda que, algumas vezes, duvide que a imagem projectada me represente fidelissimamente.
Vejo Lisboa daqui. Mas nem sempre é a mesma cidade que se estende na paisagem em frente. Eu também não sou permanentemente a mesma, ainda que o espelho insista em devolver-me a costumeira imagem, já que é incapaz de acompahar-me nas mudanças.
Ontem, ao fim da tarde, por exemplo, Lisboa estava obscurecida por uma manta de névoa e humidade, como nunca tinha visto antes. Quanto a mim, há muito que não me sinto obscurecida por paisagem alguma. Estou em período de luz. E o espelho não consegue reconhecê-lo, infelizmente.
Ou mudo de espelho ou mudo de mim.

segunda-feira, março 08, 2010

No meu tempo é que era bom

Li, em qualquer lugar, que a multiplicação da oferta, tanto a nível televisivo - com a proliferação consolidada de canais - como em outras fontes de informação - rádio, Internet, etc. - impedem que a noite dos oscares tenha o glamour, o suspense e a ansiedade do antigamente. E eu concordo que assim seja.
Procuro, muitas vezes com alguma determinação, evitar expressões que comecem com "no meu tempo ... é que era bom", até porque sei que no tempo da inocência e da juventude as coisas eram vividas com uma tal intensidade que a memória só pode ter cristalizado esses eventos numa caixa onde não caiba o realmente acontecido. Ainda assim, não consigo fugir sempre da expressão "no meu tempo... é que era bom".
Por isso, cá vai disto: No meu tempo, a noite dos oscares é que era boa, não tínhamos acesso aos jornais nem às críticas da especialidade que antecipavam panoramas de vitória, não tínhamos visto qualquer making off, pelo que desconhecíamos os segredos, as dificuldades, as contigências das filmagens. Sabíamos apenas que Billy Cristal seria o apresentador de serviço - mas isso apenas aumentava a ansiedade e a satisfação com que aguardávamos pelo compacto que a RTP exibia na tarde seguinte. De tantas vezes que víamos a cerimónia, decorávamos as músicas e as coreografias e tudo aquilo era mais do que uma mera entrega de prémios ou consagração de carreiras, era um espaço de socialização importantíssimo, que consolidava gostos, preferências, amizades.
Vi sempre as cerimónias com as minhas primas e, nessa altura, "cerimónia" era a palavra adequada para descrever aqueles momentos: era raro termos oportunidade de ver os nossos actores favoritos enquanto eles mesmos, a não ser em algumas páginas da revista Bravo.
Assisti ontem à entrega dos prémios em directo, sem legendas, tardíssimo, sentada no meu sofá. Já não tinha as minhas primas à minha volta, nem as nossas risadas estridentes por termos visto o Bruce Willis de mão dada com a Demi Moore. Vi sozinha a transmissão, como nos anos anteriores desde que me tornei mulher. E atrevo-me a dizer que cumpro este ritual com esperança de reviver aquelas tardes do antigamente.

P.S. Não vi o Bruce na edição deste ano, mas a estar lá, seria de mão dada com uma modelo espanhola, de 20 anos; enquanto a Demi estaria acompanhada pelo seu Ashton Kutcher. Enfim... modernices!

sexta-feira, março 05, 2010

As asas do frango

O meu filho saiu pela primeira vez de casa para dormir três dias inteirinhos fora sem família, que é o mesmo que dizer, sem suporte. Só ele com os colegas do clube de natação e o respectivo professor. Para mim, esta primeira vez reveste-se de uma nostalgia triste, difícil de explicar; é que eu sei que, depois desta experiência, nada será como antes. Ele vai finalmente sentir o gosto que a independência nos deixa na boca, ainda que não perceba porquê. Talvez nem nunca venha a perceber. Acho que nem eu percebo. Só sei que muito dificilmente abdicaria dela de tão difícil que foi ganhá-la.
Ser mãe implica ser capaz de dizer-lhe adeus, contendo as lágrimas, o medo, a apreensão e deixá-lo partir para a aventura, permitindo que ele cresça ao ritmo que ele próprio impõe e que a vida permite. Ser mãe implica ser capaz de abnegar gostos, vontades, desejos por uma razão maior: o amor dele, com ele, por ele.
A minha mãe garante que adora comer as asas do frango. Desconfio que ela decidiu abdicar de outras partes por saber que eu sou louca pelo peito e a minha irmã pelas pernas.
Gestos destes, simples, quase imperceptíveis, sustentam as maiores lições de vida. 

Morto mas pouco

Disseram-me - O teu blogue está morto. O que se passa?
Não respondi, mas mordi o lábio inferior, contendo a raiva.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

A genialidade das teorias simples

Ontem bem tentei escrever um texto, mas o sistema informático não mo permitiu. É a censura moderna.

"Há duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana. E não estou tão certo quanto ao Universo."

Albert Einstein

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Um é igual a dois, que são três

Não sei amar metades. Ou amar por partes. Ou ainda amar alternadamente. Não sei amar devagar. Com calma. Sem pressas. Ou amar a medo, com a cabeça ligeiramente inclinada para trás, a defender-me do porvir.
Sou exagerada no amor, como em tudo. Estou mais do que certa de que este é um tique de genética familiar. E como todos os tiques, ele é em mim e quase já nem dou pela sua existência...
Foi num dia comum de Fevereiro. Não estava excessivamente frio. A minha casa, por ser nova, encontrava-se vazia. Aos poucos, pensava, ela há-de ganhar vida e alma.
A minha irmã era uma barriga enorme, prestes a rebentar a qualquer hora. E essa hora não tardou demasiado. Foi só o tempo de descarregar as compras feitas no IKEA e correr para levá-la para a maternidade.
Vê-la sofrer mata-me por dentro, viajo quase instantaneamente para a casa da nossa infância, onde estamos as duas sentadas à mesa, ela numa ponta, eu na outra. Há palitos dispostos e eu incito-a a soprá-los. Com olheiras profundas e uma respiração ofegante - o som mais vivo é o da sua respiração aflitiva - ela sopra nos palitos com o vigor que a sua frágil saúde permite. Eu bato palmas e rio, procurando que a minha alegria a contagie também. Eramos apenas duas crianças a tentar escapar à voracidade da asma que lhe consumia muitos dos dias e das noites.
Voltamos à maternidade e às dores que o seu rosto e a sua voz revelavam. Levaram-na para dentro e não mais a vi. E nunca mais voltei a vê-la como antes. A minha irmã deixou, nesse dia comum de Fevereiro, de ser apenas a minha irmã. Desde essa altura, ela é a minha irmã e a mãe do meu sobrinho.
Desconheço qual das duas amo mais, se a irmã, se a mãe. Exagerada como sou, devo amá-las a ambas com a mesma força e a mesma verdade.
No dia 18 de Fevereiro de 2006, a minha irmã foi mãe do meu sobrinho e o meu tique de genética familiar ganhou novas razões para existir - mesmo sem delas precisar.

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Da razão de ser árabe

Depois do filme de ontem (O Visitante, de Thomas McCarthy) não admitirei que me venham acusar de atrasos. Sou árabe e aos árabes o relógio condescendesse sempre uma hora extra.
Pelo que nunca mais na minha vida acontecerá isto:
 Mãe - O almoço é às 13.00 horas.
Eu, em casa, já perto das 13.00 horas combinadas, a suar em bica, ainda por vestir, lavar a loiça, desligar o pc, despejar o lixo, desligar todas as luzes, a correr para que o relógio não me obrigue a chegar a casa da minha mãe pelas 14.00 horas, cheia de desculpas inventadas à pressa, no caminho, e ouvir:
Mãe - Contigo é sempre a mesma coisa. Combina-se às 13.00, apareces uma hora depois.
Após o esclarecimento obtido no filme de ontem, tudo será assim:
Mãe - Aparece pelas 18.00 horas.
Eu, em casa, perto das 18.00 horas combinadas, ainda por vestir, lavar a loiça, desligar o pc, despejar o lixo, desligar todas as luzes, vou, com calma e com paciência, dirimindo as actividades que se impõem. Ao chegar a casa da minha mãe, com a tranquilidade merecida, direi:
Eu - No horário árabe são ainda 18 horas. Cheguei mesmo a tempo...

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Dois pontos

1.
Era mais do que cedo. Quando vi, ao longe, o que me pareceu ser gnomos verdes, coloridos, nos separadores centrais da A5. Ao aproximar-me, percebi que aqueles gnomos eram, afinal, homens metidos em capas verdes, à mercê da chuva e do frio desta manhã de Inverno.
O que faziam aqueles homens ali, àquela hora, naquele sítio?
Podavam as árvores que estão plantadas no separador central da A5.
Até ontem nem tinha percebido que a A5 tinha árvores nos seus separadores centrais. Muito menos que essas árvores tinham de ser podadas. Ou que existisse pessoas a quem fora dada a tarefa de podar as árvores que eu ignorava.

2.
51 anos. E olho para ela, para a velhice que lhe vai acontecendo, sabendo que não faltará muito para chegar a minha vez.
16 anos. São esses os escassos números que nos separam.  16 passos que se dão num ápice de vida.
34 anos; o meu número correndo atrás do número dela.
Quero conservar o seu riso de menina. As rugas cavam-lhe o rosto de memórias, mas o sorriso permanece puro, ingénuo, igual a antes.
Quando crescer quero ser como ela.