sexta-feira, janeiro 29, 2010

Raio da gorda que foi incapaz de se manter calada um segundo que fosse naquela sala de espera minúscula de um consultório de cardiologia, em Lisboa

Era hora de almoço e eu não tinha almoçado. Era hora de almoço e já eu estava enfiada num consultório médico, numa clínica de cardiologia. Era hora de almoço e havia  pessoas sentadas nas poltronas verdes da clínica de cardiologia, em Lisboa, onde eu me encontrava à hora de almoço, sem almoço.
A minha avó sentou-se numa cadeira, não quis sentar-se na poltrona porque esta afundava o que a obrigaria a um esforço suplementar para levantar-se dela, quando a chamassem ao gabinete do consultório de cardiologia. Eu sentei-me na poltrona, ansiando por esse esforço suplementar que me arrastaria daquela clínica para fora, para a luz.
Depois de tratar dos detalhes elementares para que a a minha avó fosse atendida, puxei do livro para, pensei eu, viajar com ele para longe daquela poltrona verde e da clínica de cardiologia, em Lisboa.
Foi quando se sentou à minha frente uma jovem de proporções desmedidas. Mas não foi esse o pormenor que me levou a retirar os olhos do meu livro para me focar nela. O telefone que exibia entre a orelha e o ombro direito, enqunto folheava credenciais de cor amarelada, é que me levou a suspender a viagem que o livro me proporcionava.
"Eu nem quis acreditar. Tive de me chatear. O que é isso de me servirem café numa chávena cheia de batom? Nem sequer era meu, porque ainda não tinha levado a chávena à boca (naqueles lábios de carne, nenhum batom sobreviveria). Obriguei-os a servirem-me outro café." Pausa.
Pensei, boa, agora posso voltar ao meu livro.
Errado.
Não pude, como não voltei.
O telefone mudou apenas de posição. Agora estava entre os dedos papudos da mão e a orelha: "Não quis acreditar. Um convite de casamento via e-mail?! Onde já se viu. Deve querer é a prenda. Mas comigo não conte, porque não vou dar-lhe prenda nenhuma. Não sei onde vai isto parar. Só porque deixou o marido e agora arranjou aquele deixou de ligar aos amigos. Eu nunca faria isso, aliás, como tu bem sabes, falamos todos os dias ou, pelo menos, dia sim dia não.  Não é por eu agora ter alguém (quem diria?!), de quem gosto muito, que não falo aos meus amigos (se fosses minha amiga, até agradecia que não falasses)."
A verborreia continuou (raio da gorda que não se cala). E eu fui incapaz de manter-me desligada daquele universo pobre que me chegava na sala de espera de um consultório de cardiologia, à hora de almoço, sobretudo porque estava sem almoço...

Um comentário:

Patrícia disse...

Também não consigo alhear-me quando tenho alguem a falar mal de outros ao meu ouvido! Que nervos!