terça-feira, setembro 29, 2009

Quanto tempo demora percorrer a A5 num dia de semana?

Demora o noticiário das 8 da TSF; dois telefonemas, um para a mãe e outro para a irmã, pelo meio ainda há tempo para falar com o sobrinho que pede com voz de mimo:
- Tia, hoje quero que sejas tu a ir buscar-me à escola.
Demora um "a tia vai sair mais cedo para te ir buscar" - dito quase sem pensar, impulsionada apenas pelo amor que aquela voz oferece logo pela manhã.
Demora umas boas gargalhadas porque ainda há gente que não consegue encontrar o Curry Cabral, em Lisboa. Apesar de ter acordado às 6 da manhã com essa intenção e de ir munido com os mapas do Google.
Demora um iogurte Danone de stracciatella.
Demora quatro músicas cantadas pelo Michael Bublé:
Quando, Quando
Home
Save The Last Dance For Me
I've Got You Under My Skin
Demora duas da Adriana Calcanhoto:
Cantada (Depois de Ter Você)
Pelos Ares
Demora pensamentos mil, a mil, por mil: os Abraços Desfeitos, do Almodóvar; os namoros que começam e terminam e que começam e que terminam e que começam e que terminam; os amigos que desapontam e que são desapontados; as mensagens que ficam por responder; o trabalho que me aguarda com uma fidelidade assustadora.
E demora a Antena 2 e o novo órgão do Mosteiro dos Jerónimos.
Afinal, demora tão pouco percorrer a A5 num dia de semana.

Sexo ou Amor?

"O segredo da felicidade, ou, pelo menos, da tranquilidade, é saber separar o sexo do amor. E, se for possível, eliminar o amor romântico da nossa vida, que é o que faz sofrer. Assim vive-se mais sossegado e goza-se mais, garanto-te." In As Travessuras da Menina Má, Mario Vargas Llosa
Nunca como agora me foi tão fácil acreditar em tal filosofia relacional.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Morrer em África


Fico sempre espantada com a quantidade de ignorância que há em mim. Os dias que ainda me restam não serão suficientes para eu aprender tudo o que gostaria. É por isso que me é tão difícil imaginar uma vida sem livros ou sem filmes.

Este domingo vi Shoting Dogs, um filme que descreve o genocídio ocorrido no Ruanda entre Abril e Junho de 1994. Na altura, enquanto 800 mil ruandeses (tutsis) sucumbiam aos golpes ferocíssimos das catanas de outros tantos ruandeses (hutus), discutia-se no ocidente a semântica dos acontecimentos:

- Quantos mortos têm de existir para podermos considerar que estamos perante um genocídio?

- É possível falar-se em genocídio se os mortos forem, na sua maioria, pretos?

No filme, uma das personagens, uma repórter da BBC, descreve ao professor de inglês, a viver a sua primeira experiência de "guerra", a sua passagem pela Bósnia:

- Na Bósnia chorava todos os dias. Cada mulher morta que via, pensava que podia ser minha mãe. Mas não aqui. Aqui são só africanos mortos.

A ONU estava no território, em observação, o que tecnicamente os impediu de travar que 2500 refugiados tutsis, que se abrigaram nas imediações da Escola Técnica Oficial de Kigali, fossem brutalmente assassinados. Só puderam intervir na morte dos cães que se alimentavam dos cadáveres espalhados pelas ruas, porque punham em risco a saúde pública.
Para completar este círculo que inicei ao acaso terei de ver Hotel Rwanda, para que a minha ignorância me pese um pouco menos nos meus bolsos de branca.


sexta-feira, setembro 25, 2009

Ser feliz é...

Ao falar no messenger com uma amiga minha, entre outras trivialidades, ela fez-me a pergunta que eu já advinhava:
- Como estás? Apaixonada? Feliz?
Respondi-lhe às perguntas que me colocou e, na volta, interessei-me também pelo estado em que se encontrava ela. Depois de me fazer um relato doloroso de mais um desaire amoroso, disse-me qualquer coisa como o que vou reproduzir em seguida (ainda que não tenham sido estas as palavras foi este o seu sentido):
- Mas hoje é sexta e amanhã vai estar um dia cheio de sol e vai dar para ir à praia. Bola para a frente e tenho mais é de estar preparada para a próxima.
Como não podia deixar de ser, reagi contra esta atitude deslavada e inconsistente.
Há uma predisposição inacreditável das pessoas para ignorar a tristeza e a dor. Por que raio não pode sentir-se uma pessoa triste? Por que razão há a vontade imediata de atalhar caminho e "partir" para outra sem se ter tido tempo sequer de raciocionar sobre o que correu mal e até sobre o que correu bem?
A tristeza é a peste negra da modernidade. Ainda que para mim a felicidade seja o sentimento dos ignorantes e a maior mentira contada à humanidade desde a invenção de Deus:
Ela Canta Pobre Ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama o meu coração
A tua incerteza voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Fernando Pessoa

sexta-feira, setembro 18, 2009

Casa das ESTÓRIAS


Na entrevista que concedeu hoje à Antena 2, no âmbito da inauguração da casa-museu, Casa das Histórias, dedicada à sua já vasta obra, Paula Rego respondeu da seguinte forma à pergunta que lhe fizeram sobre como iniciou o seu percurso enquanto artista:


- Nunca sabemos quando começam essas coisas. Começamos a fazer bonecos e nunca mais paramos.




As explicações simples são ou não são suficientes?

Paula Rego, A Filha do Polícia, 1987

quinta-feira, setembro 17, 2009

simples, como eu gosto

sou simples no meu jeito desajeitado de ser. sou simples porque gosto de coisas simples: um gelado comido no verão; um pôr-do-sol vislumbrado entre amigos; de dançar a dança que me nasce dos pés; de rir devagar, depressa, sozinha, com os outros; de passear de mão dada sem me interessar pelo mundo que existe para lá dessas mãos entrelaçadas em segredos; de abraçar e ser abraçada; de um "és bonita" ou "estás bonita"; de um "gosto de ti" infantil e tosco; de cantar, ainda que mal, as músicas de que tanto gosto de ouvir; de fingir que não me importa quando tudo o que me importa é o importar que tenho com os outros e que os outros têm comigo; de cuspir no ar as pastilhas cansadas da minha boca; de entrelaçar fios de cabelos nos meus dedos, quando me sinto nervosa ou triste ou chateada; de roer-me por dentro para evitar o amor porque com ele vem também a saudade, o medo, a insegurança e a patetice.

Sou desajeitada no meu jeito simples de ser. não consigo associar a direita e a esquerda à direita e à esquerda; sou incapaz de guardar segredos se não me avisarem que o que acabaram de me contar é, efectivamente, um segredo; escrevo sms, tomo o pequeno-almoço, leio, canto no trânsito sem me importar que estou no trânsito; tenho um relógio próprio que comanda desastrosamente a minha vida: tempo total para o amor, total para a amizade, total para o trabalho, total para a diversão, total para a seriedade, o que resulta na minha total falta de tempo para o essencial: ter comida em casa, caso me dê a fome; ter roupa lavada, caso precise de me vestir. chego SEMPRE atrasada a todo o lado, combino saídas para a mesma hora e para o mesmo dia com 3 pessoas diferentes e insisto que vou, que estarei lá, quando sei que não. e durmo de boca aberta, também adormeço com facilidade, é só deitar a minha cabeça entre duas almofadas. detesto iogurtes de pedaços, leite, queijo misturado em comida, pinhões, nozes, amêndoas. admito os cogumelos, mas faço cara feia ao bacalhau, ao polvo e às caracoletas.
mas sou simples no meu jeito desengonçado de ser.

terça-feira, setembro 15, 2009

A escolha que não é

Sabia de tudo antes de tudo; ainda assim, não se resignou à evidência que era clara e transparente, como o rio que a espreitava vezes sem conta, com profundidade aparente de rio porque rio, porque mar, porque água.
As nossas escolhas raramente são inocentes. Mesmo as escolhas que fazem por nós.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Gato Fedorento de água Benta tem medo

Que pena que os Gato Fedorento tenham no seu programa de estreia entrevistado Sócrates. Por duas razões, primeira, o Ricardo Araújo Pereira encontrava-se excessivamente nervoso - o que é legítimo - impedindo-o de estar no seu melhor; segunda, porque Sócrates não consegue ser mais do que sério. Até quando brinca, Sócrates é sério. Além disso, não podemos ignorar que estamos em campanha para as legislativas e sério como Sócrates é, não ia desperdiçar tempo de antena a ser ele próprio.
O Daily Show, com o Jon Stewart, pode ser um bom ponto de partida para um programa em Portugal; desde que os Gato percebam que os políticos portugueses não são os americanos e que será difícil descascá-los da armadura de seriedade e cinzentismo de que fazem estilo. Talvez Portas possa vir a ser o melhor dos entrevistados, porque tem sentido de humor e menos responsabilidades na luta armada que se avizinha.
Julgo que o momento mais descontraído do programa e, consequentemente, aquele que teve mais graça, foi quando interveio o José Diogo Quintela com as suas nano-mini-micro-empresas.

domingo, setembro 13, 2009

Prelúdio de uma despedida em violino

Violino. Piano. Saxofone. A ter de escolher, estes seriam os sons da minha banda sonora pessoal.
Detesto despedidas. Se posso, antecipo-me a elas e finto-as na curva. Antes da dita hora, já eu me despedi. Disse o adeus embargado na voz, filtrei a saudade que o tempo acentua e aprisionei memórias a que recorro em momentos específicos. As lágrimas que ficam após, a acariciar-me o rosto, são o apaziguamento da dor que veio antes, muito antes.
Oiço o violino e procuro entender o que diz. Com o piano já não é assim: desinteressam-me as mensagens que ele fala. Ao saxofone sou eu que tenho vontade de lhe dizer coisas, e mais vontade ainda tenho que ele as oiça e as entenda.

As despedidas, mesmo as pequenas, são indeterminadas. É impossível saber se a pessoa a quem dissemos adeus será a pessoa que reencontraremos no regresso. Seremos nós próprios os mesmos? Acredito que não.

Disto estou eu certa, quem desejamos reencontrar não é a pessoa que veio, mas tão só a que foi.

O som do violino. O som do piano. O som do saxofone.

Com sorte, ainda encontrarás um cabelo meu perdido no teu corpo. Se assim for, solta-o ao vento e deixa que todos os violinos do mundo te digam quem eu sou, deixa que todos os pianos se desinteressem por quem tu és e deixa, ó por favor, deixa que todos os saxofones te digam, como se a sua voz fosse a minha, mesmo não sendo, mas como se: bom-dia...

quinta-feira, setembro 10, 2009

Manifesto a favor do truca-truca

Tinha eu 7 anos e já na Assembleia da República uma mulher desancava num deputado pela imbecilidade dele defender a ideia de que o sexo seria apenas para procriar. Estávamos em 1982 e Natália Correia não deixava para depois o que podia dizer hoje:

"Já que o coito, diz o Morgado,
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca,
sendo só pai de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração - uma vez.
E se a função faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado."

Natália Correia

Como é que uma candidata a primeira-ministra, 27 anos depois, pode ainda defender a ideia de que o sexo é para procriar e de que o casamento é a instituição dos heterossexuais?!

segunda-feira, setembro 07, 2009

Sleep-walkers

Sou sonâmbula. Há noites em que deambulo pelos meus sonhos, deambulando por minha casa.
Ontem retirei meticulosamente da jarra que está ao lado da minha cama, entre vários livros, umas flores secas avulsas que tenho há muito. Gostava de perceber por que fiz isso, qual o meu objectivo. Lembro-me apenas de acordar com uma dessas flores na mão e de procurar reconhecer o lugar onde me encontrava. Uma frecha de luz, vinda de outro quarto, resolveu a minha desorientação momentânea. As flores ficaram lá, caídas no chão do quarto...
Há alturas em que fico desorientada e não necessariamente quando estou a dormir. Por mais experiência que tenha coleccionado na relação com o mundo, há alturas em que me sinto uma criança com medo do escuro e dos monstros e de tudo o que não consigo explicar. E há tanta coisa que não posso explicar, nem a mim mesma. E por isso fico com estas perguntas todas por perguntar, e esta vida toda por viver, e este medo todo por enganar. E a quem quero eu enganar, no fim de contas?
O que não posso é ser sonâmbula e viver a dormir o sonho acordado da vida...

sábado, setembro 05, 2009

Manela 0 - TVI 1

Quando soube que José Eduardo Moniz ia deixar de ser director-geral da TVI, lembro-me de ter pensado imediatamente "sais tu agora, a Manuela sairá daqui a nada". E se me acho muito espertinha por ter pensado isto mesmo antes do "escândalo" suscitado pelo fim do cretino Jornal Nacional? Absolutamente. Aquele meu pensamento indica apenas que sou apartidária, apolítica e que, por isso, a minha análise resulta dos factos.
Um telejornal que tem uma apresentadora que não se coíbe de galvanizar as suas opções e de insurgir-se contra os que as têm diferentes; um telejornal que abre noticiários com acontecimentos relativos a programas de televisão como o Big Brother ou que participa em campanhas de assassinato político, não me parece um telejornal que salvaguarde a democracia, muito menos a liberdade de imprensa: "A liberdade não é eu poder dizer o que penso mas deixar os outros pensar diferente de mim".
Só os que se deixam manipular pelo que ouvem dizer é que podem pensar que por detrás do fim do Jornal Nacional está uma urdidura escabrosa do governo e, principalmente, de José Sócrates e não uma coisa mais simples como: "ó pá, o teu marido foi-se e com ele as costas que te aqueciam um lugar que não merecias por incompetência crónica"!

quarta-feira, setembro 02, 2009

Os meus lábios cor de azeitona lima II

28 de Agosto foi o dia em que escrevi a primeira parte deste texto. Hoje é dia 2 de Setembro e continuo com o raio dos lábios inchados?! Chiça, não mereço isto! Além de que com estes lábios não posso, nem se EU quisesse, sentir-me uma gaja, vá, minimamente capaz de ser fruto de algum desejo, nem que fosse conceptual.

A Margarida é uma Vénus confundida

Sou mulher. A dimensão que se inaugura sempre que constato tal realidade é imensa. Gosto de metade dessa dimensão, dispensaria a outra metade. Por exemplo, detesto as horas que gasto a depilar-me, independentemente da sensação de conforto que me traz durante os dias seguintes; detesto a história do mete tampão, tira tampão que a menstruação obriga - é cliché? acham? isso é porque nunca experimentaram a dança, deviam experimentar, ai pois deviam!; e gostaria de ser mais imatura que a maior parte dos homens que conheço para que o encantamento em relação a eles se prolongasse um pouco mais no tempo.


Há outra coisa que eu detesto, e que dispensaria no imediato, as crónicas da Margarida Rebelo Pinto no Sol, principalmente aquelas em que fala de banalidades, que são quase todas. Então a senhora escreve uma crónica à qual dá o nome de Marte e Vénus (uhhhh, que original) onde discorre sobre a inevitável objectualização da mulher pelo homem (leiam aqui) e, imaginem, de todas as fotos que aparecem dos cronistas do Sol, a Margarida é a única que tem direito a uma de corpo inteiro (vejam aqui), de perna cruzada e com olhar sensual. O que me provoca uma dúvida: ó Margarida, serão só os homens que fazem da mulher um objecto sexual vendável e apetecível?



P.S. Fiquei com outra dúvida, mas esta é mais banal, queria perguntar à Margarida qual o significado, naquele contexto, de gadjets.

terça-feira, setembro 01, 2009

200

Este é o meu ducentésimo texto e se isso for importante para alguém ou para alguma coisa, diria apenas que é importante para mim na medida em que este espaço nasceu de uma vontade muito própria de haver um lugar que, no limite, existisse apenas para meu comprazimento pessoal. Claro que dizer isto assim soa bem, mas não é totalmente sincero ou honesto. Ninguém que escreva, muito menos num blogue, escreve para si próprio ou para seu exclusivo comprazimento. Se o que se escreve não for lido, qual o objectivo da existência dessa escrita?
O Homem tem ânsia da comunicação e eu não sou diferente. Também a mim me apetece, ainda que dentro de uma lógica própria, e até egocêntrica, comunicar com o mundo o que sinto, penso e sou.
Se o mundo fica diferente sabendo o que sinto, penso ou sou? Não. Mas não é por isso que deixarei de escrever. Escrever serve-me, fica-me bem, ainda que 200 textos não sejam nada. Numa vida que parece ter já 200 anos.