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terça-feira, agosto 31, 2010

Saw VIII - O ataque do Pisão

Acho que era um dia de sol. Não excessivamente quente. Nem frio. Um dia de sol como outros.
Acho que foi numa casa de pessoas extraordinárias. Pessoas que não encontram no mundo exterior um lugar que possam chamar de seu.
Acho que foi num dia de trabalho comum. Umas coisas por arranjar. Umas ferramentas tiradas da caixa, sem pressa.
Até que, no corredor, um tipo de olhar alucinado, com uma faca em riste, desata a correr para ele.
A faca. Só pensava na faca. A faca a rasgar-lhe a pele. A faca a feri-lo de morte.
Deixou as ferramentas para trás. O trabalho para trás. O sol para trás.
Correu sem mais nem comos. Atravessou o corredor em passadas largas e imprecisas.
A faca. A faca a aproximar-se. O corredor a terminar. A parede a transformar-se em obstáculo impossível.
Olhava para trás em golfadas. Sustendo a respiração.
O outro seguia-o. Com a mesma cara de antes: alucinada. E a faca na mão. Em riste.
Acabou o corredor. Acabou a corrida. A parede estava ali: intransponível.
Só a faca poderia atravessar a fronteira do ar e entrar, por fora, dentro. Feri-lo. De morte.
Voltou-se para trás, rendido. Desistente.
O outro, o que o seguia, parou de correr.
O olhar? Alucinado.
Olhou para ele, bem fundo nos olhos, e disse-lhe, estendendo-lhe a faca temida:
- Toma. Corre tu agora atrás de mim.

terça-feira, janeiro 26, 2010

E se a vida toda coubesse num piano?

Chopin. Nocturnos.

Só assim a vida pára.
Não há o cansaço de todos.
Não há a correria de sempre.
Não há as frases costumeiras do "antigamente é que era bom".
Não há trabalhos intermináveis que se acumulam na secretária.
Não há medo do futuro.
Não há dúvidas de amar tudo, como nunca, como sempre.
Não há gritos de impaciência em manhãs onde o tempo nos escapa.
Não há  trânsito a paralisar-nos os movimentos.
Não há colegas irritantes, com ares superiores, a dizer-nos o que é bom e bem feito.
Não há passado que nos ameace.
Não há vida senão naqueles acordes em piano: Op. 37.

sábado, janeiro 03, 2009

Inside my dreams


Encontrei-o. Mesmo que não me lembre do seu rosto sei que era ele. Veio para me mostrar o mar e dar-me a mão. Senti-me segura entre as suas mãos. Pela primeira vez, desde há muito, estive em paz. Porém, a cobra devoradora de homens levou-mo antes sequer de eu poder dizê-lo meu.


quarta-feira, dezembro 31, 2008

Ele há Diaz assim...

A ler o Diaz apercebo-me: porra, levo-me tão a sério. E pelo que leio nele, isto não é uma doença geracional. É mesmo uma patologia própria, que não dá para atribuir a qualquer causa exterior. Ajudar-me-ia, se desse.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Depois de mim

Morrer é preciso. Morrer não faz parte do leque infindável de escolhas que temos de fazer ininterruptamente. Acontece. Dá-se. A morte não se escolhe, insisto. Nem sequer o momento em que ela se impõe. Já me imaginei morrer, melhor, já me vi morrer de mil e uma maneiras. Há umas que me agradam mais do que outras: afogada, não obrigada. Queimada muito menos. Por acidente jamais. Talvez doente, no recobro de um olhar que me abrace, sem sequer os braços se imporem.
A verdade é que sei que a vida continuará depois de mim. Não igual, necessariamente diferente, não porque eu tenha deixado de existir, mas porque nada permanece igual, nem aquilo que julgamos permanecer. As flores de todos os jardins continuarão a crescer. As crianças sorrirão uma e outra vez. O sol nascerá para os outros, os que ficam. A minha casa continuará no mesmo local, ainda que não seja mais minha. As roupas terão o meu tamanho e o meu cheiro, só lhes faltará o meu corpo a sustentá-las. A música que hoje oiço continuará a ser ouvida. Os filmes que vi e dos quais me tornei parte serão continuamente vistos e farão parte de outros que não eu. A minha família sentirá a minha falta e dirá coisas como vou ter saudades dela. era tão boazinha, todavia, eles continuarão a sentir-se parte de uma família que em tempos também me pertenceu. As solas dos meus sapatos tornar-se-ão inúteis, assim como tudo o que me pertencia: a escova de dentes, os anéis usados no dedo anelar da mão direita, jamais em outros, os brincos. Os livros, os meus livros que são meus porque têm as marcas que lhes pus, como uma mancha de chocolate numa das páginas ou a areia da praia perdida entre palavras impressas. Só que morrer é preciso. E eu sei que morrerei também no rosto de todos os que amei. Embora a minha vida seja somente o amor que sinto; espero que esse amor não morra comigo, mesmo que morrer seja preciso.
Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir

Mário de Sá-Carneiro(1890-1916)
P.S. A ironia da vida é imensa. Enquanto escrevia este texto, a minha mãe ligou-me a dizer que o pai da minha prima Sara faleceu. A Sara já não tem mãe. Agora também já não tem pai.

sexta-feira, novembro 14, 2008

TU

Tenho as mãos manchadas de sangue: voltei a matar.


Este texto tem hoje a responsabilidade de existir. Ele escreve-se por si, independentemente das teclas que eu escolha ou do que o meu pensamento sugira. Teclo na palavra EU mas é a palavra TU que fica escrita. O texto redige-se a si mesmo, sem que eu possa contrariar ou interferir no seu rumo. A teia vai sendo construída para além da minha vontade. Escrevo TRISTE e TRISTE não aparece em lugar algum. Em vez disso, há palavras no ecrã que nem sei o que significam. Inventam-se e recriam-se, tornando-me eu alheia ao processo que deveria partir de mim. Eu quero escrever TRISTE. Deixa-me escrever a palavra TRISTE, por favor. Tenho de escrever TRISTE. E continuamente aquele TU a impor-se mais do que seria desejável. Este texto quer provar-me que é mais forte e mais capaz do que eu. Que, na verdade, a palavra TRISTE não é assim tão importante. Insiste em revelar-me a minha impotência, diante de um bando de palavras que se perfilam à frente dos meus olhos, por baixo dos meus dedos teclantes. E a palavra TRISTE que me confortaria não existe, desaparece no confronto suspenso com a palavra TU.
Tenho as mãos inundadas pelo sangue de inocentes. Lavo as mãos, mas o cheiro não desaparece.

terça-feira, outubro 14, 2008

Porque há dias assim

Há dias em que nos sentimos bem. Em que o acordar não é demorado nem sofrido, em que a água pelo rosto não é fria e a roupa que tiramos do armário não tem nódoas, não sendo necessário escolher outra. Há dias em que os passos que damos, são passos dados em relação ao futuro, que nos aguarda, solidário. Há dias em que o nosso rosto não se cansa de nós e nos devolve em beleza o que lhe gastamos em vida. Há dias assim...
Há outros, porém, em que acordar é um exercício de guerra civil - não há pior combate do que aquele que empreendemos contra nós mesmos -, em que a luz da rua não nos motiva, em que a fala dos outros que amamos não nos reconforta, em que o futuro nos parece tão distante e tão impossível que as lágrimas e a tristeza nos vencem. Há dias em que acreditamos que os dias vão ser sempre assim.
Desejava que hoje fosse um bom dia. Mas não é. Nem este texto tem as palavras que eu desejei que tivesse. Triste dia triste. Triste texto traste.
Só porque há dias assim...

quarta-feira, outubro 08, 2008

SAUDADE

O SOM de uma porta que se fecha e a BRISA de ninguém que paira no ar.



a sala vazia. a cozinha vazia. o quarto vazio. a CASA vazia.




a saudade aperta aí, antes da casa VAZIA e depois da porta FECHADA.

quarta-feira, setembro 10, 2008

Home alone

O Rodrigo ficou ontem em casa sozinho, pela primeira vez. O que tem isso de especial?, podem perguntar-se. Para mim é óbvia a importância de que se revestiu tal acontecimento. Os filhos devem ser educados para a independência, mas isso tem vindo a mudar substancialmente com os novos tempos. Eu, com a idade dele, já ia da escola para casa (e vice-versa) completamente sozinha, mais, aos 16 anos comecei a trabalhar, uma vez que percebi a dificuldade que os meus pais tinham em sustentar os meus vícios de adolescente, que se resumiam a um ou outro concerto ou a uma ou outra peça de roupa, nada de especial, julgo eu. Só que hoje, somando a legislação e as mentalidades sobre os direitos reconhecidos às crianças, se não prestarmos atenção, educamo-las tendencialmente para a tirania do "eu quero" e para a incapacidade de pensarem sozinhas sobre uma série de coisas.
A verdade é que o meu filho, como a maior parte dos seus amigos, não vai para a escola sem ser acompanhado e não sai da escola se não for exactamente nas mesmas condições. Este condicionalismo pode ter como consequência a dificuldade que ele possa vir a sentir em orientar-se no espaço ou em atravessar a estrada em segurança. O que eu quero dizer é que tem de haver uma política equilibrada na gestão da independência e da segurança/qualidade de vida que desejamos proporcionar aos nossos filhos; se não, teremos, no final do caminho, seres humanos imperfeitos.
A minha mãe estava aflitíssima porque o neto tinha ficado em casa sozinho - com o pequeno-almoço preprado e o almoço pronto a ser aquecido no microondas; ainda com dois filmes do videoclube disponíveis para se entreter, sem mencionar a internet e a bibicleta que o aguardava para dar umas voltinhas e conviver com as babes do bairro -, quando me obrigava a mim, na altura com 9, 10 anos, a comprar batatas na mercearia que ficava uns metros afastada de onde morávamos, à chuva e com os trovões a ribombarem aos meus ouvidos. Eu tremia durante todo o caminho (tenho pânico a trovoadas) mas fui e vim, apesar do medo. Todavia, isso já lá vai e agora ela não tem a função de educar, mas sim a de mimar e proteger, fazendo-me sentir, tantas vezes, como o monstro do Lago Ness, que obriga o "menino" a passar pelas mais estranhas provações: "Tu obriga-lo a fazer a cama e a lavar a loiça?! Coitadinho!" E se eu não estiver atenta, acaba a dizer-lhe: "Deixa estar a cama e a loiça que a avó vai lá tratar disso quando sair do trabalho."
Mesmo eu, estando consciente de que não quero formar um homem que não seja capaz de sobreviver por sua própria conta e risco, independentemente de ter a seu lado quem lhe trate das minudências do dia-a-dia, custa-me igualmente perceber que as exigências que lhe faço significam, mais do que tudo, que ele está a crescer, a tornar-se qualquer outra coisa, a fugir do colinho da mãe. Incomodam-me as portas que vão ficando fechadas atrás dele, demarcando claramente um território que até há pouco tempo também era o meu, mas não é mais. Não é mais... Incomodam-me as mãos que escondem as partes do corpo que antes desnudava sem qualquer preconceito. Incomodam-me porque é como se gritassem aos meus ouvidos: "MÃE, ACORDA, A REALIDADE AGORA É OUTRA." Há, todavia, uma porta que ainda se mantém aberta: a do diálogo. Não há nada de que não possamos falar. Bem, pelo menos, por enquanto...

P.S. Os danos do primeiro dia sozinho não foram assim tão desastrosos: fechou a porta de casa e deixou as chaves lá dentro. Resultado? O dia passado em casa não foi bem passado em casa, foi mais na rua. Tive de sair de uma reunião mais cedo para ir resolver o problema. Tirando isso, e as roupas espalhadas pelo chão da cozinha e do quarto, a loiça estava lavada.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Se eu pudesse

O que fazer quando nos apetece deixar a boa educação de lado e gritar na cara de alguém o quanto a desprezamos?

Tenho o grito preparado, a entoação e o tom correctos e, mais uma vez, terei de engoli-lo, o mais certo é mastigá-lo, para não correr o risco de morrer engasgada.

Um dia quebrarei as minhas próprias regras e descerei àquele nível que a minha personalidade conciliadora ignora - é que às vezes é preciso descer um nível abaixo, para subir uns acima.

Ahhhhhhhhhhhhhhh, se eu pudesse!!!!

P.S. Este texto foi objecto de uma autocensura, é por isso que só eu o compreendo. Todavia, acreditem que escrevê-lo deu-me a capacidade para calar o grito ansiado por mais uns tempos...

quarta-feira, agosto 20, 2008

Medo de ser IRRESPONSÁVEL


Estou com uma vontade louca de ser totalmente irresponsável. Sinto-me extenuada intelectualmente, já para não falar fisicamente. Isto de mudar de um emprego para outro sem fazer uma lavagem espiritual pelo meio não é benéfico. É por isso que neste momento, neste agora que inauguro enquanto escrevo a palavra "agora", me apetecia correr de mim para fora, esquecer as minhas mil e uma responsabilidades e dedicar-me inteiramente a ver-me passear pelo tempo.

Se fosse completamente irresponsável, estava agora a fazer o que mais me apetece: terminar a leitura do belíssimo livro A Sombra do Vento. Se eu fosse o que não sou, andava a vaguear pelas ruas de Barcelona, essas ruas que só existem nas páginas do livro de Zafón. E naquele livro, mais do que saber o que aconteceu a Carax, quero descobrir em quem se tornará Daniel.



Vejo daqui uma palmeira e imagino o que seria se nela habitasse uma ave e se eu pudesse escutar o seu canto. Aquela palmeira que eu vejo encontra-se perdida entre estruturas de cimento (ou pedra?) e está ali para que eu me lembre (sim, ela está ali só por causa de mim) que a vida é uma palmeira perdida entre estruturas de cimento. O segredo - se é que existe um - é tentar ignorar as estruturas e encontrar o caminho até à palmeira.


Bem... a Sombra do Vento não está aqui comigo, aguarda-me em casa. Não vale a pena estar a pensar em coisas que me apetecia fazer se a irresponsabilidade fosse uma característica ao meu alcance; não é. Só consegue ser irresponsável quem não tem medo do amanhã, seja ele qual for. E eu tenho. Sinto medo de todos os amanhãs que me aguardam.

sexta-feira, maio 30, 2008

Menos eu...

Nada vai mudar. No entanto, tudo já mudou. As coisas vão ser iguais, excepto naquilo em que serão completamente diferentes.
Não posso mais aguardar, febril, pela voz do outro lado do telefone, que me dizia:
- Anda pagar-me um café.
As moedas ficarão, agora, atiradas pela carteira, sem razão de existirem.
O telefone continuará naquele lugar: 8192, mas na verdade deixou de ter o mesmo funcionamento, pelo menos, em mim.
Não posso mais olhar incessantemente, à chegada e à saída, para o lugar onde estacionavas o teu carro, ele estava lá para demarcar a tua presença ou a tua ausência. Se o não via, o meu coração saltava de ânsia (onde é que ele andará, pensava); se o via, o meu coração saltava de ânsia (posso vê-lo a qualquer instante, pensava).

Se tudo isto é errado, se não és definitivamente merecedor dos meus afectos, então porque é que me dói tanto, mas tanto aqui dentro?
Se isto é apenas um "até já" então porque o meu coração o sente como um "adeus"?
Mas por que razão continuo eu a chorar como um bebé?

Incontrolável mágoa que me magoa os olhos e a alma, incontrolável paixão que não morre, nem mesmo quando lhe acerto os mais eficazes golpes.

Amanhã, cada passo dado na direcção daquela casa grande e assustadora, será um passo dado em direcção ao abismo. Toda a gente virá perguntar-me pelo meu sorriso e eu só desejarei estar só, em paz. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta. Quero-te de volta.

Sem ti, sou sempre menos eu.