sexta-feira, junho 08, 2012

Vamos Lá Perceber as Mulheres, Mas Só Um Bocadinho

Muitos tentaram.
Raros o conseguiram.
Nem mesmo as mulheres para se perceberem a si mesmas...

Vamos Lá Perceber as Mulheres, Mas Só Um Bocadinho é um monólogo interpretado pela psicóloga clínica, Marta Gautier, que está mais de duas horas a interagir com o público numa peça em que ninguém é actor. Não há ficção. E também não há cenário, pois, na verdade, aquilo não é teatro. Embora o espectáculo seja apresentado na sala de um teatro - no meu caso, no São Jorge - bem poderia ser em outro qualquer lugar. Desde que íntimo. Próximo. Confessional.
Mais do que entretenimento, ali a terapia desenvolve-se através - e por causa - do riso. As pessoas riem-se não só de si, dos seus, como também dos outros e, o melhor de tudo, com os outros.
Encenando pequenos episódios domésticos, Marta Gautier consegue iluminar aquilo que há de mais absurdo no ser humano - e não apenas nas mulheres.
Demasiado referencial, demasiado literal, demasiado mimético, falta ao espectáculo a dimensão teatral que permite o sonho, o devaneio, a liberdade. Ainda que no epílogo haja a tentativa (não conseguida) de resgatar as pessoas da sua comédia doméstica para as enfaixar contra a poesia da vida.
Não se dá pelo tempo passar, mas também não se dá qualquer mudança interior que a arte, tantas vezes, impõe.

segunda-feira, junho 04, 2012

A Dúvida é o que sempre foi: dúvida

Durante muito tempo - tanto que nem me lembro quanto - considerei que não queria ser mãe novamente. Mas a vida não se compadece com predeterminações arriscadas e definitivas e fez-me grávida, 15 anos depois da primeira vez.
Uma gravidez, ainda assim, não acontece do nada - ou não deveria acontecer. Há um contexto que permite que ela se deseje e, depois, se concretize.
Esta não foi diferente. Primeiro veio o amor e, logo depois, a certeza de querer prolongar, para fora de mim - de nós -, esse amor.
19 semanas. Estou grávida de 19 semanas.
A minha barriga cresce, devagarinho. Comecei a sentir o bebé, ainda que seja qualquer coisa muito incipiente.
Sinto-me cheia de dúvidas e, sobretudo, de dúvidas: se estará tudo bem, se é saudável, se a dor X ou Y é normal, se vai morrer, se...
E não há literatura ou voz médica que acalme e silencie estas dúvidas. São elas que me garantem que, às 19 semanas, eu já sou mãe deste bebé que cresce dentro de mim, comigo, para mim.
A grande - talvez a maior - tarefa da maternidade/paternidade é aprender a viver com dúvidas: estará bem, ficará bem, é feliz, será feliz.. E, nos intervalos dessas dúvidas maiores e existenciais, desfrutar do bem que sabe participar na formação de um ser humano que se deseja ter tanto de nós quanto ser mais do que nós, maior do que nós, diferente de nós - ser nós, sendo ele mesmo.
Estou feliz.
Quero vê-lo.
Abraçá-lo.
Cheirá-lo.
Pegar-lhe ao colo e embalá-lo nos meus braços o tempo que ele deixar. Para mim, será sempre o tempo da (minha) vida toda.

quinta-feira, maio 24, 2012

No bairro do amor há mentiras que não são minhas nem tuas mas de quem as apanhar

Há momentos de esquizofrenia incontrolável, em que o teclado não chega para a quantidade de palavras que tenho para dizer. Outros há em que o teclado me sobra nos dedos e as palavras se silenciam.
Reparei que fez hoje exactamente 30 dias desde a última vez que escrevi aqui, no meu lugar de intimidade e segredo.

Muitas coisas se passaram, entretanto. Não só em mim, comigo, mas também com os outros, comigo ou sem mim.
Morreram pessoas.
Morreram-me pessoas.
Houve viagens que se fizeram e outras que ficaram adiadas.
Segredos que me foram revelados e segredos que revelei.
Houve mentiras ditas como se fossem verdade. São estas as mentiras mais mentireiras, aquelas que as pessoas desejam incontrolavelmente que sejam a verdade.

Nunca me apercebi da curiosidade que suscito; vejo-me como uma pessoa vulgar, sem qualquer interesse relevante, e espanto-me de cada vez dou conta de que o meu nome é invocado por pessoas que nem sei bem quem são.
Sabem o nome dos homens com quem me deito, determinam os pais dos meus filhos - que variam consoante os gostos e a imaginação de cada um -, referem as actividades dos meus tempos livres, adivinham os meus medos e os meus desejos.
Não sei se ache graça. Se me ria. Se me espante.
Não sei se hei-de mandar as pessoas à merda.
Ou, talvez, dizer-lhes: "Vão-se foder e metam o nariz na miséria que é a vossa vida própria."
Não sei...
Talvez me ria. Talvez me ria às gargalhadas e pense: "Vão-se foder."
Sozinhas porque desconfio que não terão quem as queira acompanhar.

terça-feira, abril 24, 2012

Ainda eu não era nascida

Não tinha ainda nascido quando se deu o golpe de Abril.
Não havia eu, nem projecto de mim, quando a "Revolução"aconteceu em Portugal.
Mas não é por isso que não entendo o seu valor, a sua importância. É certo que será um entendimento romântico, talvez até estilizado, mas não é por isso que deixa de ser entendimento. 
Entendimento é entendimento.
Não será necessário passar por uma guerra para rejeitá-la. Ou morrer para não querer morrer. Logo, talvez não seja determinante ter vivido o fascismo para desprezá-lo como forma de organização política, social ou cultural.

Em 1974, havia gente a lutar por valores mais dignificantes do que o déficite, rating e outras coisas estranhas e de difícil percepção - pelo menos para uma parola, como eu.
Em 1974, a liberdade de pensamento e de expressão eram o mote das cantigas que se entoavam nas ruas e das bandeiras que se erguiam no ar. Ou eu imagino que assim fosse.
Antes de 1974, eu não podia estar aqui a escrever textos. Pelo menos textos que não fossem elogiosos do sistema, das pessoas que compunham o sistema - como se de um ramalhete se tratasse.
E agora eu posso. 
Eu posso e faço-o. 
Cada palavra que escrevo é a confirmação da minha liberdade. 
Da minha.Porque é impossível que exista apenas uma. 

Antes de 1974, seria impossível haver gente a dizer na rádio ou na televisão que, por discordar das políticas do governo, não iria assistir às comemorações oficiais do 25 de Abril. 
E agora podem.
Podem e fazem-no.
E há vozes que os apoiam. E há vozes que os criticam.
E a pluralidade de opiniões acontece. 
O debate dá-se.
Tudo porque, um dia, ainda eu não era nascida, houve gente que ousou mais do que ser e ajudou a contruir o sonho das liberdades. 
Festejando ou não. Comparecendo ou não nas comemorações oficiais, Portugal participa todos os dias naquilo que é o âmago de Abril: dizer o que se pensa quando se pensa no lugar em que se pensa.
Mesmo que hajam uns com mais direito a pensar do que outros.

quarta-feira, abril 18, 2012

PorTITANICal

Acho que as pessoas andam distraídas daquilo que realmente importa.
E o que realmente importa não poderá ser a morte anunciada da Maternidade Alfredo da Costa nem as caçadas ao elefante do rei  (vai em minúscula para ser fiel à grandeza do monarca) de Espanha.
Eu sei que é importante, de vez em quando, estupidificarmo-nos em frente à TV, até porque, muitas vezes, as matérias interessantes, cultas, inteligentes, criativas, não são suficientes e a nossa consciência (ou cérebro) precisa de se entreter com outro tipo de actividades, ainda assim, não posso deixar de me espantar com a onda de solidariedade humana que nasceu à volta da Alfredo da Costa nem com a onda de indignação gerada à volta das caçadas de elefantes do rei (mantenho a minúscula para ser coerente) espanhol.

Num país à beira do colapso, em que, semana após semana, são anunciadas pelo governo (uso a minúscula para demonstrar a pequenez dos que nos governam), eleito pela maioria dos portugueses (no qual orgulhosamente me excluo), medidas que revelam, acima de tudo, falta de honestidade e transparência política, há um povo entretido com o fecho de uma maternidade (inegavelmente histórica) e as caçadas de um rei moribundo.

O atraso de 2 anos na reposição do 13.º e 14.º meses nos salários dos funcionários públicos; a proibição das reformas antecipadas, o aumento de quase 7% do gás natural (que representará, em 2012, o segundo aumento); o  sucessivo aumento do preço dos combustíveis; o aumento sem precedentes do número de desempregados; a intenção de aumentar a idade da reforma sem antes reformar a mentalidade dos empregadores que continuam a desvalorizar colaboradores com mais de 30 anos; a constante ameaça (que não passará de mera ameaça, uma vez que o medo é o melhor amigo na guerra da ignorância insane) da falência da Segurança Social; o débil e confrangedor Sistema Nacional de Saúde, a verborreia institucional do Primeiro Ministro; a morbidez do ensino superior, todas estas questões deveriam ser discutidas abertamente pelos portugueses e a indignação deveria resultar daquilo que as mesmas suscitam ou fazem advinhar.

Não podemos andar à deriva no Botswana ou na Rua Viriato, em Lisboa... corremos o risco de afundar, sem antes embatermos num icebergue de razóaveis dimensões.

quarta-feira, abril 04, 2012

Prisão sem grades

Fechada.
Encerrada no meu próprio mundo cor de rosa.
Conheço de cor os detalhes de cada parede branca cá de casa. Os leves riscos pretos, aqui e além, marcam uma passagem mais apressada, um objecto arrastado, os saltos esquizofrénicos do cão.
Enfadonhos e previsíveis: os meus dias.
Às 7 acordo. Fico deitada a tentar perceber os centímetros que a barriga cresceu. Não cresceu tanto como eu gostaria.
Às 8 é hora de dar o Zoref ao Rodrigo; apanhado, nas férias da Páscoa, por uma pneumonia.
Às 9, o pequeno-almoço. 
Das 9 às 13, a invenção dos dias: leituras, escritas, telefonemas feitos e atendidos.
Almoço: comida ingerida mais uma vez.
Às 14, o descanso de nada. 
Às 15, a televisão acesa e o zapping sucessivo: tenho dedos imparáveis e fome de qualquer coisa que a televisão não consegue saciar.
16, 17 e 18h:  lanche; pão com qualquer coisa e leite. Vitaminas. Sais minerais. Vida a necessitar de consolidação.
19h, a preparação para o jantar. Ementa de hoje: polvo cozido. A mãe faz. A mãe que, ansiosa, assiste ao desenrolar dos acontecimentos últimos e procura espantar o medo com comida.
Digo-lhe "Mãe, não precisas de preocupar-te. Nós fazemos o jantar." Mas entendo que, para ela, esse gesto seja o seu remédio para afastar o medo e dizer-me "Gosto de ti".
20h,de novo, o Zoref - antibiótico administrado de 12 em 12 horas, para que não hajam falhas, o alarme telefónico. Nunca fui mãe de remédios. Ou boa mãe de remédios. Esqueço-me deles. Corre bem nos primeiros dias, depois esqueço-me da hora. Há coisas que não mudam. Esta não mudou.
 20h, o jantar: igual ao lanche, que já fora igual ao almoço e igual ao pequeno-almoço - máquina ingeridora de alimentos.
Se fosse quinta, que não é, é quarta, seria dia de Anatomia. Gosto dos dias que são de Anatomia. Há um instante de mim que é prenchido por aquelas histórias ficcionadas.
Hora de dormir. Fechar os olhos e imaginar outro mundo cor de rosa, longe, longe, longe, longe, longe daqui. Com as mesmas paredes.
Os mesmos riscos pretos.
A mesma mãe. Filho. Namorado.
A mesma Anatomia.
Livre.

segunda-feira, março 26, 2012

Balanço da greve geral de 22 de Março de 2012: dois fotojornalistas atingidos a murro e a pontapé e regular funcionamento das instituições (transportes incluídos)

Vivemos entre hipócritas. No meio deles. Debaixo deles. Por cima deles. Ao lado deles.
Somos eles.
Alarido. Greve Geral. Transportes. Paralisia. Xis por cento de adesão. Confrontos. Movimento 15 de Outubro.
A greve geral foi um fiasco. Ninguém com coragem política para o dizer. Só eu. Quem nem política e muito menos corajosa. Apenas atenta.
A maior parte das pessoas não pode prescindir de um dia de ordenado para ir para as ruas brincar às bandeirinhas, aos murros e aos pontapés.
O alarido que se montou à volta da Brasileira, como em esplanadas das redondezas, dá vontade de rir. Ou pior, embaraça o mais fraquinho dos gregos.
Haverá motivo para tanta discussão à volta da atitude da polícia?
Não tem a polícia obrigação de zelar pela ordem pública?
Queremos deixar os arruaceiros destruir o que ainda nos resta do que entendemos por liberdade?
As condições de vida dos portugueses não vão sofrer qualquer alteração por via da banditagem, algazarra e confusão.
Cabe-nos a  todos nós, que, em conjunto, somos "os portugueses", agarrar no pedaço de Portugal que nos cabe e fazer com ele o melhor que podemos e sabemos. Isso implica deixar as  montras partidas ou a força bruta para outros.

quarta-feira, março 21, 2012

Por que morrem as crianças?

Os judeus acreditam que Messias está ainda por vir. Que este chegará numa altura de paz absoluta no Mundo.
Eu, se querem saber, duvido.
Duvido, em primeira instância, da existência de um Messias.
Em segundo lugar, da sua chegada numa altura de paz absoluta.
Se assim fosse, qual a utilidade da sua vinda?
Comprovar a sua existência?
Só aos cépticos (e cegos) - como eu - é necessário provar ou comprovar qualquer coisa que se prenda com a religião, com a crença.
Ou se acredita.
Ou não.
A terminar, é imprescindível que duvide do conceito "paz absoluta".
Se já nem PAZ se sabe o que significa... quanto mais absoluta.

(...)

Tenho sono.
Sinto um torpor a crescer-me de dentro.
Se não parecesse muito mal, dormiria em cima da minha secretária. Os braços enrolados e por cima destes a cabeça pendente, semi-adormecida.
Os olhos, lânguidos, a cerrarem-se contra a minha vontade, a verem coisas imaginadas de mentir.
A respiração lenta, num sopro sonhado.
A consciência a entregar-se ao vazio de não existir.
O descanso, enfim, a tomar conta de mim, como uma mãe do filho.

(...)

Não tenho a força dos judeus. Nem a crença dos cristãos. Não tenho as convicções dos muçulmanos. Nem as certezas dos protestantes.
Mas sei que não há nada que justifique a morte de uma criança.

segunda-feira, março 19, 2012

Singularidades de uma rapariga falsamente loira

Todos os que me conhecem sabem da minha aversão a dias marcados no calendário para celebrar o amor.
Não reconheço legitimidade nesse acto. Os pais, as crianças, as árvores, os imigrantes, as mães, os refugiados, as mulheres preexistem e pós-existirão depois da data assinalada.
Dir-me-ão, ainda assim, que essas datas cumprem a sua função: a de lembrar.
E quem disse que eu esqueço?
Quem?
Não é por ser dia do pai que vou gostar mais do meu pai.
Ou que por ser dia da árvore vou gostar mais de árvores.
Ou por ser dia do refugiado vou querer ajudar mais os refugiados.
As efemérides teriam mais e maior interesse se não viessem acopladas a frenesins de compra e venda.
A venda de flores dispara no dia da mãe. No dia do pai será a venda de aparelhos electrónicos. No dia dos namorados, a venda de bombons e ursinhos de pelúcia.

Só não dispara o mais importante, porque não é vendido em sítio algum: o amor das coisas simples.
Ainda por cima, só as coisas simples podem ser verdadeiramente BELAS.

7 semanas e meia

Estou grávida. 15 anos depois, voltou a acontecer-me.
Nada do que era, é-o novamente.
Há 15 anos, a gravidez era poesia, era felicidade, era paz.
Depois de tudo o que sei, o que vivi, o que me contaram, a gravidez é um "caminho que se faz caminhando".
Ainda é cedo para sonhar, mas o sonho dá-se de cada vez que olho para o meu corpo em mudança.
Ainda é cedo para dar a gravidez como garantida, mas eu abraço a expectativa de voltar a ser mãe.
Um dia depois do outro - digo; dizem-me -, mas eu olho para o calendário e assinalo a data do provável parto.
Tenho de aguardar pela passagem do tempo. Faltam 4 semanas para respirar de alívio.
Se aguentarei as 4 semanas sem sonhos, sem expectativas?
Não creio.
Não se pode dizer a um toxicodependente que não pode usar drogas.
Ou a um diabético que não pode abusar do açúcar.

sexta-feira, março 09, 2012

Não passo cavaco ao Cavaco

Ninguém no seu perfeito juízo, em Portugal, entenderá a campanha que o presidente da República quer levar a cabo contra o anterior governo PS e, especialmente, contra José Sócrates.
Faz-me recordar a igreja católica que, na luta desenfreada pela impunidade, criou Santanás.
José Sócrates e o governo PS cometeram muitos erros, talvez erros a mais, todavia, se haverá alguma coisa a ter em consideração na época de governação minoritária PS, será a identidade do então presidente da República... Cavaco Silva.
Não há forma de ignorar que Cavaco fede a erro, a incompetência, a inépcia. Ocupando um cargo determinante como o de "chefe" da nação, sendo, ainda por cima, economista, pouco contribuiu para melhorar o estado de coisas. 
Surpreende-me que tenha tempo, sequer, para escrever memórias. Para escrever a justiça que só o tempo cristalizará. Oito meses nada valem numa nação com mais de 800 anos. Uma nação que existia e existirá depois de Cavaco.  
A História não será favorável a um presidente como este, o primeiro a ser formalmente sujeito a uma petição popular assinada por cerca de 40 mil portugueses que reclamaram a sua demissão.
Não assinei a petição.
Nem precisava.
Há mortes que não se anunciam.
Acontecem. 

quinta-feira, março 08, 2012

Escroto televisivo

Haverá alguém que me explique quem são aquelas pessoas furiosas, indignadas, azedas (sente-se o cheiro apesar da distância que a televisão salvaguarda) com ódio dentro e fora, que aparecem nos noticiários, à porta dos tribunais, com vontade de fazer justiça com as próprias mãos?
Haverá alguém que me explique a razão por que a maior parte dessas pessoas não se penteou ou  não possui dentição completa?
Haverá alguém que me explique se estas pessoas são os novos Robins dos Bosques ou serão apenas desocupados, em busca dos seus 5 minutos de fama?

quarta-feira, março 07, 2012

*Insurpreendidos

E quando queremos surpreender alguém e não conseguimos?
Isso é ser completamente inútil?
Ingénuo?
Incapaz?

 - Pai, estás em casa?
- Não, filha, vim ver o Benfica, estou com uns amigos.
- Onde?
- No Retiro.
- Ah...
- Mas não me vês hoje, vês amanhã.
- Mas quero contar-te uma coisa.
- Contas amanhã.
(Pai, não percebes que tenho uma bola aqui dentro, pronta a explodir, e não posso esperar que o jogo acabe, quanto mais aguentar que chegue amanhã!).
- ...

Primo a campaínha.
(silêncio)
Demoram a abrir-me a porta da rua.
Vejo luz na janela da casa de banho.
Dão-me permissão para entrar. Entro.
Primo, mais uma vez, a campaínha. Desta vez, já estou na porta de entrada.
Oiço, do outro lado, voz e braços agitados, a comprimir contra a porta todas as forças e poderes do mundo natural e sobrenatural:
- Santiago?
- Sim.
- É a tia. Consegues abrir a porta?
- Sim.
- E vais demorar muito a abri-la?
- Não.
Consigo perceber, rapidamente, que a porta está fechada à chave e que ele não conseguirá abri-la sozinho.
- A avó?
- Está a tomar banho.
(Mãe, tenho uma bola aqui dentro, pronta a explodir, e não posso esperar que o teu banho acabe, quanto mais esperar pelo dia de amanhã).
- ...

Não fui capaz de surpreender seja quem for. O que não me surpreende.


*Insurpreendido: Palavra inexistente, mas possível, da Língua Portuguesa.
adj. Que não foi surpreendido.

terça-feira, março 06, 2012

O meu cérebro. As suas asas.

Estou com dificuldade em concentrar-me.
Qualquer pretexto serve para me afastar do trabalho. Passei a última meia hora a olhar para as copas das árvores a abanar com o vento. Contei as árvores. Tentei contar os ramos, mas não passou disso mesmo: uma tentativa.
No telhado, há aquilo que deduzo ser pedaços de pão. Alguém, como eu, alivia o seu mal-estar a distribuir pão aos pássaros. Só vejo os pedaços de pão. Pássaros não.
Vejo os carros. Distingo-lhes a cor. Vou contá-los. As motos também contam como carros? Não me parece.
(sono)
Queria regressar. Não consigo. O meu cérebro paira algures longe de mim. Fora de mim. Tem asas.
(...)
Chegou um pássaro. Pequenino. Está  a dar bicadas ao pão. As suas penas voam como árvores.
As minhas penas crescem. Têm troncos e raízes. Só não têm verde.
Vou sair. Procurar as asas e cortá-las: RIP.

segunda-feira, março 05, 2012

Vacas com letras

O amor ao ensino é, para mim, sagrado. Como na Índia é a vaca.
A maior prova desta sacralização dá-se esta quarta-feira, com o início de uma nova edição dos cursos de Português Língua Estrangeira, da qual serei, mais uma vez, professora. Isto sem me terem pago a anterior edição, que decorreu em Novembro de 2011.
Não demorei a aceitar o convite, aliás, o "sim" aconteceu mesmo antes de se dar o "Queres?".
Tenho o privilégio de ser professora por opção e não por necessidade de sobrevivência. Aquilo que considero o verdadeiro luxo. Mesmo que luxo e sagrado não sejam cristamente compatíveis...

quinta-feira, março 01, 2012

As pessoas de quem se esquece

Um dos meus maiores e mais sentidos medos era, em tempos, esquecer-me de ir buscar o meu filho ao infantário. Acordava a meio da noite, em pânico controlado e controlável, a refazer mentalmente o dia anterior e a certificar-me de que ele dormia, tranquilamente, no quarto ao lado.
Ontem acabei por perceber a razão deste meu medo. Não era a insegurança da maternidade. Não era a insegurança dos meus verdes anos. Era o conhecimento objectivo de que sou uma esquecedora e uma abandonadora profissional.
Desde o início deste ano, eu e um colega que mora na minha zona tomámos a decisão consciente de fazer algumas viagens por semana juntos. Ganha o ambiente, ganha a carteira e ganhamos os dois que, em vez de virmos a pensar na própria vida, conversamos um com o outro sobre o que nos apetecer. Se não nos apetecer, também não conversamos.
Ontem abandonei o meu colega nas instalações da empresa onde trabalhamos. Vim-me embora sem qualquer peso na consciência. Larguei-o sem olhar para trás e cheguei a casa cheia de mim.
Só hoje de manhã, quando lhe retornei uma chamada telefónica - tentou falar comigo ao final do dia, sem sucesso - é que percebi que me tinha esquecido de lhe dar boleia de volta para casa...

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Os patrões dos pretos eram os patrões dos brancos

Vi há pouco tempo As Serviçais, um dos filmes candidatos ao prémio dourado de 2012.
A história revela a ousadia e determinação de (sobretudo) duas empregadas domésticas que decidem detalhar pormenores do seu quotidiano nas casas dos patrões.
Importa dizer que o tempo da história é a década de 60 e o espaço físico, o Mississipi. Está bem de ver que as empregadas (Aibileen e Minny, Viola Davis e Octavia Spencer, respectivamente) são pretas, já os patrões são, inevitavelmente, os brancos inúteis que levaram décadas a perceber que a cor da pele não é motivo suficiente para discriminar e segregar.
Não me parece que este tipo de "lições" façam ainda hoje sentido. A discriminação e a segregação não acontecem nem unica nem exclusivamente por razões de pele. São, isso sim, intrínsecas ao ser humano. Por mais monstruoso que pareça não gostar de alguém porque é do Benfica ou porque não veste roupas de marca.
O filme fez-me recordar a vida da minha própria avó que, aos 16 anos, veio servir na casa de grandes senhores.
A minha avó é branca. Os patrões eram brancos. O espaço físico era Lisboa e o tempo da história, os belos anos 50. Ainda assim, a minha avó não tinha vida própria. Não satisfazia as suas necessidades básicas nos mesmos lugares dos patrões. Não era acarinhada. Não tinha nome. Nem idade. Nem nada.
A minha avó perdeu a virgindade num vão de escada de uma casa senhorial, onde o meu avô a visitava às escondidas.
Não me surpreende que os americanos vertam lágrimas ao ver o filme de Tate Taylor, será, a meu ver, uma forma de carpir o passado.
A estrela do filme, para mim, não são nem as empregadas domésticas, nem a escritora que lhes dá voz e identidade. A estrela do filme é a belíssima Sisy Spacek, a mãe tresloucada de uma das "patroas" do bairro. Sisy, como louca e alheada, traz a respiração que o filme precisa para acontecer e, ainda melhor, elimina o tom piegas que o mesmo tendencialmente promove.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A felicidade é para gente estúpida

Não sei o que se passa com os jornalistas deste país. Nem sequer sei o que é feito deste país.
A notícia não é o que era, tudo bem, pois o mundo também não é o que era.
Mas que eu saiba, que eu saiba, o quotidiano de todos nós não será apenas marcado por velhinhos doentes e abondonados, jovens desempregados e famílias a morrer à fome.
Há mais do que isso. E mesmo que não houvesse, os jornalistas teriam de ser capazes de inventá-lo.
Os jornalistas não são os anjos da morte e da destruição. São, ao invés, os grandes ficcionistas da realidade.
De cada vez que folheio jornais, vejo telejornais ou oiço rádio, sou confrontada pela miséria, pela desgraça e pelo pessimismo.
Rareiam as histórias com final feliz.
E ao coro de jornalistas juntam-se agora o dos políticos, dos comentadores políticos, dos assessores políticos, dos assessores dos comentadores políticos. Todos, em uníssono, a garantir o fim do mundo.
O mundo vai mesmo acabar. Só não se sabe quando nem onde.
Até lá, senhores jornalistas, não me retirem das mãos as canetas de colorir porque a vida a preto e a cinzento não serve a ninguém.
Deixem entrar o riso.
Deixem entrar o sucesso.
Deixem entrar o optimismo.
Deixem entrar a felicidade.
Porque há momentos em que não me apetece ser mais do que estúpida.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Petição para ajudar o Sr. Presidente da República Portuguesa

Não estou chocada com as palavras do Sr. Presidente da República. Minimamente chocada.
O que me teria chocado seria o Dr. Aníbal Cavaco Silva dizer às televisões que consegue pagar as suas despesas com um salário de €500.00 - que é o que a minha mãe aufere por TRABALHAR há muitos anos numa escola pública.
Isso, sim, seria notícia.
Isso, sim, seria motivo de real consternação.
 Que queríamos nós, portugueses? Que a mais "alta" figura do Estado não tivesse motorista? Não fosse dona de um património considerável? Não tivesse acções no banco? Não tivesse privilégios? Ganhasse o suficiente para pagar as suas contas?
Os portugueses gostam de viver acima das suas possibilidades, pior, criam expectativas sobre os outros acima das possibilidades.
O arauto da poupança, dos sacrifícios equitativos, da contenção tem um salário de cerca de €10.000 mensais mas não consegue, ainda assim, pagar as suas contas.
Proponho que cada português doe €1 ao Sr. Presidente para que este consiga honrar os seus compromissos.
É que estou convicta de que em época de crise generalizada, daveremos todos ser capazes de levar mais longe sentimentos como a generosidade e a solidariedade.
Sr. Presidente, se me está a ouvir, diga-me como poderemos nós, cidadãos conscientes, ajudá-lo a ultrapassar esta fase tão difícil...

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Acredito que quando não escrevo é quando escrevo mais.
As palavras estão em tudo o que toco e a música dos textos ecoa no meu dentro, ainda assim, nenhum texto se vê, se apalpa, se materializa.
Nenhum texto se lê. A não ser aquele que eu ensaio nos momentos de profunda interiorização.
Até que... até que, num dado momento, não chegam as palavras escritas no nada, cheias de vazio e de mim.
Até que... até que, num dado instante, a escrita torna-se maior e faz-se leitura. Só aí, só aí não aguento mais as palavras dentro e grito-as.
Grito-as tanto que elas incham, explodem e nascem nos cantos de qualquer lugar, como este que me serve agora.
Senti saudades. Senti saudades do conforto do meu lugar. Do conforto da escrita que se quer minha.
Senti saudades de mim...