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terça-feira, agosto 30, 2011

19 de Agosto em 30 de Agosto

prometi-te um poema e não tinha, até agora, cumprido essa promessa.
como sei que há coisas que não acontecem por acaso, no dia anterior ao teu aniversário, estava sentado no sofá, de comando na mão, e passava negligentemente canais sem dar grande importância ao que era transmitido. até que fiquei, sabe-se lá porquê, a assistir a um filme sobre irmãs. o filme estava a terminar e uma delas dedica um poema de E. E. Cummings à outra. inevitavelmente, nesse instante, soube que aquilo era o que eu tinha para dizer-te. nem mais nem menos. aquilo. isto.


I carry your heart with me (i carry it in

my heart) i am never without it (anywhere

i go you go, my dear; and whatever is done

by only me is your doing, my darling)

I fear

no fate (for you are my fate, my sweet) i want

no world (for beautiful you are my world, my true)

and it's you are whatever a moon has always meant

and whatever a sun will always sing is you



Here is the deepest secret nobody knows

(here is the root of the root and the bud of the bud

and the sky of the sky of a tree called life; which grows

higher than the soul can hope or mind can hide)

and this is the wonder that's keeping the stars apart



I carry your heart (i carry it in my heart)





quarta-feira, maio 04, 2011

Carta aberta ao LV neste seu aniversário

Acordou-me com a sua mensagem.
Depois de ler o seu nome no écran do telemóvel, pensei: "hoje devia ter sido eu a surpreendê-lo. por uma vez, gostaria de surpreendê-lo!"
É inútil pensar que se pode, assim sem mais nem menos, arrancar um homem que vive profundamente consigo próprio, afastado de qualquer mundanice, empenhado em ouvir os ecos da sua - riquíssima - vida interior, e  trazê-lo um pouco para o lado de cá, para o lado dos comuns mortais e dizer-lhe coisas tão simples como: "gosto tanto de si"  achando, ainda por cima, que isso poderia ser o bastante.
Dizer nem é difícil, acho que nunca senti medo de dizer o que sinto - mesmo correndo o risco desse sentimento ser tão passageiro com o vento que passa -, para mim, guardar palavras dentro é engolir sapos de enfiada, indispõe-me contra mim e contra os outros que estão fora de mim.
Difícil, difícil é arranjar a forma certa, o momento certo de dizê-lo.
Não há mais ninguém que eu conheça que acorde a ouvir Mahler às cinco da manhã. Não há ninguém que eu conheça que me ofereça um presente no dia do seu próprio aniversário. Só o LV.
Deixe-me que lhe diga que não é justo inverter desta forma a ordem do jogo - desculpe, mas foi exactamente assim que o senti. Isso e uma profunda alegria por ter sido eu a escolhida. Ignoro, até hoje, a razão da sua escolha, mas não me atrevo, sequer, em duvidar dela. Aceito-a como aceito boa parte das coisas boas que me acontecem: em euforia comprometida.
Irrita-me tudo o que não fizemos juntos - as idas à cinemateca prometidas e não cumpridas; os filmes, os livros, as músicas que prometemos desfrutar um com o outro... em silêncio e entendimento; os passeios por Lisboa, a famosa ida a Cerveira. Falta-me isso para cumprir a nossa amizade, ainda que tenha uma série de outras memórias de si, de nós, de ambos juntos em sintonia e cumplicidade.
Sabe, por ventura, que o primeiro livro de Benedetti que li foi aquele que me enviou? Sabe, por exemplo, que nunca ninguém teve a agilidade mental de me explicar os fundamentos da Física Quântica como um dia me explicou - entre quatro paredes de uma sala, em Outeiro de Polima, que diz guardar na sua memória?
Encontro-me a ler Memórias de Adriano e acredita que aquele livro me leva continuamente para si?
Quer que lhe prove?
"O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo: as minhas primeiras pátrias foram os livros." - porque me lembra esta frase de si? Porque escolheu nome e pátria. Quem pode fazê-lo? Eu própria, se pudesse, teria escolhido outro nome. Não sei se pátria. Não pude e acho que nem saberia. Não é qualquer pessoa que pode fazê-lo, nem pensar.
Quer outro exemplo?
"Há um único ponto em que me sinto superior ao comum dos homens: sou ao mesmo tempo mais livre e mais submisso que eles se atrevem a ser." - podia continuar, mas não vou maçá-lo com a ideia que tenho de si que será infinitamente mais pobre daquilo que realmente é. Mas quero que saiba que a sua vida me comove como nenhuma outra e eu sinto-me grata por fazer parte dela - ainda que com os condicionalismos que a distância impõe; embora só eu não conviva bem com a distância, como já lho disse tantas vezes.
Parabéns neste dia. Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns. E lamente a minha terrível falta de capacidade para surpreender quem já não deseja (sabe?) ser surpreendido.

Com amor,

Sónia

domingo, maio 01, 2011

Pelos cabelos com o dia da Mãe

Cabelos. Gosto deles compridos, femininos, pouco alinhados, cheirosos.
A minhã mãe mentia-me a cada ida ao cabeleireiro. Dizia-me, com a sua voz doce e confiante de mãe, que não iria cortar-me o cabelo curtinho. Eu fazia o que as filhas fazem, acreditava naquilo que a sua voz doce e confiante dizia.
Chegávamos ao salão, caminhando lado a lado, ela mãe, eu filha.
Sentava-me direitinha num dos sofás disponíveis e esperava que a minha mãe dissesse ao que vínhamos: cortar o cabelo, mas não muito curto, porque se ele estiver muito curto pareço um rapaz e nenhuma miúda quer parecer um rapaz, sobretudo, quando tem um nariz grande e um primo com o qual costumam confundir.
A minha mãe olhava para a cabeleireira - chamava-se Isabel - e dizia-lhe a sorrir não é  para curtar muito curto. Eu via pelo espelho que a minha mãe sorria enquanto dizia o que dizia e, ao mesmo tempo, fazia um gesto com a mão em direcção ao seu próprio cabelo a contrariar o que tinha acabado de sair da sua boca. Os seus dedos transformavam-se em tesoura, eu eu via, pelo espelho, os olhares cúmplices trocados entre a Isabel e a minha mãe.
Já sabia... mesmo antes de me sentar na cadeira preta almofadada, que os meus cabelos, que tinham crescido relativamente bem, iam transformar-se em pelos inanimados atirados contra o chão e eu passaria a ver-me como uma miúda com dificuldade em ser reconhecida como tal. Sabia que as bocas dos familiares viriam mais afiadas do que nunca - Pinóquio era o meu petit nom - e as vizinhas e conhecidos ririam ao perguntar-me és o Tiago ou a Sónia?
Hoje, detesto cabeleireiros em geral. Não sei se por remanescer em mim aquele gosto de confiança traída. Evito-os e escolho-os a dedo. Tal como às tesouras. A minha frase mais dita em qualquer cabeleireiro é só para acertar as pontas - morreria de vergonha se me chamassem novamente de Pinóquio ou se me confundissem com o meu primo.
Há uma coisa, porém, que mantenho sempre que possível: chegar ao salão, lado a lado com a minha mãe, ela mãe e eu filha...

segunda-feira, abril 18, 2011

Objectivo de hoje

Desistir.
Fugir de tudo e de todos.
Transformar-me numa mariposa de asas azuis e voar para bem longe daqui.
(Por mais que estenda a minha pele aos pés de certos e certas, nunca é suficiente. Fico sempre aquém.)
Isto de procurar ser mais em tudo o que se faz, extenua-me.
Por isso, desistir.
Fugir de tudo e de todos.
Transformar-me numa mariposa de asas soltas e livres, desaparecer de encontro ao promontório.
E morrer de alegria só com a ideia de encontrá-lo.

segunda-feira, abril 04, 2011

Direito à vida, mas também ao amor

O amor não é um direito que se adquire à nascença (embora devesse sê-lo).


Aproveito o fim-de-semana para visitar os meus pais e os meus avós com tempo. Tenho a sorte, ainda por cima, de viverem - uns e outros - muito próximos, não na mesma rua, mas no mesmo bairro. Aliás, falar daquele bairro é falar de mim: o meu "eu" fez-se nas suas ruas, nas suas pracetas, no seu ringue.
Velho, muito velho, tem o antigamente inscrito nas paredes caducas. A igreja, que fica no átrio, ao contrário do edificado, é moderna, tem paredes de cimento e não parece sequer uma igreja. Não creio que deus venha comungar com os fiéis naquele lugar. Assim é que, não só serve para o culto das velhinhas que por ali se movimentam com dificuldade, mas também para os toxicodependentes fazerem as coisas que os toxicodependentes fazem: aumentar a sua dependência dos tóxicos.
A sorte é que as horas de culto e as outras não coincidem, pelo que a harmonia dá-se (na maior parte do tempo, pelo menos naquela em que a PSP não é chamada a repor a ordem e o sossego dos habitantes).
Poderia escrever uma história sobre cada um dos prédios que compõem o ramalhete do meu ex-bairro. Eles guardam no silêncio das suas paredes recaiadas relatos de tudo e mais alguma coisa - maridos que se enforcaram, filhos que esfaquearam pais, irmãos que casaram entre si, pais que molestaram filhas deficientes, homens enlouquecidos, mães que perderam filhos, como disse: tudo.  
Também há pessoas que sempre viveram envoltas num mistério indecifrável. Pessoas cujo entendimento escapava à maior parte.
No sábado, cruzei-me com uma dessas pessoas: cabelo comprido, grisalho, roupas circenses, atiradas contra a magreza de um corpo que deixou a agilidade uns anos antes à porta da juventude, brinco nas narinas, o andar ligeiro, arrastado.
O meu avô, que me acompanhava, perguntou à figura que acabei de descrever se estava melhor - ali, no meu ex-bairro, as pessoas ainda se interessam umas pelas outras, há a simpatia da pergunta e o fingimento do interesse:
- Cá ando, Sr. Carlos. Cá ando. Estou muito só.
Não parou, disse aquilo com o mesmo tom, a mesma inevitibilidade com que diria qualquer outra coisa menos chocante ou mais banal.
Não esqueci, até hoje, as palavras ouvidas.
O amor não é um direito que se adquire à nascença (embora devesse sê-lo). Há pessoas que vão morrer sem nunca terem tido a sorte de serem amadas (devidamente) por alguém - o direito à vida deveria implicar o direito ao amor.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Momentos

Abraçado a mim, numa altura em que ambos estávamos no sofá, disse-me:
- Acho que a maior parte dos meus colegas não tem este tipo de momentos com os pais.
Na altura, comovida com a grandeza do seu comentário, não lhe dei muita importância, entendi que ele teria de considerar aqueles momentos naturais, sobretudo, entre pessoas que se amam.
A verdade, e não posso ignorá-lo pelo dever de humildade, é que percebo que o meu filho não é um adolescente comum de 14 anos. Não é. E isso agrada-me. Descansa-me.
Mais do que sucesso profissional, desejo que ele seja capaz de fazer as suas próprias escolhas. Não há nada que me angustie mais do que a "rebanhisse" instalada. Se uns dizem que gostam, todos gostam. Se uns dizem que não gostam, ninguém gosta. É uma mímica enfadonha e apática.
Conto com ele para fazer a diferença que eu, tantas vezes, não fui capaz de impor.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

28/34

Carrossel. Para cima. para baixo.
De cima vêem-se os montes. Toca-se o céu. Ou aspira-se a isso.
Em baixo tudo é escuro e frio. Há incertezas embrulhadas em desespero.
De cima, as coisas são mínimas, pequeninas, quase imperceptíveis: minúsculas.
Em baixo, as coisas agigantam-se, atemorizam, intimidam.
Caí do alto, lá, onde segurava o azul e a luz.
O trambolhão causou-me feridas pequeninas, invisíveis, daquelas que doem lancinantemente.
Olho para cima, mas tudo é tão grande, tão difícil de apanhar.
Por ora, sento-me na escuridão à TUA espera.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Ficou vazio o teu lugar à mesa

Mundo. Europa. Portugal. Lisboa. Cascais. Parede. Madorna. Rua 25 de Abril.
Eu. Pai e Mãe. Avós. Bisavós. Trisavós. Família. Humanidade.

Vi-te e o meu mundo ruiu.
Habituada a olhar-te são, libertário, selvático, veio agora a realidade repor uma nova ordem, imposta pela velhice e, sobretudo, pela doença.
Fraco, debilitado, frágil, numa luta desonesta contra o tempo.
Tens uma bomba-relógio dentro do teu corpo, alojada com carácter definitivo e não há nada que se possa fazer contra isso.
Gostava de salvar-te da dor, como outrora me salvaste das agressões de escárnio com que os outros nos saudavam prontamente.
Eu e tu somos iguais - dizias-me. E eu acreditava.
Era à hora de almoço e de jantar que essa cumplicidade se tornava mais óbvia: tu ocupavas o lugar de topo, eu sentava-me imediatamente à tua direita. Eras o capitão e eu o teu co-piloto.
O navio paira agora sobre águas revoltas, turvas. Eu já não me sento à tua direita e tu já não ocupas o lugar de topo à mesa. Aliás, nem mesa existe por estes dias. Nem mesa, nem sala, nem casa. Nada.
Lembras-te de me chamares ao teu quarto para ver as tuas coleções de moedas? As tuas colecções de isqueiros?
Um dia, distribuíste um saquinho de moedas de prata, do BPI, a cada um dos 13 netos: a nossa herança.
Desconfio que aquelas moedas servirão, no futuro, para lembrar-te como me lembro agora. O teu rosto bem definido, sob o calor das minhas mãos: pensei que morria, as dores eram tantas.
Há lágrimas aqui dentro. Lágrimas que não posso, nem quero, silenciar. São tuas. São nossas. Entendo-as como um hino ao nosso amor tão próprio. Ao nosso amor que floresceu numa casa que tinha mesa, um lugar de topo e um à  direita. O navio que segurávamos entre os dedos e que foi paisagem da minha adolescência.
Sentirei a tua falta, avô. Capitão de uma família destroçada, vagueando no vazio que a tua partida se limitará a concretizar...

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Mãe

Bastaram o sopro das suas palavras para me despertar quase instantaneamente:
- Mãe... - foi tudo o que disse, às 05.30 da manhã.

sábado, dezembro 04, 2010

Era uma vez um pai

- NÃO QUERO AJUDA. NÃO PRECISO DE NINGUÉM - OUVIRAM? - DE NINGUÉM.
Os gritos, o desespero contra o vazio das horas, que passavam em tiquetares estrondosos.
- Estou bem sozinho. Gosto de estar sozinho. Incomoda-me se não estiver sozinho.
A solidão sublinhada por palavras trementes, hesitantes, que não passavam despercebidas aos olhares cúmplices das três.
- Não entendo a vossa insistência. Isto é rápido. Eu sou homem e os homens são fortes. Eu sou forte.
Dávamos as mãos, sem as entrelaçar, sem sequer as encostar umas nas outras. Falávamos do tempo e de restantes banalidades. Criávamos um laço que o ultrapassava e que o confortava sem ele se aperceber.
-  Estou aqui. Não vim sozinho, é certo, mas sou homem, logo, sou forte.
As três por detrás dele, sorrindo candidamente e anuindo com a cabeça e com o coração: sim, ele é forte, nós somos fracas e, por isso, quisémos acompanhá-lo.
Despiram-no. Depilaram-no. Meteram-no numa cama despersonalizada. Fria.
- Vão trabalhar. Vão almoçar. Eu estou bem. Eu fico bem.
Palavras que significavam tudo, menos o que diziam. Trocávamos de 10 em 10 minutos. Nenhuma estava disposta a abdicar do seu lugar à cabeceira.
Uma mensagem. As lágrimas disfarçadas de encontro ao amor.
- Ele disse "Avô, que corra tudo bem. Gosto muito de...".
As últimas palavras eram já só soluços, esperanças de um abraço, só mais um abraço.
Desapareceu por uma porta, que era o escuro para nós, o medo, a incerteza de todas.
Chamaram-nos horas depois. Longas horas depois. Muitas esperas depois.
- Tirem-me daqui. Não me deixem sozinho, não aqui.
Os olhos a pedir socorro, a pedir o conforto do resgate; a boca quieta, muda.
- Não quero ficar sozinho. Não gosto de hospitais. Preciso de vocês.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Ave Mundi Luminar

Bastaram os primeiros acordes para as lágrimas surgirem no meu rosto, como as flores que desabrocham com os primeiros raios da manhã. Ao início, tentei evitá-las - sentia-me idiota por estar a chorar sem querer. Mas durou pouco aquela vontade de controlar as emoções que a música despertou em mim. Entreguei-me. Deixei-me ir e fui.
A emoção de ver Rodrigo Leão ao vivo não é contável por palavras escritas. Há qualquer coisa indizível naquela música, no som daqueles instrumentos (Teclas - Rodrigo Leão; Violino - Viviena Tupikova; Acórdeão - Celina da Piedade; Viola de arco - Bruno Silva; Bateria - Luís San Payo; Violoncelo - Carlos Gomes; Baixo - Luís Aires), naquelas vozes femininas (Ângela Silva e Ana Vieira) que são instrumentos de outra natureza. Há qualquer coisa que me aprazaria descrever em palavras, qualquer coisa que fosse, mas sei que não é possível. As emoções não se explicam, sentem-se, dão-se, acontecem.
Sexta-feira, dia 5 de Novembro, fui surpreendida com a ida ao concerto Ave Mundi Luminar e não me lembro de nada que me apetecesse mais fazer naquele dia.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Subdimensionamento humano

Há hospitais fresquinhos, acabadinhos de nascer, que não têm lugar para todos os doentes.
A desculpa técnica é a do subdimensionamento - palavra chique - mas que pouco diz aos familiares que se deslocam às instalações e encontram o seu doente numa maca, à porta de um quarto com lotação esgotada.
Eu pago impostos. Os meus pais pagam impostos. Os meus familiares pagam impostos.
Eu pago a Segurança Social. Os meus pais pagam a Segurança Social. Os meus familiares pagam a Segurança Social.
Alguém me explica por que está, então, o meu avô, de 90 anos, num corredor de um hospital fresquinho, acabadinho de estrear?
Alguém me explica por que está o meu avô, com a sua doença, a sua dignidade ferida, a sua fragilidade natural, à mercê do olhar dos que passam?
O meu avô está neste corredor, sem forças, a fazer xixi ensaguentado para um plástico transparente, que qualquer um pode ver.
Eu sei que o meu avô tem 90 anos. E que a sua vida já aconteceu. Mas enquanto os olhos dele não se fecharem de vez, não há quem lhe cale a desconfiança e a incerteza daquele lugar. Nem a ele nem a mim.

terça-feira, outubro 12, 2010

Palavras que ofereceria ao dia de hoje se o dia de hoje recebesse palavras minhas no dia de hoje

prenda
de
abraços
com
sede
de
extâse
e
pele
com
a
saudade
do
amor

se as juntasse, daria qualquer coisa como: prendadeabraçocomsededextâsepelecomasaudadedoamor.

terça-feira, setembro 21, 2010

Lições já mortas

Victoria Holt.
Este é o nome dos livros que li na minha juventude. Não frequentava livrarias. O dinheiro chegava apenas para o básico e indispensável. Não para livros. Que eram luxo.
Uma das tarefas que mais gostava era devorar o catálogo da Círculo de Leitores, à procura do próximo romance a quem dedicar os meus olhos, mãos, consciência e fantasias.
Todos os meses, sem tirar nem pôr, o vendedor da Círculo premia a campainha da porta da minha casa. Eu (expectante), no quarto, ouvia os passos da minha avó - tenho tantas saudades tuas, avó - e aguardava, ansiosa, pelo livro que tinha escolhido dias antes e que ela me oferecia diligentemente - tu, avó, que nem ler podias.
O vendedor da Círculo era pai de uma grande amiga minha. Amiga que engravidou de um vizinho meu. Abortaram. Era demasiado cedo para terem  filhos. O meu vizinho veio a ter filhos de outras. Nem sei se ela os teve. Ou com quem.
 O pai, que era vendedor da Círculo, continuou a trazer os catálogos. Os olhos nunca subiam ao nível dos olhos dos outros. E a curvatura das costas indicava que, além dos catálogos, carregava a vergonha da desonra.
Eu só pensava em livros. Victoria Holt. Catarina de Médecis. Jovens empedradas.
Não li os clássicos aos 5 anos. Como já li acontecer. Só muito mais tarde entraram na soleira da minha porta. Já sem a mão amiga da minha avó - obrigada, avó, pelos livros que me ofereceste; não quis a vida que eu pudesse ter consciência da dádiva de aprendizagem que me concedias a cada novo livro antes de te teres transformado em buraco negro de um céu que é só meu. Tão meu. Muito meu.

quarta-feira, junho 30, 2010

O amor é uma avenida de múltiplos sentidos

Andava por ruas incógnitas, olhava para as árvores e via estas acenarem-lhe com mãozinhas tenras e verdes. Pensava em si e na vida e quanto mais a pensava, mais ela se esvaía em obscuras e impenetráveis realidades. Quis gritar, mas o grito retombou num enorme silêncio, num gigante e perigoso silêncio.
A angústia crescia-lhe com os passos e lembrava-se dos delírios febris da infância - ao mesmo tempo murmurava:
 "Sou triste da vida. Tenho esta dor e não sei o que fazer com ela; pior, não quero nada dela."

Quantas vezes não sou este homem perdido dentro de si próprio? Quantas vezes não quero achar uma saída para fora de mim mesma? Quantas vezes não penso que sou triste da vida? E quantas vezes não sigo em frente por desconhecer o caminho para trás e por recear o caminho defronte? É ou não é o amor uma avenida de múltiplos sentidos?

quinta-feira, junho 24, 2010

O que faz de uma noite uma noite (quase) perfeita...

Em conversas soltas, apercebi-me, há muito pouco tempo, que não é correcto defender que a maternidade e a paternidade fazem mais sentido quando não há  diferenças geracionais significativas.
Não é verdade que uma mãe, aos quarenta anos, não possa proporcionar ao seu filho o que ele mais precisa: amor/ compreensão/companheirismo. Mas não há um único dia em que não me sinta privilegiada por ter tão pouca diferença de idade em relação ao Rodrigo. Não fora esse facto, como poderia ter estado eu, no concerto do Slash (ex-guitarrista da famosa banda dos anos 90 - Guns N' Roses), a dançar, pular e a cantar do seu lado?
Não passaram sequer 20 anos da última vez (na altura, a primeira)  que vi o Slash pisar um palco em Lisboa. E é tão bom ver a vida com os olhos de antigamente. Mais, é tão bom partilhar da alegria eufórica de um adolescente quando confrontado com alguma coisa que deseja e admira muitíssimo.
Tenho de agradecer à tia do Rodrigo este momento mais do que a ninguém, pois foi a sua súbita doença (nada de gravoso, acrescente-se) que me "obrigou" a ser o braço-direito do Rodrigo no concerto.
Não fossem os gritos infernais do grupo de rock português que abriu o concerto (Misslava); não fosse o cheiro de ganza espalhado pela sala do Coliseu; não fossem os telemóveis empunhados a toda a hora para sacarem uma imagem inédita do concerto, não fossem as horas que passei de pé depois de um dia de trabalho, não fosse este o concerto a que eu nunca teria ido, a noite de ontem teria sido perfeita!

quarta-feira, março 31, 2010

Metáforas literais

As promessas de amor eterno são apenas isso: promessas. Até ao dia em que um "não consigo respirar sem ti" signifique literalmente "não consigo respirar sem ti".

sábado, março 27, 2010

Sorte ao jogo e ao amor

O amor é como o jogo, se não arriscares, nunca ganharás qualquer prémio. E quanto maior for a tua aposta, maior a probabilidade de saires vencedor.

sexta-feira, março 26, 2010

Coisas de mãe

Fui mãe aos 6 anos. Prematuramente arrancaram-me a filha dos braços, porque estava velha e rota.
Chorei até se esgotarem lágrimas e dor - nessa altura, umas não existiam sem a outra.
Fui mãe outras vezes e de cada vez o amor era mais sério, mais comprometido com os filhos que ia tendo - os primos que cresciam lá por casa,  os animais que trazia às escondidas do meu pai (borboletas, cães, gatos e até caranguejos que viajavam no meu balde e que eu insistia em fazer de meus) e os vizinhos de quem tomava conta em troca de um ou outro escudo.
Se voltar a  cabeça para o lado do passado (será do lado esquerdo ou do direito?!) tudo na minha vida concorreu para um único momento: aquele em que agarrada às mãos, às voltas na cama do hospital em razão das dores lacinantes, já sem rosto, já sem olhar, já sem expressão, pedia à minha avó, acabadinha de morrer, para ajudar-me a trazer à luz o meu primeiro filho natural.
Percebo agora que as aprendizagens ganhas com as maternidades anteriores contribuiram para que eu fosse uma mãe eficiente, mesmo que aos 20 anos. Nunca me atrapalharam fraldas, biberões ou doenças. Ou o amor incondicional.
O que me atrapalha neste momento - pois o ensinamento não veio com as maternidades antigas -  é ter o meu filho a competir comigo por coisas tão banais como o espelho, a banheira ou a tábua de engomar.