Fechada.
Encerrada no meu próprio mundo cor de rosa.
Conheço de cor os detalhes de cada parede branca cá de casa. Os leves riscos pretos, aqui e além, marcam uma passagem mais apressada, um objecto arrastado, os saltos esquizofrénicos do cão.
Enfadonhos e previsíveis: os meus dias.
Às 7 acordo. Fico deitada a tentar perceber os centímetros que a barriga cresceu. Não cresceu tanto como eu gostaria.
Às 8 é hora de dar o Zoref ao Rodrigo; apanhado, nas férias da Páscoa, por uma pneumonia.
Às 9, o pequeno-almoço.
Das 9 às 13, a invenção dos dias: leituras, escritas, telefonemas feitos e atendidos.
Almoço: comida ingerida mais uma vez.
Às 14, o descanso de nada.
Às 15, a televisão acesa e o zapping sucessivo: tenho dedos imparáveis e fome de qualquer coisa que a televisão não consegue saciar.
16, 17 e 18h: lanche; pão com qualquer coisa e leite. Vitaminas. Sais minerais. Vida a necessitar de consolidação.
19h, a preparação para o jantar. Ementa de hoje: polvo cozido. A mãe faz. A mãe que, ansiosa, assiste ao desenrolar dos acontecimentos últimos e procura espantar o medo com comida.
Digo-lhe "Mãe, não precisas de preocupar-te. Nós fazemos o jantar." Mas entendo que, para ela, esse gesto seja o seu remédio para afastar o medo e dizer-me "Gosto de ti".
20h,de novo, o Zoref - antibiótico administrado de 12 em 12 horas, para que não hajam falhas, o alarme telefónico. Nunca fui mãe de remédios. Ou boa mãe de remédios. Esqueço-me deles. Corre bem nos primeiros dias, depois esqueço-me da hora. Há coisas que não mudam. Esta não mudou.
20h, o jantar: igual ao lanche, que já fora igual ao almoço e igual ao pequeno-almoço - máquina ingeridora de alimentos.
Se fosse quinta, que não é, é quarta, seria dia de Anatomia. Gosto dos dias que são de Anatomia. Há um instante de mim que é prenchido por aquelas histórias ficcionadas.
Hora de dormir. Fechar os olhos e imaginar outro mundo cor de rosa, longe, longe, longe, longe, longe daqui. Com as mesmas paredes.
Os mesmos riscos pretos.
A mesma mãe. Filho. Namorado.
A mesma Anatomia.
Livre.
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