Não tinha ainda nascido quando se deu o golpe de Abril.
Não havia eu, nem projecto de mim, quando a "Revolução"aconteceu em Portugal.
Mas não é por isso que não entendo o seu valor, a sua importância. É certo que será um entendimento romântico, talvez até estilizado, mas não é por isso que deixa de ser entendimento.
Entendimento é entendimento.
Não será necessário passar por uma guerra para rejeitá-la. Ou morrer para não querer morrer. Logo, talvez não seja determinante ter vivido o fascismo para desprezá-lo como forma de organização política, social ou cultural.
Em 1974, havia gente a lutar por valores mais dignificantes do que o déficite, rating e outras coisas estranhas e de difícil percepção - pelo menos para uma parola, como eu.
Em 1974, a liberdade de pensamento e de expressão eram o mote das cantigas que se entoavam nas ruas e das bandeiras que se erguiam no ar. Ou eu imagino que assim fosse.
Antes de 1974, eu não podia estar aqui a escrever textos. Pelo menos textos que não fossem elogiosos do sistema, das pessoas que compunham o sistema - como se de um ramalhete se tratasse.
E agora eu posso.
Eu posso e faço-o.
Cada palavra que escrevo é a confirmação da minha liberdade.
Da minha.Porque é impossível que exista apenas uma.
Antes de 1974, seria impossível haver gente a dizer na rádio ou na televisão que, por discordar das políticas do governo, não iria assistir às comemorações oficiais do 25 de Abril.
E agora podem.
Podem e fazem-no.
E há vozes que os apoiam. E há vozes que os criticam.
E a pluralidade de opiniões acontece.
O debate dá-se.
Tudo porque, um dia, ainda eu não era nascida, houve gente que ousou mais do que ser e ajudou a contruir o sonho das liberdades.
Festejando ou não. Comparecendo ou não nas comemorações oficiais, Portugal participa todos os dias naquilo que é o âmago de Abril: dizer o que se pensa quando se pensa no lugar em que se pensa.
Mesmo que hajam uns com mais direito a pensar do que outros.
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