quarta-feira, dezembro 30, 2009

Cachanga

Estou cada vez menos preparada para a euforia induzida destes últimos dias do ano. Chamem-me o que quiserem, mas não tenho paciência nenhuma para o "Feliz 2010". Porém, como tenho ainda menos paciência para viver dias repetidos ou semelhantes, este ano vou passar a noite de 31 para 1 em Santo André, rodeada de vários amigos, pouquinhos: só 30. E como no grupo haverá uns novatos, o pessoal está a sugerir fazer-se um jogo porreiro para facilitar o entrosamento entre todos. O jogo chama-se Cachanga e consiste em pôr uma pedra de gelo, grande, em cima da mesa para cada um lhe dar uma cabeçada ao mesmo tempo que grita CACHANGA (para minimizar a dor), na tentativa de assim se quebrar o gelo entre os presentes. Fico sempre surpreendida com a capacidade inventiva e criativa dos meus amigos.
Ainda assim, não são eles os únicos a ter capacidade de me surpreender; enquanto escrevia este post, jazia ao meu lado o telemóvel do meu novo parceiro de sala,  apercebi-me disto porque a cada nova sms que entrava, ouvia: "Poupe a vida da sua máquina com Calgon". Quem, mas quem tem este toque no telemóvel? Pelos vistos o meu novo companheiro...
Estou ansiosa de ter confiança com ele para dizer-lhe: "Que merda de toque é esse, pá?" ou "Tu muda-me isso JÁ!"
Bem... enquanto for a do Calgon, o pior é se ele decide mudar para a do Pingo Doce. Se mudar, convido-o para jogar o Cachanga!

Re-start botom

Há dias em que me convenço que não gosto de inícios. Cansam-me, assustam-me, depauperam-me energias e emoções.
Outros há em que acredito convictamente que não existe nada melhor do que a sensação de começar qualquer coisa do zero.
Ainda não sei em que dia me encontro hoje...

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Dizer NADA é dizer TUDO?

Podia escrever uma mensagem de Natal. Não vou fazê-lo. O melhor do Natal é aquilo que não se diz sobre ele. Aliás, o melhor de qualquer coisa que se faça é o que não se diz sobre ela. Mas o que se saboreia, experiencia, o que se experimenta ao fazê-la. A escrita será sempre uma reflexão secundária sobre determinados acontecimentos - essencial apenas porque permite aguçar a consciência e prolongar a memória - a nossa e a dos acontecimentos.
Na tentativa de prolongar a noite de sábado, 19 de Dezembro, publico as fotos que uma deusa com asas de anjo alaranjadas fez o favor de captar. As fotos falam por mim e pelo amor que se multiplicou nos gestos, nos abraços, nos sorrisos, nas gargalhadas trocados em nome da amizade: da minha por eles, da deles por mim.









P.S. Houve amigos que não puderam estar presentes, pelo menos, fisicamente presentes. Mas eles sabem, como eu sei, que a sua ausência foi uma presença assumidíssima.

terça-feira, dezembro 22, 2009

Frozen

Se em Macau não é gramaticalmente aceitável ter o nome "criança" associado ao adjectivo "feia" - pelo que lá é impossível haver crianças feias  - devia ser igualmente inaceitável associar ao nome "amigo" a expressão "cancro em fase terminal".

sábado, dezembro 19, 2009

Apontamentos


  1. Dei sangue pela primeira vez. E senti-me tãoooooooooo bem. Acho que fiquei com a folha de cadastro completamente limpinha; todos os meus pecados foram, agora, eliminados; ao mesmo tempo, percebi por que há pessoas que não são mais vezes solidárias. É que só se pode dar sangue depois de se responder a questões dificílimas como: "Mudaste de parceiro sexual nos últimos seis meses?" ou "Alguma vez fizeste sexo em troca de dinheiro?".


  2. Estas épocas são propícias ao convívio inter-pessoal. Ele é almoços de Natal, ele é jantares de Natal, ele é lanches de Natal; enfim, uma canseira! Agora, há almoços e almoços, jantares e jantares. Há jantares onde se aprende que há pessoas que têm o "fulmão pulmado". Ou onde as boas-festas são escritas em postais coloridos, com mensagens simples, tipo: "Desejo um bom Natal a todos voz". Ou ainda frases-mistério que ajudam a descobrir quem foi o amigo que te ofereceu a prenda: "De: Gustavo; Para: Ricardo" - com este enigma, como descobrir o autor do presente? Difícilllllllllllllllllll.


  3. Planos. Há quem não viva sem eles. Eu, ao contrário, faço planos para não ter planos. É que, quando os faço, vêm as voltas e trocam-me a vida. A minha mãe estava hoje, desde as 9 da manhã, sentada no café à espera que eu chegasse para tomarmos o pequeno-almoço juntas e irmos, em seguida, às compras de Natal. Já eu, enquanto ela aguardava calmamente, dava um pulo gigante da cama, lavava-me apressadamente e corria para o carro porque sabia-me atrasada 20 minutos. Assim que cheguei ao carro, liguei-o  e... NADA. Mais uma vez o gajo deixou-me pendurada - não pegou. Estou fartinha do raio do carro. Na verdade, o meu carro é como os amantes de luxo, parece que resolvem os teus problemas mais prementes mas, na verdade, só existem para te sugar dinheiro ilimitadamente. Odeio-os - aos carros, não aos amantes de luxo.


  4. A minha irmã ligou-me. Queria - uma vez que eu supostamente andava às compras - que  lhe comprasse pilhas para a máquina fotográfica. Informei-a, sem perder a calma : "Não, o filho da p#*$% do carro voltou a deixar-me a pé". Ela, na tentativa de se solidariazar comigo, começou a contar-me que tinha acordado há pouco e que se sentia como se tivesse sido atropelada por um camião. Ao lado dela, o meu sobrinho, ao ouvir o que ela tinha acabado de dizer, exclamou, quase de seguida: "Um camião? Eu bem te avisei para não ires para a estrada!"

E com estes apontamentos a minha vida vai-se fazendo, umas vezes mais do que outras, mas sempre em direcção ao depois...

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Aniversário 34.º

"A vida é um sopro"

Hoje é o meu aniversário 34.º. Antes, antes de tudo, estava convencida de que o dia 16 de Dezembro só existia no calendário porque eu nasci, pelo que esse dia era meu: pertencia-me. Não foi difícil convencer-me disso: entre tantos dias existentes, um haveria de ser só meu. Mas este pensamento ligeiro e absolutamente ingénuo não durou mais do que uns simples minutos - são minutos e não anos a medida de tempo correcta que dista entre o dia em que éramos donos do mundo e o dia em que o mundo é dono de nós.
Percebi, então, que o dia 16 não me pertencia de todo, como também pertencia a outras pessoas que nasceram igualmente nessa data. Em vez de me sentir triste ou revoltada ou frustrada, senti-me feliz, segura de que a vida é muito mais vida se ao nosso lado estiver gente - muita gente - que nos acompanhe neste sopro fugidio.
Não gosto de ser sozinha. Gosto, ao contrário, de estender a mão em todas as direcções e sentir que essa mão toca outras mãos em melodias descoordenadas, atrapalhadas, distantes, próximas, reais, imaginadas, doloridas, ineficazes, incapazes, verdadeiras, efusiantes, inebriantes, intensas, indeléveis, passageiras. É pela razão desse toque que ainda vale a pena celebrar o dia do meu aniversário.
Parabéns a mim. Parabéns a ti. Parabéns  a nós, que somos tantos.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Surfando na idade

Haverá uma idade indicada para para iniciar seja o que for na nossa vida?

Ontem tive a minha segunda aula de surf. Nada de especial se, entretanto, não fizesse tanto frio na rua. Só fui capaz de esquecê-lo (e apenas por breves instantes) no momento em que o professor chegou e nos disse - sem nos dar qualquer hipótese de escolha - "vão buscar os fatos". E eu fui. E eu despi-me na praia, em frente a várias pessoas que desfrutavam do sol brilhante, mas não quente, que iluminava a esplanada e me olhavam com olhos de comiseração: enquanto eles se encontravam envoltos em camisolas, camisolões, casacos, casacões, gorros, luvas, cachecóis, eu ia ficando em pelota, preparada para vestir o fato.
Assim que agarrei na prancha e entrei na água esqueci o frio de vez. O prazer das ondas no meu corpo, o cheiro do mar e a vontade de me pôr em pé na prancha foram suficientes para o frio deixar de ser determinante.
Descobri, só agora, que gosto de surfar - ou melhor, gosto da ideia de um dia vir a surfar - e vou fazer de tudo para agarrar este desejo meio adolescente que me nasceu no meio de uma idade já nada adolescente.

(Obrigada R. pelos ensinamentos e tranquilidade transmitida no mar em chamas)

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Decide!

Hipótese um: Gal Costa, no CCB;


Hipótese dois: Nouvelle Vague, na Aula Magna;


Hípótese três: Ary Sempre, no Coliseu dos Recreios.




Quando a oferta é muita... opta-se pelo sofá lá de casa, mais o aquecimento, mais as mantas e mais a companhia pessoal, própria e individualizada.

Decidi-me, antes que viesse alguém decidir por mim!

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Com asas nos dedos

Queria escrever um post onde pudesse manifestar a minha tristeza por não ter estado presente ontem, na Gulbenkian,  a ver o Gustav Dudamel a dirigir a orquestra juvenil ibero-americana.
Queria escrever um post que fosse capaz de dizer que Dudamel é excessivo no seu brilhantismo enquanto maestro - e sê-lo-á também enquanto homem.
Queria escrever um post em que  fosse capaz de exprimir a minha admiração por pessoas como Dudamel, que apesar de não terem nascido em berço de ouro, constroem-nos com as suas próprias mãos - e que mãos: delicadas, efervescentes, tempestuosas e com asas na ponta de cada dedo.

(Eu queria, mas às vezes não consigo as coisas só de querê-las tanto. Seria bom que tivéssemos acesso a certas coisinhas só pela razão de as desejarmos.)

Desculpa, Dudamel, mas fui incapaz. Faltaram-me asas nos dedos.



terça-feira, dezembro 01, 2009

Amar por extenso

Há pessoas que não podem ser amadas abreviadamente: num instante; num impulso ou num pulinho.
Há pessoas que merecem ser amadas por extenso.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Twilighting

Não sei porquê. Para mim é um mistério. A verdade é que me vejo a suspirar, ainda que em segredo e em silêncio, pelas personagens do filme de adolescentes Twilight.
Caramba, acontecer-me isto logo a mim. Logo a mim!



quarta-feira, novembro 25, 2009

Armada em boa, podia ter arranjado um 31

Cheguei tarde. Havia pessoas espalhadas pelo espaço nocturno, pouco iluminado, da moda (Lilipop?! Lolipop?!). Eram poucas e eu pouco as conhecia.Ou reconhecia?
A música tocava como toca nas discotecas: muito alta. As vozes tentavam sobrepor-se à música. Umas conseguiam, outras nem por isso. De qualquer forma, eu sorria sempre. Um sorriso diz tanto com tão pouco.
Na parede, projecção de frases emblemáticas: a enquadrar um momento de celebração. As t-shirts surtiam mais efeito do que as projecções, só não sei se mais do que a estátua.
Os cumprimentos ora se faziam com um estender de mão ou com um manear de cabeça a indicar um beijo, um único beijo na face. Comigo é que não, sem modas, arrisco sempre dois, não conseguindo evitar a atrapalhação do manear de cabeças: ai, que eu queria só dar um, mas ela espera o segundo!
Não dancei. Conversei pouco. Mas vi o que soube ser o futuro: no meio daquelas poucas pessoas em celebração, vi uma mulher magérrima, vestida de preto, com um copo de bebida na mão - nada de esquisito até aqui, a não ser as suas feições. Foi só quando ela se virou que topei o código de barras que ela tinha inscrito na pele das costas. No futuro, pensei, todos teremos esse código de barras, que permitirá identificar-nos em qualquer lugar ou em qualquer tempo.
Em ansiedade, mas sem poema, fixei aquela mulher que vi como se estivesse numa plataforma de ficção científica.
Armada em boa, ri-me dela, por ignorância. E só não arranjei nenhum 31 porque, apesar de esfomeado, o meu companheiro de viagem riu comigo, atenuando a ignorância por partilha.

terça-feira, novembro 24, 2009

Preciso...

"Preciso de uma amiga."
Só assim, uma frase simples a entrar em surdina no telemóvel que te desperta.
"Preciso" não bastaria nada mais para perceber que o pedido era sério, havia a constatação de uma necessidade.
"De uma amiga", mais sério o pedido se tornara. Não era de dinheiro. Não era de comida. Mas de amizade.
Quantas vezes escrevi uma sms semelhante sem nunca a ter escrito? Quantas vezes não já não quis dizer "preciso"?
Na verdade, para dizer "preciso" é obrigatório dotar-nos de coragem. Ele teve coragem nesta manhã de Novembro, exactamente no momento em que a coragem lhe fugira.
A mensagem recebeu uma resposta imediata e não me lembro exctamente das palavras que usei, mas seria com certeza qualquer coisa como: "Estou aqui."

Carta Aberta a Herberto Hélder

Não me conheces, Herberto. Mas eu conheço-te a ti. Andámos tantas vezes de mãos dadas pelos terrenos enlameados da Faculdade de Letras de Lisboa. Eu era, então, uma jovem tão jovem que de jovem que era só sonhava sonhos jovens. Tu, para mim, também és jovem. Não te sinto com 79 anos quando acaricio a tua pele impressa nos livros que escreveste. Gosto tanto dos livros que escreveste.
Sabes uma coisa? Este lugar, este lugar de onde te escrevo estas palavras só existe porque tu existes. Os Passos em Volta deram-me a volta. Desde que os li não me senti mais a mesma. Serás tu o mesmo depois de cada poema escrito?
Tenho saudades tuas, Herberto. Tenho saudades de nós e da Faculdade de Letras de Lisboa. Lembras-te do cheiro da terra molhada a entranhar-se nos meus sapatos jovens? E do meu riso a antecipar uma vida cheia de livros?
Era natural chegar  atrasada às aulas (quem me conhece, que não tu, sabe que me atraso de forma compulsiva), mas trazia-te pela mão, pois consolavas-me no meu desconsolo.
Gosto de ti, Herberto. Gosto de ti e do teu peixe vermelho, que foi verde e que ficou amarelo. Gosto tanto de ti.
Gosto do abalo que a tua poesia me provoca. Como se de um Poema Contínuo se tratasse.
Não me conheces, Herberto. Nunca me conhecerás. Só eu te conheço a ti e aos teu livros que leio de colher na boca, sem colher ou sem boca.
Se eu pudesse abraçava-te e pedia-te baixinho: escreve a minha vida em poema surdo e leva-me de volta para o tempo em que eu era jovem e de tão jovem que era tinha apenas sonhos jovens. Detesto sonhos gastos.

terça-feira, novembro 17, 2009

Hora Kit-Kat

Na maior parte das empresas há a costumeira hora kit kat, adoptada do popular anúncio ao chocolate com o mesmo nome; na minha, há a chamada hora Shining.
Invariavelmente, todos os dias, um carrinho é arrastado por estes longos corredores. Faz um barulho ensurdecedor, tipo vrum... vrum... iiiiiiii... vrummmmm... iiiiiiii... VRUMMMMMM...
Pior, é que ninguém sabe de onde vem nem para onde vai. Nem ninguém sabe, sequer, se o maldito carrinho é empurrado por alguém ou se se empurra a si próprio. Faz-me imediatamente recordar as cenas mais impressionantes do filme que celebrizou o Jack Nicholson, The Shining.

"É QUE NÓS SOMOS UM POEMA"

"É que nós somos um poema"

Era assim que explicava Heitor Villa-Lobos, o mais famoso compositor brasileiro, falecido há 50 anos (17 de Novembro de 1959), o facto da sua música ter um pendor tão sedutor.
Habituados a considerar os brasileiros um povo alegre e descontraído - Agostinho da Silva referia-se-lhes como sendo "portugueses à solta" - a música de Villa-Lobos traz-nos o lado mais  melancólico, triste e, até, saudosista da maneira de ser brasileira.
Ouso em afirmar que o mais agradável da sua música poderá estar na constatação, sempre feliz, que as pessoas e, na sua extensão, os povos, não têm uma, e apenas uma, forma de ser. Aliás, não deixa de ser simplista fazer afirmações tão genéricas quanto os alemães são metódicos, os portugueses caóticos e os brasileiros efusiantes. O interessante é poder ser tudo isso e o seu contrário. Que é o que acaba por ser a música de Villa-Lobos.
Se nunca ouviram, oiçam-na. Há cerca de 1200 composições à escolha.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Detalhes

Com os olhos a arder em febre, eles e o seu corpo frágil e magro - a Escarlatina e a Gripe A, comedoras sanguinárias de saúde e vivacidade,  roubaram-lhe simultaneamente as curvaturas de chicha que eram já poucas, mas estavam lá -, abraçou-me em despedida, quando me disse:
- Estás tão bonita com isso vestido - ao mesmo tempo que me acariciava com as suas maõzinhas de criança a camisola branca que trazia.
Estou certa que a beleza que viu em mim era já o resultado do delírio febril, mas aquelas palavras aqueceram-me o coração o resto do dia.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Um percebe, percebes?

Amigos trintões em discussão do antigamente:

Um deles - Oh pá! Eu era tão verdinho que mais parecia um percebe. A coisa só lá ia se me chupassem.
Os outros dois, primeiro incrédulos, depois em agonia de riso absoluto, nada conseguiram fazer, além de rir que nem uns perdidos, chamando a atenção de todos os que procuravam ter um jantar tranquilo e sereno, após outro dia de trabalho.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Desapontamento

(ao telefone)

Eu - Sim? Olá, bom-dia!
Alguém (que eu ainda não sabia quem) - Bom-dia. Como está? Fala a directora de turma do Rodrigo.
(nervos, aflição, suores frios - muito bem disfarçados, diga-se)
Eu - Ai sim? Já sei, quer dar-me os parabéns pela maravilhosa criatura que é o meu filho. Não?! Hunft... Bem me parecia!

terça-feira, novembro 10, 2009

"estou feliz de morrer"

Não me venham falar em felicidade, em árvores plantadas no oceano; não me venham falar em amor, em sorrisos de ternura quando se pensa em alguém; não me venham falar de cumplicidade, de sexo, de plenitude.
Falem-me antes do caos que é a vida; do desmantelamento que o nosso coração sofre de cada vez que julga amar e ser amado; da desagregação e segregação de detalhes e de memórias que nos roubam a vontade e  nos impossibilitam sermos mais com menos.
Falem-me do acordar doloroso de cada dia, dos detalhes espalhados pela casa: dos iogurtes com pedaços no frigorífico, dos calções e da t-shirt guardados na gaveta.
Falem-me da espera que se faz, mesmo que não se deseje, pela voz, por aquela voz em voraz ansiedade; falem-me das gargalhadas adiadas um dia, outro dia.
Não me venham falar que tudo passa. Porque tudo é demasiado para limitar-se a passar. Passará como passam os carros nas estradas, como passam as pessoas nas estações de comboio ou de metro?
 De que marcas eram os carros? De que cores se vestiam as pessoas?
É que eu sei de cor a cor dos calções e da t-shirt guardados na minha gaveta. E sei a marca dos iogurtes com pedaços que apodrecem no meu frigorífico.


Ninguém me venha dar vida,




que estou morrendo de amor,



que estou feliz de morrer,



que não tenho mal nem dor,



que estou de sonho ferida,



que não me quero curar,



que estou deixando de ser



e não me quero encontrar,



que estou dentro de um navio



que sei que vai naufragar,



já não falo e ainda sorrio,



porque está perto de mim



o dono verde do mar



que busquei desde o começo,



e estava apenas no fim.







Corações, por que chorais?



Preparai meu arremesso



para as algas e os corais.







Fim ditoso, hora feliz:



guardai meu amor sem preço,



que só quis a quem não quis.



Cecília Meireles, in 'Poemas (1947)'

segunda-feira, novembro 09, 2009

Vida doméstica e domesticada

- Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee. Onde estão as minhas calças?
- Que calças?
- Aquelas. As que  estiveram estendidas há duas semanas.
Calmamente, dirijo-me ao quarto dele.
- Precisas dessas calças em particular quando só aqui eu conto: uma, duas, três, quatro pares de calças?!
- Sim, mãe. Nenhuma dessas fica bem com as minhas botas. Eu quero aquelas.
- São sete da manhã, tens várias calças disponíveis mas queres aquelas que eu nem sei quais são! - já levemente irritada.
- Mas mãe, deixa-me explicar...
- Não, não há tempo para explicações, não podes atrasar-te, logo, começa a vestir-te.
- Mãe, encontra-me lá as calças. As outras não ficam bem.
- Possa, que chatice. Com tanta calça no quarto e ainda me chateias com umas que eu não vi, nem sequer sei quais são! - Muito irritada, já sem o levemente, começo a mexer na roupa que se encontra para passar.
-São essas, mãe, são essas. Podes passá-las?
- Aviso-te que é a última vez que te passo propositadamente um par de calças por capricho, ouviste bem? - apetecia-me ter-lhe gritado "ouvistes bem?", o "ouvistes" aqui tinha muito mais força.
Passei as calças dele a ferro e umas pretas, minhas. É que de todos os pares que eu tinha no amário, apetecia-me A-QUE-LAS.

Antes do Amanhecer ou Antes do Anoitecer?

Foi há muito tempo que um amigo me aconselhou ver o filme. Lembro-me de, na altura, tê-lo procurado e alugado no videoclube perto de casa, embora o filme, parece-me, não estivesse preparado para ser visto por mim.
Hoje dei com ele num canal de televisão e eis que personagens e intriga se deleitaram nas minhas mãos e, num ápice, se renderam ao culto da minha pessoa. Como tudo o que vi fez um eco tão profundo nos meus sentimentos e emoções, levantei-me do sofá e fui  procurar ver a sequela, que sabia existir.
Houve um processo de identificação tal com a personagem feminina que determinadas falas podiam muito bem ser minhas, além de ela ser também do signo Sagitário e ter 33 anos:
"Ultimamente os casais andam tão confusos... Deve ser porque os homens precisam sentir-se essenciais e já não se sentem. Há muito que têm na cabeça a necessidade de ser o sustento da casa. Eu sou uma mulher forte e independente na minha vida profissional. Não preciso de um homem que me sustente, mas continuo a precisar de um homem que me ame e que eu possa amar."
Os filmes?
Before Sunrise e Before Sunset.

vem passear com o meu telefone, querida

um casal passa por mim. primeiro para cima. minutos mais tarde, para baixo. ele, de telefone em punho, viceferava contra alguém que eu não via, mas adivinhava. ela seguia um pouco atrás, muda. atirada contra a multidão que passava, em correpio de fim de tarde. ele embrenhado no telefone e naquela presença que era trazida apenas pela linha telefónica. caminhavam os dois como se caminhassem lado a lado, embora não caminhassem lado a lado. ela não fazia parte da conversa, nem da existência, que acontecia entre o ser que era apenas voz e o marido? namorado?.
ainda que não seja estranho encontrar pessoas que falam ao telefone, ignorando aquelas com quem se encontram fisicamente; aquele casal causou-me uma impressão forte e precisa: deixando-me a pensar...

sexta-feira, novembro 06, 2009

Eu/ o silêncio/ a vida

A escrita não me tem acontecido e eu habituei-me a respeitar este silêncio que as palavras não ditas me trazem. Sento-me ao colo delas, num embalo de ternura, e aguardo que a vida passe, que o tempo chegue e que o silêncio grite tudo o que eu não posso mais ouvir: tenho tanta vontade de voltar à escrita, voltando a mim...

domingo, novembro 01, 2009

As coisas apagadas não voltam mais

Há coisas que só apagadas se resolvem. Há que saber usar a borracha de vez em quando. Sem medo. Sem culpa. Sem nada. Apagar para esquecer.

sábado, outubro 31, 2009

Há concertos que nos beijam

Não percebo porque demoramos tanto tempo a fazer determinadas coisas. Talvez, sem sabermos, estejamos apenas à espera do momento certo para fazê-las.
Ontem foi o dia certo para ver Rodrigo Leão ao vivo pela primeira vez. E que vez. E que primeira.
O Coliseu estava cheio. O palco também: sintetizador, acordeão, violino, viola de cordas, violoncelo, baixo e bateria. Por detrás deles, o sol. Pequeno, primeiro. Imenso, depois. Crescia com a música.
Não consigo reproduzir em texto as sensações que o concerto, desenrolando-se, acontecendo, fez nascer em mim: senti extâse. Senti compaixão. Senti tristeza. Amor. Felicidade. Dor. Melancolia. Saudade. Senti-me a mim, nua, exposta.
Nunca pensei ser possível cantar de forma irreprensível em português, em inglês, em francês, em castelhano. É possível. Ana Vieira fê-lo diante dos meus olhos que eram também os meus ouvidos. A minha boca era ouvidos. As minhas mãos em ouvidos se tornaram. O meu corpo, todo ele tímpanos a descoberto.
Apeteceu-me, variadíssimas vezes, voltar atrás com a "cena". Ouvir de novo aquele lamento de violino em crescendo. Apeteceu-me ter um comando e fazer pausa, rewind vezes sem conta, sem conta ou peso ou medida. Impedir o fim. Como quando assistimos a um filme que nos diz tanto que desejamos desesperadamente adiar o seu final.
Histórias, A Corda, Pássaros de Panjim, Viagem a Goa, This Light Holds So Many Colours, Sleepleess Heart, Vida Tão Estranha, Cathy, No Sè Nada, Ya Skaju Tebe. Outros. Muitos outros temas em festim de composição clássica, revestida de contemporaneidade futurista.
Brilhante, foi por isso que saí de lá a cintilar.

sexta-feira, outubro 30, 2009

O Relógio

Não ser nada. Não sentir nada. Transformar esta loucura que as vozes dizem ser minha em estilhaços de coisa nenhuma.


Acordar leve, livre, solta, sem este peso do mundo em mim. Sem este "finge que ama" a ser sombra dos meus passos, sombra dos meus passos. Passos. Sombra.


Achar normal o que não é normal. Amar amando. Chorar chorando. Gritar gritando. Desesperar desesperando.


Abrir valas e grutas na alma.


Plantar corações nas plantas dos pés. Esperar que os corações cresçam. Ser só coração. Ser só. Ser coração. Ser ser.











Vida tão só, vida tão estranha. Meu coração tão maltratado. Nem já chorar me traz consolo. Resta-me só o triste fado.


A gente vive na mentira. Já não dá conta do que sente. Antes sozinha toda a vida. Que ter um coração que mente.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Pride, mas sem qualquer espécie de Glory


Ontem fui ao cinema: fiquei sentada entre um Sol e um Conimbricense. O Sol sentia-se agastado com o dia; o Conimbricense não tinha tido tempo de tomar o seu 2.º banho diário. Eu estava em rota de colisão com o mundo. A escolha do filme, pelo que se descreve, não poderia ser baseada em critérios comuns: boa história, bons actores, filme inteligente, etc.; queríamos apenas garantir que não íamos adormecer durante a sessão - dois de nós conseguiram cumprir esse objectivo.

Apesar de termos todos vontade de ver The Soloist, optámos por Pride and Glory. O filme tem realização de Gavin O'Connor e é protagonizado por Edward Norton (suspiro suspirado), John Voight (suspiro aborrecido) e Colin Farrell (suspiro enjoado).

De forma muito rápida, explico o que há a explicar sobre o filme: transmite a moralidade sobre a importância da família e até onde estamos dispostos a ir para preservar a sua segurança, à semelhança do que já tinha feito Mystic River, ainda que, em Mystic River, a exploração do carácter das personagens e das suas histórias pessoais não tenha ficado pela rama; e aflora o tema da corrupção policial e as implicações que essa corrupção tem na estrutura familiar - aqui muito à semelhança de We Own The Night, mesmo que sem a força narrativa e a interpretação irrepreensível do Joaquin Phoenix.

Pride and Glory não tem nada para oferecer, a não ser uma amálgama de lugares-comuns aborrecidos, um John Voight (suspiro aborrecido) que não consegue convencer-nos de que a sua personagem encaixa na lógica da narrativa e um Colin Farrell (suspiro enjoado) que já não me surpreende pela fraqueza interpretativa que costuma emprestar aos seus personagens e, sobretudo, duas cenas de extrema violência, em que não foi possível ficar com o rabo quieto na cadeira. Minto: teve também a participação do Edward Norton (suspiro suspirado); o dormitar do Sol e a incapacidade para ficar quieto do Conimbricense - as cadeiras eram demasiado pequenas para Sua Majestade.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Rotinas: a fuga

Não sei o que se passa no mundo. Esta semana tenho-me sentido desligada de tudo. As rotinas instalam-se e, por vezes, é difícil escapar delas. Aguardo pela sexta-feira e pelas músicas de Rodrigo Leão. Aguardo pelo embalo gentil daquelas melodias claras e revigorantes, que contam histórias que me apraz ouvir. Aguardo pelo passeio matinal de sábado e pela visita aos meus avós, que aguardam, em silêncio, que eu os visite. Aguardo também pela minha primeira aula de surf, no domingo. E com estas coisinhas todas vou redesenhando uma semana que, não fossem elas, seria apenas uma semana, de tantas outras que já passaram por mim.

sexta-feira, outubro 23, 2009

Mais uma vez, COIMBRA

Estou prestes a iniciar outra viagem a Coimbra. Nunca me canso daquela cidade. Regressarei convicta de que Coimbra ficou diferente depois de mim e de eu fiquei diferente depois dela. Quero ler, passear pelas ruas e quero também ir ver a minha primeira ópera: La Traviata, de Verdi. Uma composição que se baseou no texto A Dama das Camélias, de Dumas. Não percebo nada de ópera, mas desconfio que não se deve morrer sem ter experimentado um bocadinho de tudo. Depois de hoje, poderei riscar a ópera da minha lista de coisas a fazer.

P.S. Há pouco, alguém me disse que estava a acabar de ler, entusiasmado, A Sombra do Vento, de Zafón. Senti-me como uma criança que encontra, na praia, uma pedrinha mais brilhante do que as outras e a guarda no balde como se esse fosse o seu tesouro mais precioso. É um tesouro precioso ter a possibilidade de acrescentar um pouco do que somos naquilo que os outros são, não é?

quarta-feira, outubro 21, 2009

Que Escritor É Este Que Nos Traz Novo Livro Com Um Título Que Não Acaba Nunca?


Estará bevemente disponível, nas livrarias, um novo livro do escritor Nobel sempre adiado, António Lobo Antunes (ALA em diante): Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?

A sessão de lançamento decorrerá no Teatro S. Luís, amanhã, pelas 18.30. Por ocasião deste lançamento, ALA concederá uma entrevista a Judite de Sousa, na RTP1, logo após a sessão ter lugar.

Hoje tive oportunidade de ouvi-lo, na Antena 2, a respeito deste seu novo trabalho.

Apesar de nunca ter lido nenhum livro do ALA, por opção pessoal, gosto de ouvi-lo falar sobre a sua actividade, mais do que não seja, por considerar que ele adopta uma atitude curiosa e intrigante sobre a sua profissão. Ao contrário do que muitos escritores defendem, como por exemplo Mia Couto, ALA afirma que não se interessa nada por contar histórias, tratando cada livro seu "do que vem lá dentro", disso e nada mais do que isso.

Na verdade, não existe nenhum curso que habilite seja quem for a escrever. A profissão de escritor acontece porque algum factor que se desconhece assim o determina.

ALA defende aquilo que Bach já defendia em relação à sua genialidade enquanto compositor, qualquer um pode fazer tão bem ou melhor do que ele próprio, desde que trabalhe. Ou seja, para ALA não há magia, intuição, inspiração que salvaguarde um escritor do empenho e do trabalho diário que a escrita exige. Para confirmar esta teoria, confessava que tinha estado, no dia anterior, oito horas para escrever apenas três páginas.

A dar razão a ALA, o que fazemos com o que conta Fernando Pessoa, na sua carta a Adolfo Casais Monteiro, sobre o aparecimento de Alberto Caeiro?


"Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro."



"Para escrever é preciso orgulho, paciência e solidão." Segundo ALA, estes serão os requisitos para fazer da escrita o lugar de onde se aprecia o mundo.

terça-feira, outubro 20, 2009

Febre que é o tempo que não se tem

Deixo-vos um excerto do livro que me ocupa por estes dias. Ryszard define a relação do homem europeu com o tempo para depois explicar em que dimensão essa relação é diferente em África. Tudo é diferente em África. TUDO.
As semelhanças entre o texto e a rotina dos nossos dias não é mero acaso, existe, é factual e, acredito eu, irreversível:
"O europeu está convencido de que o tempo tem uma existência exterior a ele próprio, uma existência objectiva e com uma natureza mensurável e linear. Para Newton o tempo era absoluto: «O tempo absoluto, real e matemático flui em si e na sua natureza uniformemente, sem relação com nada que lhe seja exterior...» O europeu vê-se a si próprio como um escravo do tempo, está dependente dele, é-lhe submisso. Para poder existir e funcionar tem de respeitar as suas leis férreas e imutáveis, as suas regras e princípios inflexíveis. Tem de respeitar prazos, datas, dias e horas. Move-se dentro da máquina do tempo, não pode existir fora dela. Esta máquina impõe-lhe as suas obrigações, exigências e normas. Entre o homem e o tempo paira um conflito irresolúvel, que termina sempre com a derrota do homem - o tempo destrói-o."

segunda-feira, outubro 19, 2009

gaveta

encontrei um papel perdido na minha mala, entre outros papéis. um papel quadrado, leve, de textura apapelada, de cor roxa, com umas letras e uns números inscritos: 5 (sábado) n.º 09778 Festa2009 Avante 4,5 e 6 Set., e em letras pequeninas, quase ilegíveis, Atalaia, Amora, Seixal.
Como um tumulto, memórias desaguaram em mim, assim fosse eu um rio:
sede. fontes sem água. pés em sobressalto de pó e areia. corneto de morango. magnum. cabeça ferida. sangue que escorre. água que lava sangue que escorre. mãos dadas contra a multidão. multidão em alegria, uma disforme outra conforme. cervejas. música ao longe. livros. manuel tiago. álvaro cunhal. alguns livros lusófonos. caras conhecidas: estás grávida? não, estou só gorda. embaraço. fome. nada para comer. mandioca de milho porque esgotou tudo o resto. bola depois. conversas empoeiradas à volta de uma mesa que abana. charutos. cigarros. cigarrilhas. gargalhadas. daniel com frio. daniel com casaco horrível comprado à pressa. fotografias de um dia feliz. mãos dadas contra o frio e a fome. música ao desbarato. clã. ela tem sotaque. não tem nada sotaque. ela diz as palavras mal: ouve. ela não diz palavras mal: ouve tu, com atenção. fim da festa. abraços aquecidos. carro num parque distante. conversas prolongadas pela rua fora. multidão que se despede. polícia que não entra. bêbedos que deambulam sem dar conta que deambulam. amor que nasce e que aquece o rosto dos que nele se vêem em espelho. quero voltar. quando houver a promessa de um dia igual.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Canção de embalar

Canta-me uma canção de embalar, amor.
Canta-me uma canção de embalar, amor, amor, amor.
Canta-me uma canção de finais felizes, de amores iluminados, de amantes e amadores e coisas amadas. Canta-me essa canção de embalar e embala-me na voz profunda que exalta em mim o perfume da vontade.
Canta-me uma canção de embalar, amor. Uma canção que impeça o longe de acontecer.
Canta-me uma canção de intenções e não deixes que as vozes da discórdia indiciem que não há amor, amor, nos teus gestos, no teu leito, onde eu gosto tanto de adormecer.
Menina, perdida, distante, mulher, preciso da tua canção de embalar...

quarta-feira, outubro 14, 2009

Escritaria

Depois de uma noite pouco dormida, nada como apanhar boleia destes raios de sol que ajudam o cerébro a espreguiçar as ideias que pairaram, revoltas, nos poucos lençóis que me confortaram, durante a noite.
Em dias como este, quando o sol me arrebata e acaricia suavemente, não me importo com os carros, aliás, nem deles me lembro.
Lembro-me de outras coisas, do sabor do iogurte com cereais desta manhã; das imagens da noite passada a entrar na minha consciência e eu a rejeitá-las, a dizer-lhes que as não quero, que as desprezo; lembro-me das leituras que fiz noite dentro, porque a noite teimou em não entrar em mim.
Há um novo livro de Saramago nas livrarias, Caim, e isso faz-me pensar que não deve haver ateu nenhum que se sirva tanto das imagens biblícas para fazer literatura. Ao mesmo tempo, penso que só um ateu pode usar essas imagens com o distanciamento exigido.
Em Penafiel decorre o Festival Escritaria, dedicado, este ano, a Saramago. Há literatura pelas ruas, nas pedras, nas paredes e nas lojas. Também nas lojas de lingerie se poderão ler as palavras do escritor. Até porque, diz ele, a nossa vida é toda ela ficção.
A minha não tenho eu a menor dúvida de que é. Como ficcional foi a noite de ontem que acabou por não se cumprir.

domingo, outubro 11, 2009

Aniversário

"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto."
Álvaro de Campos, in Poesias de Álvaro de Campos

Há um tempo em que do tempo nada queremos, nada exigimos, nada esperançamos. O tempo em que, meninos, só temos tempo para ser feliz.

Depois, vem o tempo em que do tempo tudo queremos, tudo exigimos e, esperançados, esperamos que a vida nos dê todo o tempo que tem. O tempo em que, crescidos, temos tempo para tudo, excepto para ser feliz.

Penso em ti menino. Cheio de tempo. E penso na poesia da Ana Paula Tavares:

"Cansada de voar pássaros

à boca do vento

a avó

cortou o pão e a mandioca."

Ana Paula Tavares, in Ex-votos

sexta-feira, outubro 09, 2009

Fall in the Winter

O tempo retoma, devagar, o seu lugar à mesa.
Agosto não volta mais, nem as memórias de um amor feliz.

Os sonhos são por estes dias devorados pela malícia do Outono.

Não há corpos nus pela casa.
Não há olhares retidos na retina dos meus olhos.
Não há desejos por cumprir. Nem cumpridos.

Só há esta certeza incómoda de que cada passo dado
me deixa mais próxima do definitivo adeus.

quinta-feira, outubro 08, 2009

Pai herói




O meu pai faz hoje 56 anos. Mas só é meu pai há 33. Não sei o que fez ele com o resto do tempo em que não era meu pai. Já para mim não há contagem de tempo possível sem que o meu pai seja meu pai.


O meu pai defende-me dos maus - porque ele é dos bons. Quando se zanga, as narinas dilatam-se-lhe, a testa e o olhar contraem-se e os punhos cerram-se sobre si próprios - ele fica a parecer mau, mas não é, é bom.


O meu pai levava-me à escola de carro. A mim e aos meus colegas e eu ficava contente, porque os carros dele faziam sempre barulhos de carros rápidos. E os meus colegas também gostavam de andar nos carros rápidos do meu pai. Hoje eu sei que não eram os carros que eram rápidos, ele é que era.


O meu pai nunca me leu histórias. Mas contava-me as dele. Conheci o Alentejo, a praia do Dafundo, os combóios, o gosto das azeitonas antes de tudo.


O meu pai era muito pequenino quando começou a trabalhar. Aos oito anos, já fazia recados num talho. Às vezes, o meu pai fazia-me festinhas e lembro-me de, nessas alturas, sentir-me a filha mais feliz do mundo. A primeira vez que o vi chorar foi quando morreu a minha avó Maria. Ele chorava tanto, tanto e eu queria tanto, tanto dizer-lhe: "Pai, não chores que eu estou aqui". Mas não disse e chorei também.


Depois disto, o meu pai nunca mais foi feliz como era. E vê-lo chorar tornou-se frequente. Eu sei que a maior prenda que lhe podia dar era oferecer-lhe o colo da minha avó só por mais uma vez. Só por um bocadinho. Mas não posso, pai. Não posso.


O meu pai jogava futebol. E antes do futebol, praticou natação. Ele foi convidado a integrar a equipa do Benfica, mas a minha avó não o deixou ir - além do meu pai ter de trabalhar, ela não suportava a ideia de ficar sem ele mais do que uns dias. O meu pai não foi.


Há uma coisa que eu nunca lhe disse, e que acho que ele nunca desconfiou: o Rodrigo, pai, tornou-se nadador porque tu não pudeste. E ele nada por ti o que tu não nadaste. As vitórias do Rodrigo na água, pai, serão as tuas vitórias.



O meu pai faz hoje 56 anos e eu não me lembro de mim sem me lembrar dele primeiro.



quarta-feira, outubro 07, 2009

Quero querer o que quero

Quero ir a Évora, à Fundação Eugénio de Almeida, ver a exposição de Mário Cesariny. Quero ir ao Espaço Lisboa, assistir ao lançamento do mais recente livro de Luandino Vieira, O Livro dos Guerrilheiros. Quero ir ao Porto ver a encenação do texto O Marinheiro, de Fernando Pessoa, pelo Teatro Plástico. Quero ir à Casa das Histórias, em Cascais, embrenhar-me nos desenhos-que-são-também-pinturas de Paula Rego. Quero ir ver alguns filmes, como Parlez-moi de la Pluie, no Cinema São Jorge, no âmbito do 10.º Festival de Cinema Francês. Quero chegar a casa e deitar-me na minha cama sem pensar em coisa alguma. Quero ler tudo o que houver sobre o massacre no Ruanda. Quero crescer e deixar que os outros cresçam. E quero ser generosa até à medula para ensinar aos ignorantes que saber receber é tão ou mais importante do que saber dar. Quero querer tudo isto que quero, como quero...

terça-feira, outubro 06, 2009

Onde há fumo, há fogo?


Se o Jorge Mourinha - quem não conhece, é um dos críticos de cinema do Público - avaliar um filme com duas míseras estrelas (duas estrelas correspondem a "Razoável") - e quem diz o Jorge Mourinha diz o Vasco Câmara, o Luís M. Oliveira ou o Mário J. Torres - então é aconselhável uma ida ao cinema.

Não gosto de menosprezar o trabalho dos outros, e sei perfeitamente que a crítica é uma actividade difícil e delicada, quando realizada em consciência. Ainda assim, não posso deixar de manifestar a minha incredulidade perante juízos críticos que reduzem determinados filmes à medíocre medianidade.

Veja-se o caso de Longe da Terra Queimada, de Guillermo Arriaga, o fabuloso argumentista de Babel e 21 Gramas; Jorge Mourinha classifica o filme como "Razoável". Uma classificação absurda que se constata nos primeiros minutos do filme.

Alguém explica aos senhores críticos que os filmes não têm de ser exercícios de abstracção poética ou de masturbação intelectualizante para merecer classificações superiores à que estão normalmente dispostos a dar?

O filme traz-nos uma Charlize Theron gélida, que se alimenta do sexo que vampiriza a clientes do restaurante onde trabalha; uma Kim Basinger, mãe de família, que não desiste de sentir-se desejada (o plano que Arriaga faz das mãos da actriz não deixa margem para dúvidas, Kim Basinger envelheceu), um Joaquim de Almeida apaixonado por uma mulher que não é a sua; planos temporais distintos mas que interagem na perfeição (interacção muito bem conseguida numa das cenas finais, quando todas as personagens estão a entrar para o carro); uma história de amores e desamores, principalmente o desamor que algumas personagens sentem de si próprias; e a renovação da vida, da culpa, mas também da esperança pelo fogo.

Concordo que o filme não esteja ao nível de Babel, muito menos de 21 Gramas; a resolução do enigma narrativo é relativamente óbvia e a interpretação de Charlize Theron está muito colada à de Nicole Kidman em The Human Stain, um filme de Robert Benton, do ano 2003. Todavia, parece-me que "Razoável" não coloca o filme ao nível que ele merece.




terça-feira, setembro 29, 2009

Quanto tempo demora percorrer a A5 num dia de semana?

Demora o noticiário das 8 da TSF; dois telefonemas, um para a mãe e outro para a irmã, pelo meio ainda há tempo para falar com o sobrinho que pede com voz de mimo:
- Tia, hoje quero que sejas tu a ir buscar-me à escola.
Demora um "a tia vai sair mais cedo para te ir buscar" - dito quase sem pensar, impulsionada apenas pelo amor que aquela voz oferece logo pela manhã.
Demora umas boas gargalhadas porque ainda há gente que não consegue encontrar o Curry Cabral, em Lisboa. Apesar de ter acordado às 6 da manhã com essa intenção e de ir munido com os mapas do Google.
Demora um iogurte Danone de stracciatella.
Demora quatro músicas cantadas pelo Michael Bublé:
Quando, Quando
Home
Save The Last Dance For Me
I've Got You Under My Skin
Demora duas da Adriana Calcanhoto:
Cantada (Depois de Ter Você)
Pelos Ares
Demora pensamentos mil, a mil, por mil: os Abraços Desfeitos, do Almodóvar; os namoros que começam e terminam e que começam e que terminam e que começam e que terminam; os amigos que desapontam e que são desapontados; as mensagens que ficam por responder; o trabalho que me aguarda com uma fidelidade assustadora.
E demora a Antena 2 e o novo órgão do Mosteiro dos Jerónimos.
Afinal, demora tão pouco percorrer a A5 num dia de semana.

Sexo ou Amor?

"O segredo da felicidade, ou, pelo menos, da tranquilidade, é saber separar o sexo do amor. E, se for possível, eliminar o amor romântico da nossa vida, que é o que faz sofrer. Assim vive-se mais sossegado e goza-se mais, garanto-te." In As Travessuras da Menina Má, Mario Vargas Llosa
Nunca como agora me foi tão fácil acreditar em tal filosofia relacional.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Morrer em África


Fico sempre espantada com a quantidade de ignorância que há em mim. Os dias que ainda me restam não serão suficientes para eu aprender tudo o que gostaria. É por isso que me é tão difícil imaginar uma vida sem livros ou sem filmes.

Este domingo vi Shoting Dogs, um filme que descreve o genocídio ocorrido no Ruanda entre Abril e Junho de 1994. Na altura, enquanto 800 mil ruandeses (tutsis) sucumbiam aos golpes ferocíssimos das catanas de outros tantos ruandeses (hutus), discutia-se no ocidente a semântica dos acontecimentos:

- Quantos mortos têm de existir para podermos considerar que estamos perante um genocídio?

- É possível falar-se em genocídio se os mortos forem, na sua maioria, pretos?

No filme, uma das personagens, uma repórter da BBC, descreve ao professor de inglês, a viver a sua primeira experiência de "guerra", a sua passagem pela Bósnia:

- Na Bósnia chorava todos os dias. Cada mulher morta que via, pensava que podia ser minha mãe. Mas não aqui. Aqui são só africanos mortos.

A ONU estava no território, em observação, o que tecnicamente os impediu de travar que 2500 refugiados tutsis, que se abrigaram nas imediações da Escola Técnica Oficial de Kigali, fossem brutalmente assassinados. Só puderam intervir na morte dos cães que se alimentavam dos cadáveres espalhados pelas ruas, porque punham em risco a saúde pública.
Para completar este círculo que inicei ao acaso terei de ver Hotel Rwanda, para que a minha ignorância me pese um pouco menos nos meus bolsos de branca.


sexta-feira, setembro 25, 2009

Ser feliz é...

Ao falar no messenger com uma amiga minha, entre outras trivialidades, ela fez-me a pergunta que eu já advinhava:
- Como estás? Apaixonada? Feliz?
Respondi-lhe às perguntas que me colocou e, na volta, interessei-me também pelo estado em que se encontrava ela. Depois de me fazer um relato doloroso de mais um desaire amoroso, disse-me qualquer coisa como o que vou reproduzir em seguida (ainda que não tenham sido estas as palavras foi este o seu sentido):
- Mas hoje é sexta e amanhã vai estar um dia cheio de sol e vai dar para ir à praia. Bola para a frente e tenho mais é de estar preparada para a próxima.
Como não podia deixar de ser, reagi contra esta atitude deslavada e inconsistente.
Há uma predisposição inacreditável das pessoas para ignorar a tristeza e a dor. Por que raio não pode sentir-se uma pessoa triste? Por que razão há a vontade imediata de atalhar caminho e "partir" para outra sem se ter tido tempo sequer de raciocionar sobre o que correu mal e até sobre o que correu bem?
A tristeza é a peste negra da modernidade. Ainda que para mim a felicidade seja o sentimento dos ignorantes e a maior mentira contada à humanidade desde a invenção de Deus:
Ela Canta Pobre Ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama o meu coração
A tua incerteza voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Fernando Pessoa

sexta-feira, setembro 18, 2009

Casa das ESTÓRIAS


Na entrevista que concedeu hoje à Antena 2, no âmbito da inauguração da casa-museu, Casa das Histórias, dedicada à sua já vasta obra, Paula Rego respondeu da seguinte forma à pergunta que lhe fizeram sobre como iniciou o seu percurso enquanto artista:


- Nunca sabemos quando começam essas coisas. Começamos a fazer bonecos e nunca mais paramos.




As explicações simples são ou não são suficientes?

Paula Rego, A Filha do Polícia, 1987

quinta-feira, setembro 17, 2009

simples, como eu gosto

sou simples no meu jeito desajeitado de ser. sou simples porque gosto de coisas simples: um gelado comido no verão; um pôr-do-sol vislumbrado entre amigos; de dançar a dança que me nasce dos pés; de rir devagar, depressa, sozinha, com os outros; de passear de mão dada sem me interessar pelo mundo que existe para lá dessas mãos entrelaçadas em segredos; de abraçar e ser abraçada; de um "és bonita" ou "estás bonita"; de um "gosto de ti" infantil e tosco; de cantar, ainda que mal, as músicas de que tanto gosto de ouvir; de fingir que não me importa quando tudo o que me importa é o importar que tenho com os outros e que os outros têm comigo; de cuspir no ar as pastilhas cansadas da minha boca; de entrelaçar fios de cabelos nos meus dedos, quando me sinto nervosa ou triste ou chateada; de roer-me por dentro para evitar o amor porque com ele vem também a saudade, o medo, a insegurança e a patetice.

Sou desajeitada no meu jeito simples de ser. não consigo associar a direita e a esquerda à direita e à esquerda; sou incapaz de guardar segredos se não me avisarem que o que acabaram de me contar é, efectivamente, um segredo; escrevo sms, tomo o pequeno-almoço, leio, canto no trânsito sem me importar que estou no trânsito; tenho um relógio próprio que comanda desastrosamente a minha vida: tempo total para o amor, total para a amizade, total para o trabalho, total para a diversão, total para a seriedade, o que resulta na minha total falta de tempo para o essencial: ter comida em casa, caso me dê a fome; ter roupa lavada, caso precise de me vestir. chego SEMPRE atrasada a todo o lado, combino saídas para a mesma hora e para o mesmo dia com 3 pessoas diferentes e insisto que vou, que estarei lá, quando sei que não. e durmo de boca aberta, também adormeço com facilidade, é só deitar a minha cabeça entre duas almofadas. detesto iogurtes de pedaços, leite, queijo misturado em comida, pinhões, nozes, amêndoas. admito os cogumelos, mas faço cara feia ao bacalhau, ao polvo e às caracoletas.
mas sou simples no meu jeito desengonçado de ser.

terça-feira, setembro 15, 2009

A escolha que não é

Sabia de tudo antes de tudo; ainda assim, não se resignou à evidência que era clara e transparente, como o rio que a espreitava vezes sem conta, com profundidade aparente de rio porque rio, porque mar, porque água.
As nossas escolhas raramente são inocentes. Mesmo as escolhas que fazem por nós.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Gato Fedorento de água Benta tem medo

Que pena que os Gato Fedorento tenham no seu programa de estreia entrevistado Sócrates. Por duas razões, primeira, o Ricardo Araújo Pereira encontrava-se excessivamente nervoso - o que é legítimo - impedindo-o de estar no seu melhor; segunda, porque Sócrates não consegue ser mais do que sério. Até quando brinca, Sócrates é sério. Além disso, não podemos ignorar que estamos em campanha para as legislativas e sério como Sócrates é, não ia desperdiçar tempo de antena a ser ele próprio.
O Daily Show, com o Jon Stewart, pode ser um bom ponto de partida para um programa em Portugal; desde que os Gato percebam que os políticos portugueses não são os americanos e que será difícil descascá-los da armadura de seriedade e cinzentismo de que fazem estilo. Talvez Portas possa vir a ser o melhor dos entrevistados, porque tem sentido de humor e menos responsabilidades na luta armada que se avizinha.
Julgo que o momento mais descontraído do programa e, consequentemente, aquele que teve mais graça, foi quando interveio o José Diogo Quintela com as suas nano-mini-micro-empresas.

domingo, setembro 13, 2009

Prelúdio de uma despedida em violino

Violino. Piano. Saxofone. A ter de escolher, estes seriam os sons da minha banda sonora pessoal.
Detesto despedidas. Se posso, antecipo-me a elas e finto-as na curva. Antes da dita hora, já eu me despedi. Disse o adeus embargado na voz, filtrei a saudade que o tempo acentua e aprisionei memórias a que recorro em momentos específicos. As lágrimas que ficam após, a acariciar-me o rosto, são o apaziguamento da dor que veio antes, muito antes.
Oiço o violino e procuro entender o que diz. Com o piano já não é assim: desinteressam-me as mensagens que ele fala. Ao saxofone sou eu que tenho vontade de lhe dizer coisas, e mais vontade ainda tenho que ele as oiça e as entenda.

As despedidas, mesmo as pequenas, são indeterminadas. É impossível saber se a pessoa a quem dissemos adeus será a pessoa que reencontraremos no regresso. Seremos nós próprios os mesmos? Acredito que não.

Disto estou eu certa, quem desejamos reencontrar não é a pessoa que veio, mas tão só a que foi.

O som do violino. O som do piano. O som do saxofone.

Com sorte, ainda encontrarás um cabelo meu perdido no teu corpo. Se assim for, solta-o ao vento e deixa que todos os violinos do mundo te digam quem eu sou, deixa que todos os pianos se desinteressem por quem tu és e deixa, ó por favor, deixa que todos os saxofones te digam, como se a sua voz fosse a minha, mesmo não sendo, mas como se: bom-dia...

quinta-feira, setembro 10, 2009

Manifesto a favor do truca-truca

Tinha eu 7 anos e já na Assembleia da República uma mulher desancava num deputado pela imbecilidade dele defender a ideia de que o sexo seria apenas para procriar. Estávamos em 1982 e Natália Correia não deixava para depois o que podia dizer hoje:

"Já que o coito, diz o Morgado,
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca,
sendo só pai de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração - uma vez.
E se a função faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado."

Natália Correia

Como é que uma candidata a primeira-ministra, 27 anos depois, pode ainda defender a ideia de que o sexo é para procriar e de que o casamento é a instituição dos heterossexuais?!

segunda-feira, setembro 07, 2009

Sleep-walkers

Sou sonâmbula. Há noites em que deambulo pelos meus sonhos, deambulando por minha casa.
Ontem retirei meticulosamente da jarra que está ao lado da minha cama, entre vários livros, umas flores secas avulsas que tenho há muito. Gostava de perceber por que fiz isso, qual o meu objectivo. Lembro-me apenas de acordar com uma dessas flores na mão e de procurar reconhecer o lugar onde me encontrava. Uma frecha de luz, vinda de outro quarto, resolveu a minha desorientação momentânea. As flores ficaram lá, caídas no chão do quarto...
Há alturas em que fico desorientada e não necessariamente quando estou a dormir. Por mais experiência que tenha coleccionado na relação com o mundo, há alturas em que me sinto uma criança com medo do escuro e dos monstros e de tudo o que não consigo explicar. E há tanta coisa que não posso explicar, nem a mim mesma. E por isso fico com estas perguntas todas por perguntar, e esta vida toda por viver, e este medo todo por enganar. E a quem quero eu enganar, no fim de contas?
O que não posso é ser sonâmbula e viver a dormir o sonho acordado da vida...

sábado, setembro 05, 2009

Manela 0 - TVI 1

Quando soube que José Eduardo Moniz ia deixar de ser director-geral da TVI, lembro-me de ter pensado imediatamente "sais tu agora, a Manuela sairá daqui a nada". E se me acho muito espertinha por ter pensado isto mesmo antes do "escândalo" suscitado pelo fim do cretino Jornal Nacional? Absolutamente. Aquele meu pensamento indica apenas que sou apartidária, apolítica e que, por isso, a minha análise resulta dos factos.
Um telejornal que tem uma apresentadora que não se coíbe de galvanizar as suas opções e de insurgir-se contra os que as têm diferentes; um telejornal que abre noticiários com acontecimentos relativos a programas de televisão como o Big Brother ou que participa em campanhas de assassinato político, não me parece um telejornal que salvaguarde a democracia, muito menos a liberdade de imprensa: "A liberdade não é eu poder dizer o que penso mas deixar os outros pensar diferente de mim".
Só os que se deixam manipular pelo que ouvem dizer é que podem pensar que por detrás do fim do Jornal Nacional está uma urdidura escabrosa do governo e, principalmente, de José Sócrates e não uma coisa mais simples como: "ó pá, o teu marido foi-se e com ele as costas que te aqueciam um lugar que não merecias por incompetência crónica"!

quarta-feira, setembro 02, 2009

Os meus lábios cor de azeitona lima II

28 de Agosto foi o dia em que escrevi a primeira parte deste texto. Hoje é dia 2 de Setembro e continuo com o raio dos lábios inchados?! Chiça, não mereço isto! Além de que com estes lábios não posso, nem se EU quisesse, sentir-me uma gaja, vá, minimamente capaz de ser fruto de algum desejo, nem que fosse conceptual.

A Margarida é uma Vénus confundida

Sou mulher. A dimensão que se inaugura sempre que constato tal realidade é imensa. Gosto de metade dessa dimensão, dispensaria a outra metade. Por exemplo, detesto as horas que gasto a depilar-me, independentemente da sensação de conforto que me traz durante os dias seguintes; detesto a história do mete tampão, tira tampão que a menstruação obriga - é cliché? acham? isso é porque nunca experimentaram a dança, deviam experimentar, ai pois deviam!; e gostaria de ser mais imatura que a maior parte dos homens que conheço para que o encantamento em relação a eles se prolongasse um pouco mais no tempo.


Há outra coisa que eu detesto, e que dispensaria no imediato, as crónicas da Margarida Rebelo Pinto no Sol, principalmente aquelas em que fala de banalidades, que são quase todas. Então a senhora escreve uma crónica à qual dá o nome de Marte e Vénus (uhhhh, que original) onde discorre sobre a inevitável objectualização da mulher pelo homem (leiam aqui) e, imaginem, de todas as fotos que aparecem dos cronistas do Sol, a Margarida é a única que tem direito a uma de corpo inteiro (vejam aqui), de perna cruzada e com olhar sensual. O que me provoca uma dúvida: ó Margarida, serão só os homens que fazem da mulher um objecto sexual vendável e apetecível?



P.S. Fiquei com outra dúvida, mas esta é mais banal, queria perguntar à Margarida qual o significado, naquele contexto, de gadjets.

terça-feira, setembro 01, 2009

200

Este é o meu ducentésimo texto e se isso for importante para alguém ou para alguma coisa, diria apenas que é importante para mim na medida em que este espaço nasceu de uma vontade muito própria de haver um lugar que, no limite, existisse apenas para meu comprazimento pessoal. Claro que dizer isto assim soa bem, mas não é totalmente sincero ou honesto. Ninguém que escreva, muito menos num blogue, escreve para si próprio ou para seu exclusivo comprazimento. Se o que se escreve não for lido, qual o objectivo da existência dessa escrita?
O Homem tem ânsia da comunicação e eu não sou diferente. Também a mim me apetece, ainda que dentro de uma lógica própria, e até egocêntrica, comunicar com o mundo o que sinto, penso e sou.
Se o mundo fica diferente sabendo o que sinto, penso ou sou? Não. Mas não é por isso que deixarei de escrever. Escrever serve-me, fica-me bem, ainda que 200 textos não sejam nada. Numa vida que parece ter já 200 anos.

segunda-feira, agosto 31, 2009

Pelos caminhos de Portugal

Em Braga as igrejas estão cheias ao sábado à tarde. Apesar do cheiro a mofo.
Em Braga faz-se amigos que falam de política e que constroem futuros com calos nas mãos - coisa rara e admirável. Em Braga vive Helena, a que cativou Menelau e Páris com a sua beleza sedutora e incediou guerras no tempo do antigamente: tem os mesmos cabelos de oiro e o mesmo sorriso encantatório.
Em Braga as portas das casas abrem-se para deixar entrar toda a gente e toda a gente se sente em casa na casa dos que vivem em Braga.
Em Braga almoça-se e lancha-se e janta-se com os amigos do amigo em mesas intermináveis. E quando se acaba de almoçar já está na hora de lanchar e quando se acaba de lanchar já está na hora de jantar. E é bom. Porque as casas não são fortalezas erguidas contra os outros e as televisões não roubam nem tempo de conversa, nem tempo de discussão, nem tempo de amizade.
Lisboa não é Portugal. Nem podia, se assim o quisesse...

sexta-feira, agosto 28, 2009

Os meus lábios cor de azeitona lima

A minha devoção às azeitonas nunca me trouxe nada de muito bom, excepto aqueles minutinhos iniciais de prazer e deleite que duram normalmente até à manhã seguinte em que me aparece uma, ou várias aftas na boca.

Por que não desisto eu de comê-las? Eu penso nisso de cada vez que acordo com a boca disforme e de cada vez que a minha alimentação se torna num exercício de dor. Mas não dura muito. É só deparar-me com aquelas coisas redondinhas, a cheirar a oliveiras, que os meus olhos se perdem em desejo.

Hoje acordei com os lábios da Angelina Jolie. E não fosse a dor que sinto, era uma mulher feliz!


quarta-feira, agosto 26, 2009

Cartazes para todos os gostos

É sempre assim. A poluição visual em épocas de eleições afecta-nos mais do que a outra poluição, a recorrente, pela qual até já sentimos um certo carinho.

Os partidos investem sempre muito na proliferação de slogans eleitoralistas associados às fotografias dos candidatos.

Este ano, porém, não pude deixar de reparar que os outdoors são ligeiramente diferentes e não sei se me agradam. Por exemplo, o Paulo Portas que está ao lado do Mercado da Ribeira - sendo um mercado faz sentido a sua presença - revela claramente que o canditato tem um problema na vista ou isso ou aquele olho semicerrado tem subjacente a si uma qualquer estratégia de marketing, sendo, na verdade, um piscar de olhos malconseguido aos eleitores que ele tanto quer conquistar.

Sobre os do PSD nem vou manifestar-me, aliás, já houve manifestações suficientes sobre o rosto da Ferreira Leite estampada em cartazes que são, antes de tudo, um perigo para a circulação rodoviária.

Depois há os cartazes da candidatura do Isaltino Morais - esse grande senhor - à Câmara de Oeiras. O seu rosto não aparece em nenhum deles, sendo substituído ou por frases emblemáticas ou por rostos de pessoas de ar simpático. Não percebo a razão por detrás desta opção. Não pode estar relacionada com o facto do autarca ter sido condenado a sete anos de prisão efectiva, por favor, ninguém em Oeiras quer saber disso para nada!

O Jerónimo de Sousa aparece sem óculos no cartaz do PC. Fica giro sem óculos. As pessoas que usam óculos não podem aparecer em cartazes de campanhas eleitorais. Porquê? É que ficam menos giras. E para ganhar votos ao PSD há que ser mais giro do que a Ferreira Leite. Difícil, tarefa difícil!

O PS tinha uns cartazes todos catitas com o primeiro-ministro mais sexy do mundo, só que deixei de os ver. Inveja é o que é!


P.S. Não posso deixar de falar igualmente num dos cartazes do partido bloquista. Então não é que estes camaradas fazem publicidade aos outros candidatos?! Estão lá, e em versão repetida (para não haver qualquer dúvida) o Sócrates, a Manuela Ferreira Leite e o Santana. Ó pá, aceitem este conselho: experimentem colocar no cartaz a Joana Amaral Dias em biquíni e vão ver como os votos serão mais do que muitos. Com a vantagem de nem precisarem pagar a nenhuma agência para criar um slogan eficaz!


A emancipação não tem graça nenhuma

Não tenho jeito para coisa nenhuma. Mas especializei-me em ser mãe. Agora, sem filho, como posso eu aplicar toda a sabedoria adquirida em mestrados, doutoramentos e cátedras?!

segunda-feira, agosto 24, 2009

As canções na minha VIDA

Gosto de música e gosto de associá-la a momentos.
Nestes últimos dias, é esta que não sai da minha cabeça:
Cantada (Depois de ter você)
Depois de ter você,
pra quê querer saber que horas são?
Se é noite ou faz calor,
se estamos no verão,
se o sol virá ou não,
ou pra quê é que serve uma canção como essa?

Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas,
pra quê amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas?
Depois de ter você...

sexta-feira, agosto 21, 2009

Quando for grande...

foi depois de tudo. dos caracóis devorados entre conversas próprias - todas as famílias têm uma língua natural, imperceptível para os outros, os de fora - da carne que o meu avô escolheu e não quis comer. do leite creme com açúcar queimado que a minha avó substituiu pela gelatina com natas - que ela adora, mas que não havia - dos sms que a minha irmã trocou com gente que acabou, afinal, por nos acompanhar ao jantar.


foi só depois disto, quando o carro parou em frente ao prédio branco do bairro 1.º de Maio - decorei o nome do bairro assim que aprendi a ler, uma vez que, a tinta preta, estava escrito na parede do lado direito, em cima: 1.º de Maio, bloco D, n.º 8 - e depois da anedota do cigano que nunca foi contada, por que não era preciso, só de falar nela dava-nos vontade de rir; foi quando ficámos, eu e a minha irmã, sozinhas no carro e voltámos o pescoço para a porta do prédio, para acenar ao meu avô e avó, até que tivémos de usar o espelho retrovisor para vê-los, foi aí que reparámos: a atravessar a rua, o meu avô e a minha avó, casados há 51 anos apesar das mentiras, do sangue da minha mãe jorrado nas sebentas da escola, das socas atiradas contra a sua cabeça de filha-menina, das bebedeiras intermináveis, dos filhos da puta e caralhos e vão-se foder gritados contra tudo e contra todos os que ousassem respirar, atravessaram a rua de mão dada...

quinta-feira, agosto 20, 2009

Talk to the HAND


Sentir a sua mão no rosto devolvia-lhe a sensação de redenção absoluta. A pele do corpo virava galinha, num repente brusco e disparatado. Nem o bater do coração escapava, por acelarar-se em batidas descompassadas e persistentes. Ela não queria pensar muito no assunto. Pensar estraga, dizia para si própria, como se o dissesse aos ouvidos das amigas, no recreio da escola preparatória.

Aquelas mãos, ela sabia, não eram como outras que sentira no mesmo rosto e na mesma pele. Aquelas eram AS mãos. Mãos que demoravam horas a encenar os contornos específicos do seu rosto de mulher. Mãos que dispensam olhos, e até boca. Mãos que afagam, que apertam. Mãos que amam. Mãos que são MUITO em TUDO.

Voltados um para o outro, alheavam-se da vida que continuava além deles: o camião do lixo, os vizinhos a entrar e a sair, o relógio do tempo a tiquetaquear.

- Sandra - Foi a última coisa que ela ouviu, dita num murmúrio dolente, quente, húmido.

Afastou-o de si, olhando-o nos olhos:

«Depois de mim, depois das outras mulheres, é o meu nome que dirás, e nenhum outro.»


terça-feira, agosto 18, 2009

Mangueirais

É exactamente como se tivesse comido mangas: os fios podem não ser visíveis a olho nu, mas estão lá entrelaçados nos dentes e a provocar aquela sensação de desconforto. A verdade é que gosto de mangas, mas ainda não aprendi a comê-las de forma a não ficar com restos de fios entre os dentes...


segunda-feira, agosto 17, 2009

Castelo de Vide/ Marvão/ Sr.ª da Penha (não da Graça)

O silêncio das ruas permite ouvir o tamanho do calor que fica suspenso no ar da manhã. Poucos são os passos que se cruzam com os meus, poucos ou nenhuns. Há, de tempos a tempos, uns passos velhos e agastados, que arrastam idade e cansaço, assim como sacos de plástico pela mão. Também há ruas e ruelas estreitinhas, onde é possível esticar os braços e chegar num instante à janela da vizinha que nos empresta um pouco de poejo para temperar a comida. A antiguidade esconsa delimita geometrias de traçado antigo. Não há excesso. Também não há pouquidão.
Com passinhos em volta, atinge-se o paraíso, se ele houvesse, que eu sei que não há. Lá no alto, o céu é mais nosso e o horizonte não cabe apenas no olhar. É maior. Muito maior.
Tem uma cadeira de desejos. Uma cadeira que não é uma cadeira, é uma pedra esculpida na montanha a fazer de cadeira. Diz-se que no tempo em que os homens iam à tropa, as mães vinham sentar-se ali para pedir à santa que não lhes levasse os filhos. A santa não levava.
Também estive sentada naquela cadeira e pedi o meu desejo. Só que foi um de fingir, o desejo maior guardei-o em segredo, que é onde os desejos devem guardar-se...

O amor...

"O amor não é um bem: Quem ama sempre padece."


Mário de Sá-Carneiro

quinta-feira, agosto 13, 2009

Ele e ela

(ela) - Tenho tanto medo.
(ele) - (sorrindo) O medo só te faz morrer por dentro.
(ela) - Não. Faz-me viver nas dobras do que sou.
(ele) - Então... ter medo pode ser bom?
(ela) - Em alguns casos, sim.
(ele) - Não percebo!
(ela) - (sorrindo) Eu tão pouco!

quarta-feira, agosto 12, 2009

The slag of my father

Caramba... sou uma gaja simples e à pergunta o que mais desejavas na vida, neste preciso momento, teria apenas e só esta resposta: receber do meu pai uma demonstração de confiança absoluta, que não fosse nem subtil, nem transversal. Uma confiança, confiança...

terça-feira, agosto 11, 2009

Hoje é o dia?

"Um dia beijo-te a meio de uma frase"



Não bebo café. Não tenho esse hábito. Não gosto do sabor. Só do odor que dele emana. É por isso que me dá prazer preparar café para oferecer às visitas lá de casa, numa cafeteira antiga que faz um café de merda, diga-se de passagem, mas permite que o cheiro permaneça por algum tempo nas minhas narinas. É verdade que a Nespresso, pelo que dizem, faz cafés deliciosos, mas não devolve ao ar o cheiro que tanto aprecio. Com a devoção que existe por estas máquinas hiper-mega-eficientes, tipo Nespresso ou Bimbi, impedimos, sem nos apercebermos, da possibilidade de activar memórias adormecidas pela acção do cheiro.

Por exemplo, o cheiro do arroz de cabidela leva-me de imediato para uma tarde de calor insuportável, para o quintal da minha bisavó, no Minho, e para vozes de tias e avó, acotovelando-se para se fazerem ouvir, misturadas com o som do pingar constante de patos mortos e depenados, de cabeça para baixo, dispostos em alguidares multicolores. Até hoje não suporto arroz de cabidela. Tenho o cheiro do sangue dos patos entranhado na memória.

Com o cheiro do café acontece-me pensar em hálitos quentes e dentes amarelo-acastanhados, sorridentes de chávena na mão, entregues àquele ritual silencioso de pega-na-chávena-com-a-ponta-dos-dedos-e-leva-a-aos-lábios. Fixo-me nos olhos e há muitos a espreitarem-me por entre as chávenas.

Não bebendo café, há uma série de outras coisas que não faço. Como sair de casa, aflita, para ir ao café da esquina, por exemplo. Não indo ao café da esquina, a verdade é que fico sem conhecer muitos dos meus vizinhos que frequentam aquelas paragens. E também não sou surpreendida com frases Nicola. A não ser que algum devorador de café, por simpatia, me estenda um pacote de açúcar onde está dito: "Um dia beijo-te a meio de uma frase" e me deixe pendurada de lábios esticados ansiando por esse beijo atrapalhador de frases...