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quarta-feira, março 09, 2011

O apego não quer ir embora/ Diaxo, ele tem que querer

Os acasos podem ser enriquecedores, apesar de ocorrerem com abundância nas nossas vidas. Aliás, cá para mim, a vida é mesmo uma sucessão de acasos.


Então, exactamente por acaso, esbarrei com a Maria Gadú este fim-de-semana e fiquei boquiaberta com a sensibilidade que é transmitida pela sua voz de apenas 24 anos. Voz jovem, é certo, mas um instrumento maduro e intenso quando se trata de veicular sentimentos e emoções.
Ouvi "Dona Cila" e, por acaso, pensei imediatamente no meu sobrinho e na dificuldade que sente em aceitar o seu tom de pele. Ele diz que é feito "de chocolate", mas deve ser de chocolate amargo, tal é a tristeza que manifesta em não ser feito "de leite" como TODOS os familiares que com ele convivem diariamente.
Os mulatos vivem numa realidade ambivalente, mais rica - com certeza - mas também mais confusa: não são negros e não são brancos. Acabam por estar num e noutro lado ou em parte alguma?
Embora reconheça que as sociedades deram passos significativos no sentido de integrar e aceitar a diferença, um negro continua a ser um negro, mas um mulato... o que será?

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Parabéns a mim

Ontem foi o dia do meu aniversário.
No dia dos aniversários não há filhos que se esquecem de nos presentear com um beijo redondo e um abraço horizontal.
No dia dos aniversários não há portas de casa fechadas com a chave na fechadura, do lado de dentro.
No dia dos aniversários não há carros na reserva, nem bombas com o combustível esgotado.
No dia dos aniversários não há filas de trânsito intermináveis que não nos deixam chegar a casa a tempo de jantar com a família, que nos aguarda, ansiosa pelo abraço e a felicitação costumeira.
No dia dos aniversários não há pais zangados ou a gritar-nos aos ouvidos, irritados com os problemas próprios, pessoais e intransmissíveis. Nem mães a vaguear pelas ruas, à espera de acalmar a irritação sentida momentos antes.
Não há. Ou melhor, não deveria.
Há dias de aniversário em que o dia deveria passar como se de outro dia qualquer se tratasse.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Espelho meu

Dei-me conta de que a imagem que projectamos nos outros raramente corresponde à verdade. Ou melhor, raramente corresponde à verdade integral.
Tinha terminado o jantar: rolo de atum com legumes, confeccionado a seis mãos. Ao desbarato na cozinha, como na vida.
Na troca de confissões e medos - após o jantar ou após o sexo sabe bem deslindar emoções e desbravar caminhos inóspitos dentro de nós próprios - dizem-me:
- És uma imagem de força, mas, na verdade, és tão insegura como outros.
Concentramos grande parte da nossa energia a disfarçar o nosso "eu". A disfarçá-lo ou a ornamentá-lo, engradecendo-o, individualizando-o. Até porque reconhecemos que muito pouco nos distingue de outros como nós.
Não há ninguém que não goste de ser amado. Desejado. Reconhecido. Enaltecido.
Não há ninguém que não se sinta assustado. Receoso. Melindrado. Inseguro. Fragilizado.
Ainda por cima, não há ninguém que não seja qualquer coisa e o oposto disso mesmo. Somos seres de contradição. De antagonismo. De desequilíbrio.
Sou forte, de tão insegura que tantas vezes me sinto? Ou sou insegura, de tantas vezes que me vejo forte. Fortíssima. Fortalhaça. Fortalhíssima?

sexta-feira, agosto 27, 2010

Paga e não... bufa

Há muito que desejo fazer um curso de escrita criativa. Tentei fazer um em 2008 ou 2009, mas aguentei-me apenas duas ou três aulas. Aborreci-me. Aborreço-me com facilidade.
Ontem, numa pesquisa que fiz, lá encontrei um que me pareceu interessante, mas apenas até ter trocado três ou quatro emails com o formador. Além das aulas serem particulares - o que até poderia ser interessante na medida em que há necessariamente um maior investimento do formador no formante - o que mais me irritou - confesso - foi o senhor exigir o pagamento integral do curso antes sequer das aulas terem início. É tão disparatado como eu chegar a um restaurante e pagar antes de ter sido servida.
Contei-lhe do meu desconforto relativamente ao assunto. Ele retorquiu que, infelizmente, paga o justo pelo pecador, pelo que, para o curso acontecer, as coisas teriam de processar-se daquela forma. E as garantias que me dava - dizia-me - era o seu nome, uma vez que era dele que vivia.
Eu também vivo do meu. Aliás, não vejo quem possa viver do nome de outros (a não ser, claro está, actores ou espiões).
Ainda por cima, Pedro Chagas, embora identificado no Wikipédia enquanto escritor português (?!) - também a Margarida Rebelo Pinto está convencida de que é -  tem um nome que, para além de me ter chagado o juízo, deixou-me a zeros em termos literários.

terça-feira, agosto 24, 2010

Férias à beira de um ataque de Família

A minha mãe parece uma mulher de 70 anos. A minha avó parece uma mulher de 50. A minha mãe tem 51. A minha avó 73.
As férias em família são uma confusão. Ou há pratos que sobram na mesa ou há pratos a mais. Há pessoas a entrar e a sair, num correpio ininterrupto.
Eu gosto. Mas também me agrada o silêncio. Sobretudo aquele que nasce por de dentro. Que forra o interior e o aconchega.
Antes de me habituar ao computador, só gostava de escrever no papel. Agora que me habituei a escrever no computador, não gosto de escrever no papel. Fico mais lenta, os pensamentos de escrita não fluem tão rapidamente. E a letra aparece-me desordenada.
Às vezes gosto da minha caligrafia. Outras não. Uma vez uma professora acusou-me (injustamente) de ter assinado o teste pela minha mãe - de tão parecidas que seriam as caligrafias. O máximo que fiz, ainda que não dessa vez, foi ter alterado um Insatisfaz para um Satisfaz.
Foi aí que me dei conta da diferença que umas palavrinhas podem ter no nosso destino. A minha mãe apercebeu-se da rasura no "In". Castigou-me. E fez muito bem.
A mentira não é tolerável. Embora passemos nela grande parte do nosso tempo: tenho de ser feliz. Tenho de ter uma casa. Um carro. Ter um bom emprego. Ter dinheiro.
A minha avó não sabe ler. Quando vínhamos de Lisboa para Fernão Ferro, disse-me:
- Aquela casa tem uns escritos. É porque está à venda.
A minha avó nunca teve carro. Nem dinheiro. Nem um bom emprego. A casa que agora habita ocupou-a há 35 anos, após a Revolução de Abril. Entrou nela e lá permanece... até hoje.
À sua maneira muito própria, é feliz. Sem computador. Com pouco silêncio. Sem palavras e cem mentiras.

sexta-feira, julho 23, 2010

A VÓS, fiéis SEGUIDORES

Muitos não sei de onde vêm. Nem tão pouco o imagino. Tudo porque não me dedico a viajar, como gostava, por terras bloguistas alheias.
Venho aqui, num acto comiserado de puro egoísmo, e escrevo e saio e ponto final, deixando o parágrafo suspenso até à próxima vez.
Mas já contabilizo 16 seguidores, que, para mim, valem como 16 milhões, por que, na verdade, serei sempre uma inadaptada feroz a este lugar que me acolhe com tanto carinho.
Escrevo por compulsão. Agradeço aos que me lêem e seguem com atroz lealdade. 

terça-feira, julho 06, 2010

A insegurança vem daqui

- Capacidades? Tu? Quais capacidades?! Tu não tens capacidades.

E esta frase, expelida gelidamente,  anda ainda às voltas no meu estômago, como a comida, quando estragada...

quarta-feira, junho 16, 2010

Gillettes

Ontem, pela primeira vez, vi-me num supermercado à procura de gillettes e espumas de barbear que não tinham como finalidade as minhas pernas; ontem, pela primeira vez, as gillettes e as espumas de barbear tiveram como objectivo os bigodes do meu filho.
Quanto tempo faltará até que o acompanhe à Farmácia para aconselhá-lo sobre... preservativos?

segunda-feira, junho 14, 2010

Pés de... lã?

Foi só quando olhei para o lado que percebi, o senhor que se encontrava, como eu, na casa de banho de um restaurante na praça Jemma El Fna, estava com um dos seus pés enfiado no lavatório e esfregava-o convictamente enquanto eu, no lavatório ao lado, lavava as mãos para ir almoçar...

terça-feira, junho 08, 2010

Conversas de esquina em Marrocos

- Italian? Spanish? English? French?
- Não. Portugueses.
- Ah, Portugal: obrigado, Cristiano Ronaldo, José Mourinho, Figo.
(E eu, de cada vez que participava neste diálogo repetido em cada esquina, perguntava-me: E a Amália?! Fernando Pessoa?! Camões?!)

segunda-feira, junho 07, 2010

Marrakech dos pequeninos

Em Marrakech as crianças têm olhos enormes, redondos, expressivos. Riem-se e as ondas do seu sorriso enlevam-nos num abraço maior do que todos os abraços de todos os mundos.
Na verdade, acho que o que mais me impressionou na cidade foram as crianças e a ternura a que nos obrigam, ao olhá-las, ao partilhar o espaço que habitam.
Não falávamos a mesma língua, ainda assim, entendíamo-nos.
A língua do amor é a mais antiga de todas e não precisa de qualquer tradução.
Se eu pudesse, coisa que não posso, tornar-me-ia na mãe daquelas crianças e inventar-lhes-ia histórias todas as noites sobre princesas e príncipes, sobre castelos e masmorras, sobre lutas e disputas para que o seu sono fosse mais povoado, mais cheio de tudo e, sobretudo, mais cheio de mim.

quarta-feira, junho 02, 2010

Maroco

Estou em Marrocos e tenho tanto para contar, mas nao me entendo com o teclado. Detesto escrever sem conseguir acentuar as palavras bem...

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Da razão de ser árabe

Depois do filme de ontem (O Visitante, de Thomas McCarthy) não admitirei que me venham acusar de atrasos. Sou árabe e aos árabes o relógio condescendesse sempre uma hora extra.
Pelo que nunca mais na minha vida acontecerá isto:
 Mãe - O almoço é às 13.00 horas.
Eu, em casa, já perto das 13.00 horas combinadas, a suar em bica, ainda por vestir, lavar a loiça, desligar o pc, despejar o lixo, desligar todas as luzes, a correr para que o relógio não me obrigue a chegar a casa da minha mãe pelas 14.00 horas, cheia de desculpas inventadas à pressa, no caminho, e ouvir:
Mãe - Contigo é sempre a mesma coisa. Combina-se às 13.00, apareces uma hora depois.
Após o esclarecimento obtido no filme de ontem, tudo será assim:
Mãe - Aparece pelas 18.00 horas.
Eu, em casa, perto das 18.00 horas combinadas, ainda por vestir, lavar a loiça, desligar o pc, despejar o lixo, desligar todas as luzes, vou, com calma e com paciência, dirimindo as actividades que se impõem. Ao chegar a casa da minha mãe, com a tranquilidade merecida, direi:
Eu - No horário árabe são ainda 18 horas. Cheguei mesmo a tempo...

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Raio da gorda que foi incapaz de se manter calada um segundo que fosse naquela sala de espera minúscula de um consultório de cardiologia, em Lisboa

Era hora de almoço e eu não tinha almoçado. Era hora de almoço e já eu estava enfiada num consultório médico, numa clínica de cardiologia. Era hora de almoço e havia  pessoas sentadas nas poltronas verdes da clínica de cardiologia, em Lisboa, onde eu me encontrava à hora de almoço, sem almoço.
A minha avó sentou-se numa cadeira, não quis sentar-se na poltrona porque esta afundava o que a obrigaria a um esforço suplementar para levantar-se dela, quando a chamassem ao gabinete do consultório de cardiologia. Eu sentei-me na poltrona, ansiando por esse esforço suplementar que me arrastaria daquela clínica para fora, para a luz.
Depois de tratar dos detalhes elementares para que a a minha avó fosse atendida, puxei do livro para, pensei eu, viajar com ele para longe daquela poltrona verde e da clínica de cardiologia, em Lisboa.
Foi quando se sentou à minha frente uma jovem de proporções desmedidas. Mas não foi esse o pormenor que me levou a retirar os olhos do meu livro para me focar nela. O telefone que exibia entre a orelha e o ombro direito, enqunto folheava credenciais de cor amarelada, é que me levou a suspender a viagem que o livro me proporcionava.
"Eu nem quis acreditar. Tive de me chatear. O que é isso de me servirem café numa chávena cheia de batom? Nem sequer era meu, porque ainda não tinha levado a chávena à boca (naqueles lábios de carne, nenhum batom sobreviveria). Obriguei-os a servirem-me outro café." Pausa.
Pensei, boa, agora posso voltar ao meu livro.
Errado.
Não pude, como não voltei.
O telefone mudou apenas de posição. Agora estava entre os dedos papudos da mão e a orelha: "Não quis acreditar. Um convite de casamento via e-mail?! Onde já se viu. Deve querer é a prenda. Mas comigo não conte, porque não vou dar-lhe prenda nenhuma. Não sei onde vai isto parar. Só porque deixou o marido e agora arranjou aquele deixou de ligar aos amigos. Eu nunca faria isso, aliás, como tu bem sabes, falamos todos os dias ou, pelo menos, dia sim dia não.  Não é por eu agora ter alguém (quem diria?!), de quem gosto muito, que não falo aos meus amigos (se fosses minha amiga, até agradecia que não falasses)."
A verborreia continuou (raio da gorda que não se cala). E eu fui incapaz de manter-me desligada daquele universo pobre que me chegava na sala de espera de um consultório de cardiologia, à hora de almoço, sobretudo porque estava sem almoço...

quinta-feira, janeiro 21, 2010

O passado no presente

Ao chegar à escola, ainda no carro, parados numa fila interminável de outros carros, que tentavam como nós aproximar-se do portão da escola; olho para o Rodrigo e, nesse relance de olhar, dou conta que traz apenas uma t-shirt por debaixo do casaco. O meu coração gelou.
Com uma calma subtil, aprendida nestes anos de maternidade, mandei-o olhar para o termómetro do carro e dizer-me os graus que este indicava:
- Onze graus, mãe - respondeu-me serenamente.
- Estás proibido de vestir apenas t-shirt para vir para a escola.
- Mas eu tenho casaco.
- O casaco não é suficiente. Ainda por cima, estiveste doente a semana passada: três dias, lembras-te? - não se lembrava, uma semana, na cabeça de um adolescente, equivale a um ano.
- Mas, mãe, eu não tiro o casaco - promessa pueril, inocente, mas impossível de cumprir, pensava eu, enquanto argumentava a sua ideia descabida de vir para a escola, em pleno Inverno, de t-shirt. Mesmo que seja a dos Guns N' Roses.
Assim que ele saiu do carro, satisfeito por poder mostrar a sua t-shirt fashion, voltei atrás uns aninhos e vi-me no lugar dele, em pleno Inverno, de camisola de gola alta, sem mangas, e parece-me ter ouvido também os gritos da minha mãe, que me dizia, quase a espumar da boca:
- SÓNIA PAULA, quantas vezes te disse que não quero que vás de braços ao léu para a escola com este frio?!

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Dizer NADA é dizer TUDO?

Podia escrever uma mensagem de Natal. Não vou fazê-lo. O melhor do Natal é aquilo que não se diz sobre ele. Aliás, o melhor de qualquer coisa que se faça é o que não se diz sobre ela. Mas o que se saboreia, experiencia, o que se experimenta ao fazê-la. A escrita será sempre uma reflexão secundária sobre determinados acontecimentos - essencial apenas porque permite aguçar a consciência e prolongar a memória - a nossa e a dos acontecimentos.
Na tentativa de prolongar a noite de sábado, 19 de Dezembro, publico as fotos que uma deusa com asas de anjo alaranjadas fez o favor de captar. As fotos falam por mim e pelo amor que se multiplicou nos gestos, nos abraços, nos sorrisos, nas gargalhadas trocados em nome da amizade: da minha por eles, da deles por mim.









P.S. Houve amigos que não puderam estar presentes, pelo menos, fisicamente presentes. Mas eles sabem, como eu sei, que a sua ausência foi uma presença assumidíssima.

terça-feira, novembro 24, 2009

Preciso...

"Preciso de uma amiga."
Só assim, uma frase simples a entrar em surdina no telemóvel que te desperta.
"Preciso" não bastaria nada mais para perceber que o pedido era sério, havia a constatação de uma necessidade.
"De uma amiga", mais sério o pedido se tornara. Não era de dinheiro. Não era de comida. Mas de amizade.
Quantas vezes escrevi uma sms semelhante sem nunca a ter escrito? Quantas vezes não já não quis dizer "preciso"?
Na verdade, para dizer "preciso" é obrigatório dotar-nos de coragem. Ele teve coragem nesta manhã de Novembro, exactamente no momento em que a coragem lhe fugira.
A mensagem recebeu uma resposta imediata e não me lembro exctamente das palavras que usei, mas seria com certeza qualquer coisa como: "Estou aqui."

sexta-feira, outubro 23, 2009

Mais uma vez, COIMBRA

Estou prestes a iniciar outra viagem a Coimbra. Nunca me canso daquela cidade. Regressarei convicta de que Coimbra ficou diferente depois de mim e de eu fiquei diferente depois dela. Quero ler, passear pelas ruas e quero também ir ver a minha primeira ópera: La Traviata, de Verdi. Uma composição que se baseou no texto A Dama das Camélias, de Dumas. Não percebo nada de ópera, mas desconfio que não se deve morrer sem ter experimentado um bocadinho de tudo. Depois de hoje, poderei riscar a ópera da minha lista de coisas a fazer.

P.S. Há pouco, alguém me disse que estava a acabar de ler, entusiasmado, A Sombra do Vento, de Zafón. Senti-me como uma criança que encontra, na praia, uma pedrinha mais brilhante do que as outras e a guarda no balde como se esse fosse o seu tesouro mais precioso. É um tesouro precioso ter a possibilidade de acrescentar um pouco do que somos naquilo que os outros são, não é?

segunda-feira, outubro 19, 2009

gaveta

encontrei um papel perdido na minha mala, entre outros papéis. um papel quadrado, leve, de textura apapelada, de cor roxa, com umas letras e uns números inscritos: 5 (sábado) n.º 09778 Festa2009 Avante 4,5 e 6 Set., e em letras pequeninas, quase ilegíveis, Atalaia, Amora, Seixal.
Como um tumulto, memórias desaguaram em mim, assim fosse eu um rio:
sede. fontes sem água. pés em sobressalto de pó e areia. corneto de morango. magnum. cabeça ferida. sangue que escorre. água que lava sangue que escorre. mãos dadas contra a multidão. multidão em alegria, uma disforme outra conforme. cervejas. música ao longe. livros. manuel tiago. álvaro cunhal. alguns livros lusófonos. caras conhecidas: estás grávida? não, estou só gorda. embaraço. fome. nada para comer. mandioca de milho porque esgotou tudo o resto. bola depois. conversas empoeiradas à volta de uma mesa que abana. charutos. cigarros. cigarrilhas. gargalhadas. daniel com frio. daniel com casaco horrível comprado à pressa. fotografias de um dia feliz. mãos dadas contra o frio e a fome. música ao desbarato. clã. ela tem sotaque. não tem nada sotaque. ela diz as palavras mal: ouve. ela não diz palavras mal: ouve tu, com atenção. fim da festa. abraços aquecidos. carro num parque distante. conversas prolongadas pela rua fora. multidão que se despede. polícia que não entra. bêbedos que deambulam sem dar conta que deambulam. amor que nasce e que aquece o rosto dos que nele se vêem em espelho. quero voltar. quando houver a promessa de um dia igual.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Ser feliz é...

Ao falar no messenger com uma amiga minha, entre outras trivialidades, ela fez-me a pergunta que eu já advinhava:
- Como estás? Apaixonada? Feliz?
Respondi-lhe às perguntas que me colocou e, na volta, interessei-me também pelo estado em que se encontrava ela. Depois de me fazer um relato doloroso de mais um desaire amoroso, disse-me qualquer coisa como o que vou reproduzir em seguida (ainda que não tenham sido estas as palavras foi este o seu sentido):
- Mas hoje é sexta e amanhã vai estar um dia cheio de sol e vai dar para ir à praia. Bola para a frente e tenho mais é de estar preparada para a próxima.
Como não podia deixar de ser, reagi contra esta atitude deslavada e inconsistente.
Há uma predisposição inacreditável das pessoas para ignorar a tristeza e a dor. Por que raio não pode sentir-se uma pessoa triste? Por que razão há a vontade imediata de atalhar caminho e "partir" para outra sem se ter tido tempo sequer de raciocionar sobre o que correu mal e até sobre o que correu bem?
A tristeza é a peste negra da modernidade. Ainda que para mim a felicidade seja o sentimento dos ignorantes e a maior mentira contada à humanidade desde a invenção de Deus:
Ela Canta Pobre Ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama o meu coração
A tua incerteza voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Fernando Pessoa