quarta-feira, maio 04, 2011

Carta aberta ao LV neste seu aniversário

Acordou-me com a sua mensagem.
Depois de ler o seu nome no écran do telemóvel, pensei: "hoje devia ter sido eu a surpreendê-lo. por uma vez, gostaria de surpreendê-lo!"
É inútil pensar que se pode, assim sem mais nem menos, arrancar um homem que vive profundamente consigo próprio, afastado de qualquer mundanice, empenhado em ouvir os ecos da sua - riquíssima - vida interior, e  trazê-lo um pouco para o lado de cá, para o lado dos comuns mortais e dizer-lhe coisas tão simples como: "gosto tanto de si"  achando, ainda por cima, que isso poderia ser o bastante.
Dizer nem é difícil, acho que nunca senti medo de dizer o que sinto - mesmo correndo o risco desse sentimento ser tão passageiro com o vento que passa -, para mim, guardar palavras dentro é engolir sapos de enfiada, indispõe-me contra mim e contra os outros que estão fora de mim.
Difícil, difícil é arranjar a forma certa, o momento certo de dizê-lo.
Não há mais ninguém que eu conheça que acorde a ouvir Mahler às cinco da manhã. Não há ninguém que eu conheça que me ofereça um presente no dia do seu próprio aniversário. Só o LV.
Deixe-me que lhe diga que não é justo inverter desta forma a ordem do jogo - desculpe, mas foi exactamente assim que o senti. Isso e uma profunda alegria por ter sido eu a escolhida. Ignoro, até hoje, a razão da sua escolha, mas não me atrevo, sequer, em duvidar dela. Aceito-a como aceito boa parte das coisas boas que me acontecem: em euforia comprometida.
Irrita-me tudo o que não fizemos juntos - as idas à cinemateca prometidas e não cumpridas; os filmes, os livros, as músicas que prometemos desfrutar um com o outro... em silêncio e entendimento; os passeios por Lisboa, a famosa ida a Cerveira. Falta-me isso para cumprir a nossa amizade, ainda que tenha uma série de outras memórias de si, de nós, de ambos juntos em sintonia e cumplicidade.
Sabe, por ventura, que o primeiro livro de Benedetti que li foi aquele que me enviou? Sabe, por exemplo, que nunca ninguém teve a agilidade mental de me explicar os fundamentos da Física Quântica como um dia me explicou - entre quatro paredes de uma sala, em Outeiro de Polima, que diz guardar na sua memória?
Encontro-me a ler Memórias de Adriano e acredita que aquele livro me leva continuamente para si?
Quer que lhe prove?
"O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo: as minhas primeiras pátrias foram os livros." - porque me lembra esta frase de si? Porque escolheu nome e pátria. Quem pode fazê-lo? Eu própria, se pudesse, teria escolhido outro nome. Não sei se pátria. Não pude e acho que nem saberia. Não é qualquer pessoa que pode fazê-lo, nem pensar.
Quer outro exemplo?
"Há um único ponto em que me sinto superior ao comum dos homens: sou ao mesmo tempo mais livre e mais submisso que eles se atrevem a ser." - podia continuar, mas não vou maçá-lo com a ideia que tenho de si que será infinitamente mais pobre daquilo que realmente é. Mas quero que saiba que a sua vida me comove como nenhuma outra e eu sinto-me grata por fazer parte dela - ainda que com os condicionalismos que a distância impõe; embora só eu não conviva bem com a distância, como já lho disse tantas vezes.
Parabéns neste dia. Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns. E lamente a minha terrível falta de capacidade para surpreender quem já não deseja (sabe?) ser surpreendido.

Com amor,

Sónia

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