terça-feira, setembro 21, 2010

Lições já mortas

Victoria Holt.
Este é o nome dos livros que li na minha juventude. Não frequentava livrarias. O dinheiro chegava apenas para o básico e indispensável. Não para livros. Que eram luxo.
Uma das tarefas que mais gostava era devorar o catálogo da Círculo de Leitores, à procura do próximo romance a quem dedicar os meus olhos, mãos, consciência e fantasias.
Todos os meses, sem tirar nem pôr, o vendedor da Círculo premia a campainha da porta da minha casa. Eu (expectante), no quarto, ouvia os passos da minha avó - tenho tantas saudades tuas, avó - e aguardava, ansiosa, pelo livro que tinha escolhido dias antes e que ela me oferecia diligentemente - tu, avó, que nem ler podias.
O vendedor da Círculo era pai de uma grande amiga minha. Amiga que engravidou de um vizinho meu. Abortaram. Era demasiado cedo para terem  filhos. O meu vizinho veio a ter filhos de outras. Nem sei se ela os teve. Ou com quem.
 O pai, que era vendedor da Círculo, continuou a trazer os catálogos. Os olhos nunca subiam ao nível dos olhos dos outros. E a curvatura das costas indicava que, além dos catálogos, carregava a vergonha da desonra.
Eu só pensava em livros. Victoria Holt. Catarina de Médecis. Jovens empedradas.
Não li os clássicos aos 5 anos. Como já li acontecer. Só muito mais tarde entraram na soleira da minha porta. Já sem a mão amiga da minha avó - obrigada, avó, pelos livros que me ofereceste; não quis a vida que eu pudesse ter consciência da dádiva de aprendizagem que me concedias a cada novo livro antes de te teres transformado em buraco negro de um céu que é só meu. Tão meu. Muito meu.

Um comentário:

FigueiRita disse...

Tanto por agradecer... e tanta Saudade que dói sem doer e sem sequer a conseguir esquecer.