quinta-feira, abril 04, 2013

Retrato

Não és simpático. Tens um sorriso selectivo. Sais ao teu pai, diz a avó Natália. 
Ainda outro dia, a avó Xana esgotou as brincadeiras e não conseguiu arrancar-te um esgar. Nem uma intenção. Nada.
Há alturas, porém, em que o riso chega espontâneo, honesto, natural. Quando o mano velho chega a casa ou o pai, quando vês o Tomi ou uma qualquer criança.
Delicias-te com água. Com a que bebes e, sobretudo, com a que te envolve na hora do banho. 
Estou morta por te levar à praia, no verão. Já nos estou a ver aos dois embrulhados na areia, com a toalha enrodilhada aos nossos pés, sem qualquer utilidade. Já estou a ouvir o teu pai reclamar com a areia que trazemos nos pés, nas mãos, no corpo. E a tia Rita a exigir que não nos aproximemos dela.
És observador, curioso e desconfiado. Não gostas de sítios novos. Ou de pessoas desconhecidas. 
O teu pior pesadelo são viagens prolongadas de carro. Reclamas. Esperneias. Reivindicas.
Gostas de comer: leite, sopa, papa, fruta: maçã, pêra, banana. Quando te digo ba-na-na, ris-te à gargalhada. Ba-na-na. Só de escrever dá-me vontade de rir: ba-na-na (rio-me).
Gostas de música. Antes, adoravas estar ao meu colo a dançar. Agora, queres estar no chão para encontrares o teu próprio ritmo. Abanas as pernas e simulas passos, os teus primeiros passos. Desajeitados, envergonhados, mas passos. Os teus.
A tua história favorita é a do Dentes, o tubarão que, pela primeira vez, vai à escola com a sua sacola. O Dentes morde tudo por onde passa. Curioso, tu também mordes tudo por onde passes - é da idade. Atacas-me e eu, retaliando, ataco-te. Passamos horas nisto: tu mordes-me e eu, fingindo-me aborrecida, mordo-te também. Tu ris-te e eu, só de te ver rir, rio-me para ti.
Não te pareces comigo. És igual ao teu pai. Gostava de ver qualquer coisa meu em ti, mas sabe bem ver em ti o teu pai que não conheci.
Sou doente de amor. Uma doença que não terá cura. Nem eu quereria essa cura. Negar-me-ia a aceitá-la.
Quero ver-te crescer. 
Fico aqui à espera de te ver crescer.
Não te esqueças que estou aqui, à espera, de te ver crescer.
Lucas do Mar  - porque foi de lá que vieste


2 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente adoro tudo o que escreves, acho que isto, sim, deveria ser publicado no jornal. Que talento! Que sensibilidade, que tudo. E eu gosto muito de ti. Muitos beijinhos, keep writing!
Duarte

Sónia disse...

Agradeço o teor do teu comentário, tão elogioso. Gosto muito de escrever, é uma realidade mas não me parece que o que eu escreva caiba em jornais. Caberá, isso sim, no coração das pessoas que, por uma ou outra razão, decidem ler-me, como tu.
Também gosto muito de ti. MESMO.
Beijinhos