domingo, setembro 19, 2010

Auto-retrato

O amor não existe.
Esta frase assombra-me o pensamento há dias e não sei o que fazer com ela. O que fazer dela.
Podia, quem sabe, usá-la como recheio da lasanha que pensei fazer hoje para jantar. Descascá-la e deixá-la refogar junto dos alhos e das cebolas. Aloirá-la. Não em excesso. Só até a cebola ficar branquinha.
Também podia pintar com ela as paredes do quarto. Usá-la como recorte, entre a cor branca e a cor verde timor - nos catálogos das tintas descobrem-se cores poéticas: verde paraíso; verde minho, verde roma; rosa doce; amarelo sol, amarelo lar e azul-o-amor-não-existe.
Talvez encher com ela a banheira e mergulhar o meu corpo cansado em cada sílaba pronunciada: o/a/mor/não/e/xis/te - perfumando o ar com o peso das palavras pronunciadas.
Ou podia agarrar nela e esfregá-la contra o rosto das pessoas que vivem convencidas de que o amor é um pressuposto de vida. Gritar-lhes bem alto para que oiçam aquilo que ela diz, mas não aquilo que pensam que ela diz - parece que eu nunca sei o que as palavras querem dizer, por isso, invento.
O amor não existe. O´Neill sabia-o.
O amor não existe "porque não há feito". É preciso saber fazê-lo.
Já me decidi. Vou barrar o raio da frase no pão, a ver se me engasgo nela...

Um comentário:

AR disse...

Eu até queria dizer que o amor existe, que estás enganada, que o melhor de tudo é acreditar nele, fazer por ele, viver para ele. Mas, vistas as coisas pelo lado mais real, pois é: o amor não existe mesmo.

É sempre um prazer ler-te.