terça-feira, outubro 18, 2016

Acerca do Bob Dylan

Tem sido muito o ruído à volta do Nobel da Literatura deste ano.
Consagra-se um "monstro" das canções e não um(a) das letras.
Eu diria, e depois de passados o espanto e espasmos iniciais, que a literatura tem espaço suficiente para nela caber mais do que os escritos/livros/autores convencionais.
A literatura tem pendor disruptivo, que é o que permite a cada ser, sociedade, país, cultura avançar na direção do outro, bem como na direção do futuro - o único tempo possível.

Se o Bob Dylan é americano, se é símbolo de uma cultura pop, se não escreveu nenhuma obra de referência, enfim, pretextos para não se aceitar aquilo que é inevitável: o mundo não é o mesmo que conhecemos e que ainda vamos tratando por tu.

E só a literatura para reconhecer e abraçar tal diferença. Trazendo a margem para o centro, empurrando o centro para a margem.

Lídia Jorge, aguenta. 

Literatura

O que fica do que passa...

domingo, outubro 16, 2016

A morte não é para todos

Eu quarenta, ele quatro.

- Mãe, vais morrer amanhã?

(murro no estômago, no âmago do meu eu)

- Não sei - disse - eu acho que não, mas todas as pessoas morrem um dia.
- Mas eu não quero que TU morras.
- Eu não sou diferente dos outros.
- Não és?
- Não.
-Agora estou triste.

(novo murro no estômago, bem no âmago do que eventualmente é meu)

terça-feira, outubro 04, 2016

A Partida

Fica, porque, senão, vais levar-me nessa mala que fizeste sem a minha ajuda.
Fica, porque ires implica o adeus e eu não estou preparada para olhar-te ao longe, de longe.
Fica, só mais um dia, só mais uma vida, que te custa  esperares uma vida? 

Que te custa?

Já a mim, custa-me o tamanho da tua ausência que será maior que tu.
Custa-me o vazio desta casa sem o teu corpo dentro.
Custam-me todas as palavras engasgadas nesta garganta que nunca terei coragem de pronunciar.

Vai.
Não olhes para trás, é lugar de passados. De fantasmas também.
De coisas acontecidas e com cheiro a mofo.

Vai.
Não hesites um segundo. Poderá ser tarde e o futuro não espera por ti.
Sem pressa, um passo. Depois outro.

Vai porque, não sei como, o meu colo encolheu. Já não serve.
Não te serve.

Ainda assim, mesmo assim, ficarei por aqui com esperança de um regresso. 
Como se o meu colo (imagina!) pudesse ser um lugar maior e ter o tamanho exato do teu tamanho.
Imagina...

Que custa? 

quinta-feira, fevereiro 11, 2016

eu não sei quem te perdeu

Os corredores frios. Os procedimentos, exatamente como estabelecido, para impedir a ansiedade de entrar. Ainda que ela já tenha entrado antes. E vá permanecer durante. Depois também, mas só um bocadinho.
Um bocadinho é aceitável, não é?

Os cheiros do cheiro dos outros. Aos quais não me habituo. Nem quero.
As portas com pessoas para fora e para dentro. Apetece-me espreitar. Saber de qualquer coisa. Uma coisinha servia.

Escondo-me aqui atrás a fingir que não me importo, só para que os minutos que as horas têm dentro fiquem suportáveis.
Pior do que a espera é a espera nestes corredores. Antes esperar-te como de costume. 

Deixei-te a sorrir.
Gosto da forma como sorris. A abraçar o mundo numa luz só tua. O mundo, acho, não chega para ti. Está-te curto. Encolhido. Engelhado.
Hás-de reinventá-lo. Determinar um tamanho em que caibas com todas as tuas dúvidas.

As camas deste lugar também não te servem. São curtas. Encolhidas. Engelhadas.
Ainda vamos rir juntos dos pés que te ficarão de fora, sem qualquer conforto de colchão ou estrado.

Espero-te, ansiosa.
Espera e ansiedade, que raio de par: feitos um para o outro. Um par dançante. Tango.

Não sei quem te perdeu, porque desde que nasceste só te encontro, mesmo de todas as vezes que te perdi. E hei-de perder. E outra vez encontrar nem que seja um instante. Aquele em que eu possa, consiga talvez, ter-te pequenino nos meus braços.

E o teu nome que não é pronunciado. Perdeste-te?