sexta-feira, novembro 19, 2010

"O que é desejo?"

os contornos de uma pele molhada
as sombras recortadas da infância
as horas
a morte
a carreira 434
o mar
as redes sociais
o capital
a capital
os corpos das outras
a vida dos outros
o sucesso
o amor
a possibilidade de dizer não
a vontade de dizer sim
os sapatos manolo blahnik
os risos da infância
os amigos para sempre
o reconhecimento
o que não nos pertence
a água
o céu
o MUNDO

No Afeganistão, todavia, Zafaran não sabe o que é desejo...


(vide texto de Adelino Gomes em 52 Histórias Livro-Agenda Perpétua, ACEP e vv. autores, 2010)

quarta-feira, novembro 17, 2010

Seja o que DEUS quiser

Há burburinho no ar, burburinho que é inquietude, burburinho que é medo. Pressinto que há pessoas com medo, sobretudo medo de ter de justificar o trabalho que, afinal, toda a gente espera que faça.
Vive-se numa fase em que um gesto, uma decisão ou uma atitude pode prender alguém nas malhas da desconfiança.
"Se existes, logo és corrupto" é a máxima que se pode ler nos corredores por onde movimento os meus passos ou os meus saltos, naqueles dias em que decido vestir-me de empresária de sucesso, a trabalhar numa empresa de sucesso.
Acho uma certa graça a este movimento colectivo - procura-se inferir as mudanças que se advinham: este fica, este sai. Esta vai para aqui. Aquele salta para lá. Este fecha. Aquele esfuma-se...
Na verdade, não se sabe de nada, mas como num jogo de xadrez, joga-se com as pessoas, com as posições que ocupam como se de meras peças se tratassem - entretém, faz rir e permite escapar ao burburinho que se infiltra na pele como a humidade nos ossos; como um grito calado que, quando se fizer ouvir, explodirá nas mãos de uns quantos!

sábado, novembro 13, 2010

Para SEMPRE

Seremos todos hipócritas compulsivos? Ou serei eu uma tábua rasa no que a emoções colectivas respeita?

Não entendo esta onda de homenagens ao homem que passeava de saco de plástico na mão e presenteva com adeus simpáticos os trauseuntes do Saldanha.
A maior parte das pessoas passava por ele e nem sequer o "via" - absortos que estariam na sua própria vida.
Além disso, a solidão era o seu apanágio - somos normalmente alérgicos a pessoas com comportamentos desviantes.
Ouvi - algumas vezes - dizerem que o homem era maluco (o que pensar de alguém que ocupa os dias a passear pelas ruas a acenar aos outros?!).

Por isso, mais uma vez pergunto, seremos todos hipócritas ou serei eu uma tábua rasa no que a emoções colectivas respeita?

sexta-feira, novembro 12, 2010

A Lista, não de Schindler, mas de Manuel Godinho

Com a publicação da lista das prendas oferecidas por Manuel Godinho, no jornal diário I, oferece-me dizer o seguinte:

1. Preciso urgentemente que me expliquem - tim tim por tim tim - o significado de corrupção. Receber um presente de alguém faz de nós corruptos?
2. Se a resposta à pergunta anterior for "sim", deixo uma sugestão: afundem o país e construam um novo, porque duvido que haja entidades isentas nesta coisa à beira mar plantada.

quarta-feira, novembro 10, 2010

É das loiras que eles riem mais

Por que razão sempre que procuro ser eficiente e diligente só consigo ser - no máximo, vá - disparatada?
Ia eu a sair do trabalho, aflita com as horas (ando normalmente com o pé no limite do tempo), quando me aproximo da cancela, onde devo passar o cartão identificativo que activa o levantamento da baia de segurança, e baixo o vidro do carro - julgo que chovia, além de estar uma fila atrás de mim (provavelmente com o pé - como eu - no limite do tempo), neste instante, o cartão escorregou das minhas mãos e caiu no chão:
- Merda! - disse e pensei eu, quase simultaneamente.
O colega, que se encontrava imediatamente atrás, ria. Podia ter-se ficado só pelo riso, mas não...
- Tem o carro travado? - perguntou-me, assim que me viu sair em demanda do cartão.
- Merda! - pensei e não disse - Deves pensar que lá por deixar cair a merda (pensei e disse de mim para mim) do cartão isso significa que não tenho cérebro.
- Sim - retorqui com o meu melhor sorriso - Tenho o carro travado! - acho que aqui voltei a sorri-lhe.
Não demorei a encontrar o cartão, a passá-lo na maquineta e a esfumar-me pela estrada fora. Vermelha, não de vergonha, mas de clara irritação:
- Merda!

terça-feira, novembro 09, 2010

Boa Nova

Desde miúda que me lembro de ouvir os adultos, com o dedo empinado diante dos meus olhos, a reclamar contra a mentira, por ser qualquer coisa condenável e - até - pecaminosa.
O caminho, advinha-se, deverá ser sempre o da verdade.
Só não compreeendo, então, por que razão a maior parte da vida adulta se pauta na mentira, no engano e na decepção - com "p" porque não sou das pró-acordo ortográfico.
Dino Saluzzi, compositor argentino, em Portugal por causa do Estoril Film Festival, desvenda - sem o saber - a razão para eu gostar tanto de música:

 - Com a música não se pode mentir. A música diz sempre a verdade.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Ave Mundi Luminar

Bastaram os primeiros acordes para as lágrimas surgirem no meu rosto, como as flores que desabrocham com os primeiros raios da manhã. Ao início, tentei evitá-las - sentia-me idiota por estar a chorar sem querer. Mas durou pouco aquela vontade de controlar as emoções que a música despertou em mim. Entreguei-me. Deixei-me ir e fui.
A emoção de ver Rodrigo Leão ao vivo não é contável por palavras escritas. Há qualquer coisa indizível naquela música, no som daqueles instrumentos (Teclas - Rodrigo Leão; Violino - Viviena Tupikova; Acórdeão - Celina da Piedade; Viola de arco - Bruno Silva; Bateria - Luís San Payo; Violoncelo - Carlos Gomes; Baixo - Luís Aires), naquelas vozes femininas (Ângela Silva e Ana Vieira) que são instrumentos de outra natureza. Há qualquer coisa que me aprazaria descrever em palavras, qualquer coisa que fosse, mas sei que não é possível. As emoções não se explicam, sentem-se, dão-se, acontecem.
Sexta-feira, dia 5 de Novembro, fui surpreendida com a ida ao concerto Ave Mundi Luminar e não me lembro de nada que me apetecesse mais fazer naquele dia.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Os homens e o vinho

Ontem, enquanto apanhava um pouco do sol do dia, ouvi:

- Os homens são como as uvas. Têm de ser bem pisados para dar um bom vinho.

Não me identifico minimamente com ideais feministas, mas esta frase ficou-me no ouvido... confesso.

Wrestling domesticado

Julgo que estaria a lanchar - sei que ainda não tinha saído de casa, o temporal não convidava a ir para a rua, além disso, sentia-me adoentada. Chá - de maçã e canela - e torradas - de pão alentejano - e o Ipsílon como companhia.
Roçava os dedos nas páginas e a atenção no que lia: Jonh Lennon, novo filme de Fincher, Companhia Maior e A Bela Adormecida (tentei comprar bilhetes, estavam esgotados). Até que vozes musculadas entraram em minha casa sem ser convidadas.
Ao início, mantive os dedos a roçar as páginas e a atenção no que lia. Só que as vozes tornaram-se cada vez mais musculadas e os dedos saltaram das páginas ao mesmo tempo que a atenção do que lia.
Sem dar por isso, os meus dedos roçavam os cortinados azuis da minha cozinha e a minha atenção centrava-se nas vozes musculadas que gritavam uma contra a outra. Não percebi por que discutiam, sei que o faziam na rua, perto da minha janela.
Por instantes, senti-me num programa de televisão da TVI: eu a espreitar uma discussão da vida real pela janela da minha casa!
Em segundos, desinteressei-me pelos gritos, pela discussão e voltei ao chá, às torradas e ao Ipsílon, apesar das vozes musculadas perturbarem convictamente a minha paz vespertina...