quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Os patrões dos pretos eram os patrões dos brancos

Vi há pouco tempo As Serviçais, um dos filmes candidatos ao prémio dourado de 2012.
A história revela a ousadia e determinação de (sobretudo) duas empregadas domésticas que decidem detalhar pormenores do seu quotidiano nas casas dos patrões.
Importa dizer que o tempo da história é a década de 60 e o espaço físico, o Mississipi. Está bem de ver que as empregadas (Aibileen e Minny, Viola Davis e Octavia Spencer, respectivamente) são pretas, já os patrões são, inevitavelmente, os brancos inúteis que levaram décadas a perceber que a cor da pele não é motivo suficiente para discriminar e segregar.
Não me parece que este tipo de "lições" façam ainda hoje sentido. A discriminação e a segregação não acontecem nem unica nem exclusivamente por razões de pele. São, isso sim, intrínsecas ao ser humano. Por mais monstruoso que pareça não gostar de alguém porque é do Benfica ou porque não veste roupas de marca.
O filme fez-me recordar a vida da minha própria avó que, aos 16 anos, veio servir na casa de grandes senhores.
A minha avó é branca. Os patrões eram brancos. O espaço físico era Lisboa e o tempo da história, os belos anos 50. Ainda assim, a minha avó não tinha vida própria. Não satisfazia as suas necessidades básicas nos mesmos lugares dos patrões. Não era acarinhada. Não tinha nome. Nem idade. Nem nada.
A minha avó perdeu a virgindade num vão de escada de uma casa senhorial, onde o meu avô a visitava às escondidas.
Não me surpreende que os americanos vertam lágrimas ao ver o filme de Tate Taylor, será, a meu ver, uma forma de carpir o passado.
A estrela do filme, para mim, não são nem as empregadas domésticas, nem a escritora que lhes dá voz e identidade. A estrela do filme é a belíssima Sisy Spacek, a mãe tresloucada de uma das "patroas" do bairro. Sisy, como louca e alheada, traz a respiração que o filme precisa para acontecer e, ainda melhor, elimina o tom piegas que o mesmo tendencialmente promove.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A felicidade é para gente estúpida

Não sei o que se passa com os jornalistas deste país. Nem sequer sei o que é feito deste país.
A notícia não é o que era, tudo bem, pois o mundo também não é o que era.
Mas que eu saiba, que eu saiba, o quotidiano de todos nós não será apenas marcado por velhinhos doentes e abondonados, jovens desempregados e famílias a morrer à fome.
Há mais do que isso. E mesmo que não houvesse, os jornalistas teriam de ser capazes de inventá-lo.
Os jornalistas não são os anjos da morte e da destruição. São, ao invés, os grandes ficcionistas da realidade.
De cada vez que folheio jornais, vejo telejornais ou oiço rádio, sou confrontada pela miséria, pela desgraça e pelo pessimismo.
Rareiam as histórias com final feliz.
E ao coro de jornalistas juntam-se agora o dos políticos, dos comentadores políticos, dos assessores políticos, dos assessores dos comentadores políticos. Todos, em uníssono, a garantir o fim do mundo.
O mundo vai mesmo acabar. Só não se sabe quando nem onde.
Até lá, senhores jornalistas, não me retirem das mãos as canetas de colorir porque a vida a preto e a cinzento não serve a ninguém.
Deixem entrar o riso.
Deixem entrar o sucesso.
Deixem entrar o optimismo.
Deixem entrar a felicidade.
Porque há momentos em que não me apetece ser mais do que estúpida.