quinta-feira, outubro 08, 2009

Pai herói




O meu pai faz hoje 56 anos. Mas só é meu pai há 33. Não sei o que fez ele com o resto do tempo em que não era meu pai. Já para mim não há contagem de tempo possível sem que o meu pai seja meu pai.


O meu pai defende-me dos maus - porque ele é dos bons. Quando se zanga, as narinas dilatam-se-lhe, a testa e o olhar contraem-se e os punhos cerram-se sobre si próprios - ele fica a parecer mau, mas não é, é bom.


O meu pai levava-me à escola de carro. A mim e aos meus colegas e eu ficava contente, porque os carros dele faziam sempre barulhos de carros rápidos. E os meus colegas também gostavam de andar nos carros rápidos do meu pai. Hoje eu sei que não eram os carros que eram rápidos, ele é que era.


O meu pai nunca me leu histórias. Mas contava-me as dele. Conheci o Alentejo, a praia do Dafundo, os combóios, o gosto das azeitonas antes de tudo.


O meu pai era muito pequenino quando começou a trabalhar. Aos oito anos, já fazia recados num talho. Às vezes, o meu pai fazia-me festinhas e lembro-me de, nessas alturas, sentir-me a filha mais feliz do mundo. A primeira vez que o vi chorar foi quando morreu a minha avó Maria. Ele chorava tanto, tanto e eu queria tanto, tanto dizer-lhe: "Pai, não chores que eu estou aqui". Mas não disse e chorei também.


Depois disto, o meu pai nunca mais foi feliz como era. E vê-lo chorar tornou-se frequente. Eu sei que a maior prenda que lhe podia dar era oferecer-lhe o colo da minha avó só por mais uma vez. Só por um bocadinho. Mas não posso, pai. Não posso.


O meu pai jogava futebol. E antes do futebol, praticou natação. Ele foi convidado a integrar a equipa do Benfica, mas a minha avó não o deixou ir - além do meu pai ter de trabalhar, ela não suportava a ideia de ficar sem ele mais do que uns dias. O meu pai não foi.


Há uma coisa que eu nunca lhe disse, e que acho que ele nunca desconfiou: o Rodrigo, pai, tornou-se nadador porque tu não pudeste. E ele nada por ti o que tu não nadaste. As vitórias do Rodrigo na água, pai, serão as tuas vitórias.



O meu pai faz hoje 56 anos e eu não me lembro de mim sem me lembrar dele primeiro.



6 comentários:

Coffee Taste disse...

Minha querida, estou ranhosa e chorona. Isto é do mais bonito que escreveste nos últimos tempos.

FigueiRita disse...

...

Anônimo disse...

Não conheço o teu pai mas sei que reconheço no que escreves o meu pai. E isso faz de ti o quê? certamente a filha de que todos os pais se orgulhariam na linha comovente de uma lágrima mais ou menos subtil ou mais menos exuberante,se lessem o que escreveste.
Mas faz de ti alguem com a capacidade espantosa de alinhar as palavras na expressão do aparentemente simples, tocando os que te leem.
Parabens
João

Anônimo disse...

Parabéns a todos os nadadores da tua vida ...

Beijos,

Walter Ego

Anônimo disse...

Para isso também é preciso eu querer!

Sónia disse...

Anónimo, não percebi! Mas talvez a intenção tenha sido essa!!!