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quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Os patrões dos pretos eram os patrões dos brancos

Vi há pouco tempo As Serviçais, um dos filmes candidatos ao prémio dourado de 2012.
A história revela a ousadia e determinação de (sobretudo) duas empregadas domésticas que decidem detalhar pormenores do seu quotidiano nas casas dos patrões.
Importa dizer que o tempo da história é a década de 60 e o espaço físico, o Mississipi. Está bem de ver que as empregadas (Aibileen e Minny, Viola Davis e Octavia Spencer, respectivamente) são pretas, já os patrões são, inevitavelmente, os brancos inúteis que levaram décadas a perceber que a cor da pele não é motivo suficiente para discriminar e segregar.
Não me parece que este tipo de "lições" façam ainda hoje sentido. A discriminação e a segregação não acontecem nem unica nem exclusivamente por razões de pele. São, isso sim, intrínsecas ao ser humano. Por mais monstruoso que pareça não gostar de alguém porque é do Benfica ou porque não veste roupas de marca.
O filme fez-me recordar a vida da minha própria avó que, aos 16 anos, veio servir na casa de grandes senhores.
A minha avó é branca. Os patrões eram brancos. O espaço físico era Lisboa e o tempo da história, os belos anos 50. Ainda assim, a minha avó não tinha vida própria. Não satisfazia as suas necessidades básicas nos mesmos lugares dos patrões. Não era acarinhada. Não tinha nome. Nem idade. Nem nada.
A minha avó perdeu a virgindade num vão de escada de uma casa senhorial, onde o meu avô a visitava às escondidas.
Não me surpreende que os americanos vertam lágrimas ao ver o filme de Tate Taylor, será, a meu ver, uma forma de carpir o passado.
A estrela do filme, para mim, não são nem as empregadas domésticas, nem a escritora que lhes dá voz e identidade. A estrela do filme é a belíssima Sisy Spacek, a mãe tresloucada de uma das "patroas" do bairro. Sisy, como louca e alheada, traz a respiração que o filme precisa para acontecer e, ainda melhor, elimina o tom piegas que o mesmo tendencialmente promove.

sábado, maio 28, 2011

A árvore de Malick

Tudo tem um princípio. 
Mesmo que não o conheçamos ou saibamos como se processou (onde, quando) estamos certos de que ele se deu.
No início não era o verbo. Era o Universo de si para si. Só muito tempo depois veio o Homem e com ele o Verbo.
Malick prova-o. Melhor, concretiza-o visualmente em The Tree of Life.
Com uma respiração muito própria, o filme transporta cada um dos espectadores para o espaço íntimo, até secreto, do início. Primeiro numa perspectiva macro - o Universo, a Terra, a Humanidade -, para logo dirigir a objectiva para a micro vivência da família, bem como do indivíduo.
Não é um filme simples nem fácil. Não é um filme de consumo imediato ou rápido. Houve pessoas a abandonar a sala de cinema poucos minutos depois das primeiras imagens. Parece-me que a maioria do público tem dificuldade em digerir ou consumir os produtos - sejam eles quais forem - devagar. Como se o tempo não tivesse tempo para ser tempo. Como se tudo o que demore mais do que o tempo esperado seja  tempo a mais. Tempo demais. Por demais. Não foi. Não é.
Na vida, há sempre dois caminhos. Cabe a cada um de nós optar por um deles.
Eu escolhi permanecer sentada, de mente e coração abertos, deslumbrada com o universo malickiano que, afinal, não é um universo alheio, estranho ou irrealista.
A história que se conta - porque há uma história que é contada - não é muito diferente da de cada um de nós. Nesse sentido, há, de certa forma, qualquer coisa catártica que irrompe, melhor, um voyeurismo que assenta num passado que é humanamente comum: pai. mãe. irmãos. nascimentos. primeiros passos. curiosidades satisfeitas e insatisfeitas. perguntas por fazer. por responder. mentiras. fé - a que se tem, a que se perde e a que se recupera. E, acima de tudo, a escolha primordial - o caminho da graça ou o caminho da natureza, que significa, sobretudo, escolher os outros ou escolhermo-nos a nós mesmos. 
Vale a pena arriscar Brad Pitt e Sean Penn.

sábado, abril 23, 2011

A família está bem?

Família. Já não é o que era. E ainda bem?!?

Vi The Kids Are All Right, um filme de Lisa Cholodenko, com as belíssimas Julianne Moore e Annette Bening.
Aquilo que mais apreciei no filme foi aquilo que também mais apreciei no Brokeback Mountain, de Ang Lee - a seriedade, a integridade e o respeito com que é abordada a temática homossexual.
Lisa e Ang provam que falar do amor entre pessoas do mesmo sexo pode  - e deve - processar-se em moldes semelhantes de quando se procura falar do amor entre pessoas de sexo diferente.
Julianne e Annette são casadas há mais de 20 anos e vêem-se a braços com aquilo que um casamento longo normalmente proporciona: invisibilidade.
A chegada de um elemento exterior - Mark Ruffalo - obrigará a que a família (composta por dois filhos adolescentes - Mia Wasikowska e Josh Hutcherson) rasguem o manto da invisibilidade e, por assim dizer, o da inocência.
Os dramas retratados neste filme não são diferentes dos dramas pelos quais passam famílias de todo o género: o desgaste relacional, a diferença de opiniões quanto à orientação educacional dos filhos, os vícios de personalidade, as expectativas goradas, o crescimento interior que se processa contra aqueles que nos são próximos, a desilusão. E o remédio que acalma todos os males também não anda longe da realidade mais próxima: sexo, mentira, decepção, raiva, muita raiva, assunpção de culpas e responsabilidades e perdão - só possível deixando que o tempo faça aquilo que melhor faz: passe!
Impressionou-me a interpretação do Mark Ruffalo e da Mia Wasikowska - que interpretou Alice no Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton - não vi, mas depois desta interpretação, apetece-me muito vê-lo.

As famílias já não são o que eram e... ainda bem!

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Posso desistir de tudo, mas nunca de compreender

Não vou com frequência assistir a bailados, mas vi, há tempos, o Baile dos Cisnes, por uma companhia russa: não gostei. Na verdade, já tinha apagado esse bailado da minha memória até ao momento em que vi Black Swan, de Darren Aronofsky.
Não sou nenhuma crítica de cinema, nem o que escrevo sobre os filmes tem a pretensão de  forjar qualquer crítica, mas há filmes que me "obrigam" a escrever sobre eles, na verdade, acho que escrevendo sobre eles é sobre mim que escrevo.
A história de Black Swan centra-se na bailarina Nina Sayers, ou melhor, nos lados que compõem  Nina: o da pureza quase virginal e o da sombra vibrante e purgada.
A história leva-nos aos lugares da sua vida vivida e da sua vida imaginada, mas nem uma nem outra são amplamente desveladas. Apesar de me inquietar, gosto quando os filmes não me dão tudo o que eu exijo saber para compreendê-los. Há, nisso, a possibilidade de também eu acrescentar qualquer coisa à narrativa que progride.
O que é extremamente interessante na tessitura do Darren é que ele reúne factores não só na história da Nina e das personagens (?) que ela encarna, enquanto prima ballerina, mas da própria realidade. Por exemplo, não é  factual que seja a Winona Ryder a fazer o papel de bailarina preterida, num filme em que se assiste à consagração da Natalie Portman.
Se ao início, o filme parece conter uma história dentro de outra história, rapidamente percebemos que não há duas ou mais histórias, mas apenas uma: Nina é o cisne branco, o cisne negro, o príncipe, o feiticeiro - ela é a representação arquetípica da mulher moderna. Não, da sociedade moderna doente e esquizofrénica.
Há uma lição inevitável a retirar do filme: a mente do Homem é uma arma letal.


sexta-feira, maio 14, 2010

O plano? Não fazer nada.

DEPOIS DO FILME

Há muito que não saía de uma sala de cinema em rebuliço.
Não um rebuliço de fora para dentro, mas daqueles que crescem dentro, são, diria eu, de dentro. Do lugar onde nós somos nós, sem fuga possível, nem a imaginada.



O FILME

Um rosto de mulher comum. Nem bonita. Nem feia. Nem gorda. Nem magra. Comum, assim mesmo.
Um carro, uma cidade e os detalhes de um quotidiano regular, sem acontecimentos extraordinários.
Um homem como tantos homens. Sem sucesso. Sem família. Sem a vida que um dia sonhou sua. Mas com uma imagem subvertida de si próprio.
Greenberg não é um filme grandioso. E por causa disso é o filme mais grandioso que me foi dado a ver nos últimos tempos. Nada nele é previsível, embora todo o filme discorra sobre previsibilidades. Não há um momento de epifania, de revelação, de clímax. De tal forma que o filme acaba sem o espectador perceber que o fim está iminente.
Um filme como a vida.
Um filme para a vida.
Noah Baumbach - o realizador.
Ben Stiller - o protagonista.
Los Angeles - a cidade.
Greta Gerwig - a protagonista.


segunda-feira, janeiro 18, 2010

A Corrida Mais Louca do Mundo - parte II

Downey Jr. ganhou ontem o Globo de Ouro para Melhor Actor no género comédia no seu papel de Sherlock Holmes. Estou certa de que o Expresso ou o Público fariam bem em contratar-me para fazer crítica de cinema. Seria uma aposta ganha, estou certa - digo isto de forma absolutamente imparcial e objectiva, outra coisa não seria de esperar...

segunda-feira, novembro 30, 2009

Twilighting

Não sei porquê. Para mim é um mistério. A verdade é que me vejo a suspirar, ainda que em segredo e em silêncio, pelas personagens do filme de adolescentes Twilight.
Caramba, acontecer-me isto logo a mim. Logo a mim!



segunda-feira, novembro 09, 2009

Antes do Amanhecer ou Antes do Anoitecer?

Foi há muito tempo que um amigo me aconselhou ver o filme. Lembro-me de, na altura, tê-lo procurado e alugado no videoclube perto de casa, embora o filme, parece-me, não estivesse preparado para ser visto por mim.
Hoje dei com ele num canal de televisão e eis que personagens e intriga se deleitaram nas minhas mãos e, num ápice, se renderam ao culto da minha pessoa. Como tudo o que vi fez um eco tão profundo nos meus sentimentos e emoções, levantei-me do sofá e fui  procurar ver a sequela, que sabia existir.
Houve um processo de identificação tal com a personagem feminina que determinadas falas podiam muito bem ser minhas, além de ela ser também do signo Sagitário e ter 33 anos:
"Ultimamente os casais andam tão confusos... Deve ser porque os homens precisam sentir-se essenciais e já não se sentem. Há muito que têm na cabeça a necessidade de ser o sustento da casa. Eu sou uma mulher forte e independente na minha vida profissional. Não preciso de um homem que me sustente, mas continuo a precisar de um homem que me ame e que eu possa amar."
Os filmes?
Before Sunrise e Before Sunset.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Pride, mas sem qualquer espécie de Glory


Ontem fui ao cinema: fiquei sentada entre um Sol e um Conimbricense. O Sol sentia-se agastado com o dia; o Conimbricense não tinha tido tempo de tomar o seu 2.º banho diário. Eu estava em rota de colisão com o mundo. A escolha do filme, pelo que se descreve, não poderia ser baseada em critérios comuns: boa história, bons actores, filme inteligente, etc.; queríamos apenas garantir que não íamos adormecer durante a sessão - dois de nós conseguiram cumprir esse objectivo.

Apesar de termos todos vontade de ver The Soloist, optámos por Pride and Glory. O filme tem realização de Gavin O'Connor e é protagonizado por Edward Norton (suspiro suspirado), John Voight (suspiro aborrecido) e Colin Farrell (suspiro enjoado).

De forma muito rápida, explico o que há a explicar sobre o filme: transmite a moralidade sobre a importância da família e até onde estamos dispostos a ir para preservar a sua segurança, à semelhança do que já tinha feito Mystic River, ainda que, em Mystic River, a exploração do carácter das personagens e das suas histórias pessoais não tenha ficado pela rama; e aflora o tema da corrupção policial e as implicações que essa corrupção tem na estrutura familiar - aqui muito à semelhança de We Own The Night, mesmo que sem a força narrativa e a interpretação irrepreensível do Joaquin Phoenix.

Pride and Glory não tem nada para oferecer, a não ser uma amálgama de lugares-comuns aborrecidos, um John Voight (suspiro aborrecido) que não consegue convencer-nos de que a sua personagem encaixa na lógica da narrativa e um Colin Farrell (suspiro enjoado) que já não me surpreende pela fraqueza interpretativa que costuma emprestar aos seus personagens e, sobretudo, duas cenas de extrema violência, em que não foi possível ficar com o rabo quieto na cadeira. Minto: teve também a participação do Edward Norton (suspiro suspirado); o dormitar do Sol e a incapacidade para ficar quieto do Conimbricense - as cadeiras eram demasiado pequenas para Sua Majestade.

terça-feira, outubro 06, 2009

Onde há fumo, há fogo?


Se o Jorge Mourinha - quem não conhece, é um dos críticos de cinema do Público - avaliar um filme com duas míseras estrelas (duas estrelas correspondem a "Razoável") - e quem diz o Jorge Mourinha diz o Vasco Câmara, o Luís M. Oliveira ou o Mário J. Torres - então é aconselhável uma ida ao cinema.

Não gosto de menosprezar o trabalho dos outros, e sei perfeitamente que a crítica é uma actividade difícil e delicada, quando realizada em consciência. Ainda assim, não posso deixar de manifestar a minha incredulidade perante juízos críticos que reduzem determinados filmes à medíocre medianidade.

Veja-se o caso de Longe da Terra Queimada, de Guillermo Arriaga, o fabuloso argumentista de Babel e 21 Gramas; Jorge Mourinha classifica o filme como "Razoável". Uma classificação absurda que se constata nos primeiros minutos do filme.

Alguém explica aos senhores críticos que os filmes não têm de ser exercícios de abstracção poética ou de masturbação intelectualizante para merecer classificações superiores à que estão normalmente dispostos a dar?

O filme traz-nos uma Charlize Theron gélida, que se alimenta do sexo que vampiriza a clientes do restaurante onde trabalha; uma Kim Basinger, mãe de família, que não desiste de sentir-se desejada (o plano que Arriaga faz das mãos da actriz não deixa margem para dúvidas, Kim Basinger envelheceu), um Joaquim de Almeida apaixonado por uma mulher que não é a sua; planos temporais distintos mas que interagem na perfeição (interacção muito bem conseguida numa das cenas finais, quando todas as personagens estão a entrar para o carro); uma história de amores e desamores, principalmente o desamor que algumas personagens sentem de si próprias; e a renovação da vida, da culpa, mas também da esperança pelo fogo.

Concordo que o filme não esteja ao nível de Babel, muito menos de 21 Gramas; a resolução do enigma narrativo é relativamente óbvia e a interpretação de Charlize Theron está muito colada à de Nicole Kidman em The Human Stain, um filme de Robert Benton, do ano 2003. Todavia, parece-me que "Razoável" não coloca o filme ao nível que ele merece.




segunda-feira, setembro 28, 2009

Morrer em África


Fico sempre espantada com a quantidade de ignorância que há em mim. Os dias que ainda me restam não serão suficientes para eu aprender tudo o que gostaria. É por isso que me é tão difícil imaginar uma vida sem livros ou sem filmes.

Este domingo vi Shoting Dogs, um filme que descreve o genocídio ocorrido no Ruanda entre Abril e Junho de 1994. Na altura, enquanto 800 mil ruandeses (tutsis) sucumbiam aos golpes ferocíssimos das catanas de outros tantos ruandeses (hutus), discutia-se no ocidente a semântica dos acontecimentos:

- Quantos mortos têm de existir para podermos considerar que estamos perante um genocídio?

- É possível falar-se em genocídio se os mortos forem, na sua maioria, pretos?

No filme, uma das personagens, uma repórter da BBC, descreve ao professor de inglês, a viver a sua primeira experiência de "guerra", a sua passagem pela Bósnia:

- Na Bósnia chorava todos os dias. Cada mulher morta que via, pensava que podia ser minha mãe. Mas não aqui. Aqui são só africanos mortos.

A ONU estava no território, em observação, o que tecnicamente os impediu de travar que 2500 refugiados tutsis, que se abrigaram nas imediações da Escola Técnica Oficial de Kigali, fossem brutalmente assassinados. Só puderam intervir na morte dos cães que se alimentavam dos cadáveres espalhados pelas ruas, porque punham em risco a saúde pública.
Para completar este círculo que inicei ao acaso terei de ver Hotel Rwanda, para que a minha ignorância me pese um pouco menos nos meus bolsos de branca.


quarta-feira, março 11, 2009

As ROSAS também murcham

Há mulheres que por serem tão iguais a outras se distinguem delas por pequenos traços. Porque quando riem, os olhos tornam-se maiores do que a alma, porque têm a mania inquietante de colocar a mecha de cabelo por detrás da orelha, porque decidem defender aquilo em que acreditam contra um mundo em desagregação. Para mim, estas são as verdadeiras heroínas. Mulheres simples, de gostos simples, com sonhos por cumprir e ideais que guardam nos bolsos, ao lado da foto do namorado e da moeda da sorte.

No dia 5 de Agosto de 1939, 13 mulheres simples, com menos de 19 anos, foram fuziladas por terem ousado retirar do bolso, não a foto do namorado ou um golpe de estado, mas os ideais em que acreditavam. Estas mortes decorreram em Madrid, logo após o fim da Guerra Civil e o início da Segunda Guerra Mundial, quando Franco liquidou comunistas que não concordavam com o seu fascismo ou porque antes de se deitarem não se ajoelhavam perante um Deus que era para eles inexistente: "Nada alimenta o esquecimento como uma guerra ... Todos nos calamos e as pessoas esforçam-se por nos convencer de que aquilo que vimos, aquilo que fizemos, o que aprendemos de nós próprios e dos outros é uma ilusão, um pesadelo passageiro. As guerras não têm memória e ninguém se atreve a compreendê-las até não haver vozes para contar o que aconteceu, até chegar o momento em que já ninguém as reconhece e regressam, com outra cara e outro nome, para devorar o que deixaram para trás." (Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento, pág. 350, 3.ª edição, Dom Quixote)

Las 13 Rosas, do realizador espanhol Emílio Martinez Lázaro, funciona como uma das vozes que nos desassombra o olhar e nos ajuda a não esquecer o que ficou para trás.

Ainda assim, gostava que houvesse um filme que me contasse sobre os homens por detrás das metralhadoras...



quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Um paciente que nada tinha de inglês

Revi o English Patient.
Eram três horas da manhã quando acordei. Decidida a não ficar a olhar para o vazio, levantei-me e fui ver o filme. Tinha-o encontrado nesse mesmo dia entre dezenas de DVD's que o meu avô guarda num móvel lá de casa. Assim que olhei para ele, senti necessidade de revisitá-lo. Desconheço a razão que enformou tal necessidade, mas percebi que ela existia.
Não sei dizer o que me agradou mais no filme. Se a história de amor que é contada, se as pequenas histórias que se desenrolam à medida que se desenrola a guerra.
Nunca vivi em guerra, por isso, para mim, falar de guerra é a mesma coisa do que falar da ida à Lua; posso até imaginar como será, já visualizei imagens, documentários, filmes, mas não é a mesma coisa: há um limite bastante real entre o que se conhece e o que se imagina conhecer.
Todavia, a guerra não tem apenas a capacidade de estilhaçar e mutilar vidas, tenho a impressão de que ela gera imaginação e criatividade nos seres humanos. Anne Frank ou Guernica são apenas dois exemplos que ilustram o que digo. Há outros. Há muitos outros.
Guerra fria, guerra colonial, guerra civil - guerra é sempre guerra, independentemente dos adjectivos que lhe colocarmos na frente?
"Amor platónico, amor carnal, amor filial" - é ou não é amor de qualquer maneira?
Neste filme, todas as personagens acabam por ser elas mesmas pacientes esperançadas de que a cura acabe por chegar: para uns a morte, para outros a vingança e para outros o amor.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Óscar para ti, Óscar para mim



O Heath Ledger está nomeado para a categoria de Melhor Actor Secundário. A Angelina Jolie para a de Melhor Actriz. Acabou por cumprir-se o que não me apetecia que se cumprisse. Relativamente à nomeação de Heath, apesar de considerá-la absolutamente merecida, uma vez que a sua interpretação como Jocker foi brilhante, como já tinha tido oportunidade de mencionar num texto que escrevi aqui, em Agosto; não deixo de sentir que a sua nomeação não lhe trará nada de concreto, NADA.


Já em relação à nomeação de Angelina, preferia que ela não tivesse acontecido. A sua performance em Changeling não se aproxima daquilo que foi a sua actuação em Girl Interrupted, que lhe valeu, em 2000, o Óscar para melhor actriz secundária.

Este descontentamento não tem nada a ver com o facto dela se deitar todas as noites com o Brad Pitt. Ou tem?!

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Changeling

Associo o nome de Clint Eastwood a cowboys, olhos semi-cerrados e tiros. E longe de mim ter visto mais do que dois ou três filmes onde ele aparecia como actor. A apatia que sinto em relação ao seu trabalho performativo não está ligado ao facto de ele ser um actor de uma geração distante da minha. Acompanhei o trabalho de outros tão antigos quanto ele, como Jack Nicholson, Sean Connery ou Al Pacino.
O extraordinário para mim é que o mesmo homem consiga, ainda que num papel diferente, retirar-me da apatia e devolver-me à paixão. Considero Clint Eastwood um contador de histórias extraordinário. Mystic River é disso exemplo. Aquele filme trata a dor como nenhum outro. Sem drama. Sem comiseração. Sem excesso: só a dor na sua inteireza real.
Changeling, o seu mais recente filme, é um exercício de inteligência e sabedoria, que só a experiência pode proporcionar. No mesmo filme, e sem nunca perdermos o fio condutor da história que é contada, temos um drama, um thriller, um policial, uma cómedia negra e um filme sobre tribunais. E a razão destes géneros coexistirem em equilíbrio é a razão da história não poder ser contada de outra forma.
Sobre os actores que participam na película, demoro-me apenas em Jason Butler Harner, como Gordon Northcott, que conseguiu a proeza de transformar um serial killer hediondo numa personagem de recorte humano, sem trejeitos de insanidade não fosse o seu gosto em cortar com um machado criancinhas que apanhava na rua.
Changeling vale a pena ver, não porque poderá significar a consagração de Angelina Jolie, mas porque revela que a idade pode ser representativa de uma lucidez esmagadora.

terça-feira, agosto 26, 2008

Sisters like no others

http://www.youtube.com/watch?v=_NQobRrZhvo

É engraçado que, dias após ter escrito um texto sobre mim e a minha irmã, por ocasião do seu aniversário, tenha assistido a um filme que retrata precisamente a relação complexa entre duas irmãs. O realizador de Margot at the Wedding (Margot e o Casamento, em português) é Noah Baumbach - realizador de A Lula e a Baleia - e os protagonistas são Nicole Kidman (Margot), Jennifer Jason Leigh (Pauline) e Jack Black (Malcolm). Com este elenco poderoso, talvez não fosse necessário aprofundar demasiado o tema.

Apesar do filme não ser "demolidor", é cru na forma como desfolha a relação caótica, exasperante e, por isso, sincera, de Pauline e Margot.

Podemos ser levados a pensar que as relações sanguíneas bastam para garantir os laços de amor entre as pessoas e que os irmãos se defendem e se amam porque é assim que está estabelecido (só desconheço onde). O que o filme prova, assim como o meu texto, é que as relações entre seres humanos nunca são o que deveriam; muito menos entre irmãos, sobretudo entre mulheres.

O que se passa entre mim e a minha irmã, ou entre Margot e Pauline, é que competimos a toda a hora para provarmos a nossa diferença e no quanto essa diferença nos torna superiores uma à outra. O ódio e o amor na nossa relação, como na delas, coexiste e podemos passar de um ao outro num piscar de olhos.

Margot é escritora. Pauline é "dona de casa". Margot tem um casamento falhado com um escritor falhado. Pauline prepara-se para casar pela segunda vez, o seu noivo é Malcolm, um artista que não ganha dinheiro nem com a música nem com a pintura. Margot é mãe de Claude. Pauline é mãe de Ingrid. Margot diz sempre o que pensa, mesmo que isso fira os outros de morte - a maior vítima da sua verdade é o próprio filho:


Claude: Are you stoned, mom?

Margot: Maybe a little.

Claude: I don't like it.


Pauline é doce, mas insegura. Na relação com a irmã sai sempre a perder:


Pauline: Margot told Claude something I expressly told her in confidence, and he told Ingrid. I'm stunned that she put me in this position. It's so fucking infuriating!

Malcolm: Well, it's one of those things...

Pauline: Don't say anything, OK? You know what, just be there for me, silently.

Malcolm: OK.

Pauline: Why do I have to be so careful around her, but everyone is allowed to make fun of me?


Contudo, no exacto momento em que aquelas duas mulheres ficam vulneráveis às acções dos outros - no filme, Pauline descobre que o noivo se envolveu com uma adolescente (Maisy) e Margot não tem coragem para dizer ao filho que está a pensar deixar o seu pai - apoiam-se no colo uma da outra, até porque, apesar da distância, têm ambas consciência de que ninguém conhece tanto sobre a história de cada uma.

Julgo que é isso que acontece aos irmãos: crescem num ambiente que os envolve mutuamente, mesmo que o percepcionem segundo a sua própria sensibilidade. É nas memórias partilhadas que reside aquela amizade ininterrupta e indestrutível.


Jamais me esquecerei de um dia em que estávamos a almoçar - eu, a minha irmã e o meu pai - e fomos visitados por um amigo do meu pai que tinha um tique de linguagem, a cada conjunto de palavras ditas, ele introduzia "tás a ver":

Amigo: Ó Carlos, tás a ver, vais lá ver aquilo, tás a ver, diz-me depois o que achas, tás a ver, e conversamos, tás a ver(...)


Após alguns minutos nisto, tanto eu como a minha irmã estávamos prestes a rebentar em gargalhadas, era só ouvirmos mais um "tás a ver" dito espontaneamente. O meu pai começou a aperceber-se da nossa agitação e olhou-nos como só ele sabe. Isso bastou-me para perceber que irromper numa gragalhada sonora não era aconselhável, não naquele contexto; porém, para a minha irmã (mais rebelde e mais nova), aquele olhar não a colocou de sobreaviso, por isso, pouco tempo depois, levantou-se e foi dar as gargalhadas dela para a marquise, anexa à cozinha. Aí entrei em pânico, não só continuava a ouvir aqueles "tás a ver" ditos de minuto a minuto, como passei a estar exposta às suas gargalhadas (que me aumentava ainda mais a necessidade de rir), enquanto o meu pai mantia a pose, à mesa, e olhava para mim à espera de respostas.

Ainda hoje conseguimos as duas rir daquele dia; mais, conseguimos rir como naquele dia...

Pauline: It's hard, I think, to find people in the world you love more than your family.

terça-feira, agosto 12, 2008

Dark Ledger



Não, não, não, não. O filme Dark Night, realizado por Christopher Nolan e sequela de Batman Begins, não me merece um comentário porque tem no elenco Heath Ledger. Ele merece-me um comentário porque, morto ou não (isso acaba por ser um pormenor que alimenta apenas os "abutres" do acessório), Heath fez de Jocker a melhor personagem do filme (de todos os filmes da série). A mais coerente. A mais equilibrada. A mais sincera. Isto, numa película, onde todas as personagens são mais do que boas. Não me surpreendeu. Já em Monter's Ball (2001) percebi que este actor tinha a capacidade de fazer o complexo parecer simples; percebi mesmo antes, quando, em The Patriot (2000), foi um Gabriel mais homem do que anjo. Por tudo isto, a sua personagem em Brockeback Mountain (2005) - Ennis del Mar -, trouxe-me tão só a confirmação do que eu suspeitava: Heath Ledger era um actor com alma.
Dark Night é um filme noir, não apenas estilisticamente, mas cromaticamente. O único vislumbre de luz aparece nas cenas em que participa Jocker e o branco-choque do rosto que esconde; ou que desvenda?! Tenho cá para mim que ele usa aquela máscara de tinta com o único propósito de revelar aquilo que realmente é. O que esperar de alguém que parece um monstro e age como um: monstruosidades?! Uma coisa é certa, ninguém poderá acusá-lo de defraudar expectativas; que é, afinal, o conflito interior que perturba os grandes heróis (sou ou não sou aquilo que os outros esperam que eu seja?), desde Batman a Spider Man, que, no fim de contas, os torna vulneráveis e falíveis. Jocker não erra. O seu mundo é o caos: "I choose chaos."



O mais assustador é que o desequílibrio e a maldade nele são tão viscerais que causam no espectador a higienização da sua loucura; para nós, ele chega a ser o único que possui a sabedoria total: "I'll show you: I now the truth", provando que as margens da bondade e da maldade são meramente ilusórias; o Homem pode ter os pés numa ou noutra, consoante as circustâncias lho exijam: "You either die a heroe or you live long enough to see yourself become a villain."

Heath morreu ainda com idade suficiente para se tornar um herói; o tempo encarregar-se-á disso mesmo. Não me parece mal de todo, uma vez que James Dean e Marilyn Monroe são uns desconhecidos para as gerações que acreditam que a televisão existiu sempre e que o Michael Jackson foi branco a vida inteira...