quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Momentos

Abraçado a mim, numa altura em que ambos estávamos no sofá, disse-me:
- Acho que a maior parte dos meus colegas não tem este tipo de momentos com os pais.
Na altura, comovida com a grandeza do seu comentário, não lhe dei muita importância, entendi que ele teria de considerar aqueles momentos naturais, sobretudo, entre pessoas que se amam.
A verdade, e não posso ignorá-lo pelo dever de humildade, é que percebo que o meu filho não é um adolescente comum de 14 anos. Não é. E isso agrada-me. Descansa-me.
Mais do que sucesso profissional, desejo que ele seja capaz de fazer as suas próprias escolhas. Não há nada que me angustie mais do que a "rebanhisse" instalada. Se uns dizem que gostam, todos gostam. Se uns dizem que não gostam, ninguém gosta. É uma mímica enfadonha e apática.
Conto com ele para fazer a diferença que eu, tantas vezes, não fui capaz de impor.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Mundo ao contrário

De cada vez que oiço o noticiário, envergonho-me. Não só com a política mas com a qualidade dos políticos.
Agora sabe-se que os da França se aproveitaram da amabilidade de alguns ditadores - cujas opções começam a ser contestadas nas ruas - a fim de gozarem de privilégios de ricos, em tempo de lazer: aviões particulares, barcos, etc.
Não entendo, se eu pago pelas regalias pelas quais opto em dias de férias, por que razão os políticos vivem impunemente de favores concedidos à custa do sangue, do suor e das lágrimas de milhares de pessoas que morrem devagar ao servirem de sustento de contextos sócio-políticos inibidores de liberdade e de direitos?
Viveremos nós num mundo ao contrário?
Num mundo em que os maus não têm, afinal, o castigo merecido?

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Os gordos que querem ser magros e os magros que têm de ser gordos

Os estereótipos são uma carga adicional ao percurso de vida do ser humano, carga que, tantas vezes, não corresponde em nada àquilo que o indivíduo realmente vale/é/merece. Nas mulheres, essa carga aumenta exponencialmente - porquê? Porque além de bonitas, têm de ser magras. Mesmo que a natureza/genética contrarie o ideal estabelecido, há que recorrer a tudo o que estiver ao alcance para repor a ordem - dietas líquidas, mediterrâneas, as que só se pode comer sopa, as que só se pode beber chá, aquelas em que se come apenas fruta, as que se pode comer de tudo, enfim, são inúmeras as oportunidades e hipóteses no mercado para adquirir a silhueta das  raparigas fantásticas que aparecem na televisão, seja em filmes seja em campanhas publicitárias. E se as dietas não resolverem, há ainda os comprimidos ou o recurso à cirurgia (esta última hipótese é normalmente a primeira escolha das mulheres com carteiras mais recheadas).
Desconhecia por completo que, em determinadas sociedades, o culto da magreza não só não existe como o ideal feminino se consubstancia na gordura. De tal forma a gordura é sinónimo de prosperidade e fortuna que as mães aplicam uma dieta "ao contrário" às  filhas de 7/8 anos, preparando-as para o casamento. Esta dieta "ao contrário" consiste em alimentá-las à força, obrigando-as a ingerir quantidades absurdas de comida para engordarem ao ponto de se apresentarem apetecíveis ao futuro marido e, desta forma, não envergonharem a família. A mulher magra é  proscrita. Não serve para casar porque não alimenta o estereótipo de boa parideira.
A técnica de "engordanço" é conhecida por gavagem. E a esta técnica associa-se um método de tortura que consiste na colocação do pé da criança que se quer forçosamente alimentar entre dois paus que servem, por um lado, para imobilizá-la e, por outro, para causar-lhe dor a cada recusa de alimento.
O choro e o desespero que vi em algumas crianças da Mauritânia, nas quais eram infligidos tais tratos, não é muito diferente do choro e do desespero pelo qual muitas crianças ocidentais passam em virtude do olhar de desprezo e nojo que os outros lhes dirigem apenas por serem gordas.
Não consigo decidir qual a tortura mais odiosa, se a primeira se a segunda...

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Mayday

Enquanto casalinhos trocam presentes de pelúcia avermelhados e com palavras que, tantas vezes, nem o significado entendem, a chuva cai insistentemente, ao ponto de me encharcar os pés.
Enquanto casalinhos fazem juras de amor eterno, lembro-me que o meu carro precisa de ir à oficina porque não tem um médio.
Enquanto os namorados gastam horas ao telefone, irrito-me a pensar nas horas que não me sobrarão para ir ao supermercado comprar legumes para fazer uma sopa logo à noite.
Entre abraços, beijos e "para sempre" gravados nos olhos dos casalinhos, só me lembro que este fim-de-semana passou a correr e que deixei a cozinha em estado de sítio tal que talvez vá ter de reiventar um local onde, hoje, possa jantar.
Entre amor e mais amor, vendido até às pontas dos cabelos,  bocejo.
Com os pés gelados, sem médio no carro, sem legumes para sopa, com a cozinha transformada em caos, com o enfado tradicional das segundas-feiras, hoje, decididamente, não é um bom dia...

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Posso desistir de tudo, mas nunca de compreender

Não vou com frequência assistir a bailados, mas vi, há tempos, o Baile dos Cisnes, por uma companhia russa: não gostei. Na verdade, já tinha apagado esse bailado da minha memória até ao momento em que vi Black Swan, de Darren Aronofsky.
Não sou nenhuma crítica de cinema, nem o que escrevo sobre os filmes tem a pretensão de  forjar qualquer crítica, mas há filmes que me "obrigam" a escrever sobre eles, na verdade, acho que escrevendo sobre eles é sobre mim que escrevo.
A história de Black Swan centra-se na bailarina Nina Sayers, ou melhor, nos lados que compõem  Nina: o da pureza quase virginal e o da sombra vibrante e purgada.
A história leva-nos aos lugares da sua vida vivida e da sua vida imaginada, mas nem uma nem outra são amplamente desveladas. Apesar de me inquietar, gosto quando os filmes não me dão tudo o que eu exijo saber para compreendê-los. Há, nisso, a possibilidade de também eu acrescentar qualquer coisa à narrativa que progride.
O que é extremamente interessante na tessitura do Darren é que ele reúne factores não só na história da Nina e das personagens (?) que ela encarna, enquanto prima ballerina, mas da própria realidade. Por exemplo, não é  factual que seja a Winona Ryder a fazer o papel de bailarina preterida, num filme em que se assiste à consagração da Natalie Portman.
Se ao início, o filme parece conter uma história dentro de outra história, rapidamente percebemos que não há duas ou mais histórias, mas apenas uma: Nina é o cisne branco, o cisne negro, o príncipe, o feiticeiro - ela é a representação arquetípica da mulher moderna. Não, da sociedade moderna doente e esquizofrénica.
Há uma lição inevitável a retirar do filme: a mente do Homem é uma arma letal.