quarta-feira, setembro 10, 2008

Home alone

O Rodrigo ficou ontem em casa sozinho, pela primeira vez. O que tem isso de especial?, podem perguntar-se. Para mim é óbvia a importância de que se revestiu tal acontecimento. Os filhos devem ser educados para a independência, mas isso tem vindo a mudar substancialmente com os novos tempos. Eu, com a idade dele, já ia da escola para casa (e vice-versa) completamente sozinha, mais, aos 16 anos comecei a trabalhar, uma vez que percebi a dificuldade que os meus pais tinham em sustentar os meus vícios de adolescente, que se resumiam a um ou outro concerto ou a uma ou outra peça de roupa, nada de especial, julgo eu. Só que hoje, somando a legislação e as mentalidades sobre os direitos reconhecidos às crianças, se não prestarmos atenção, educamo-las tendencialmente para a tirania do "eu quero" e para a incapacidade de pensarem sozinhas sobre uma série de coisas.
A verdade é que o meu filho, como a maior parte dos seus amigos, não vai para a escola sem ser acompanhado e não sai da escola se não for exactamente nas mesmas condições. Este condicionalismo pode ter como consequência a dificuldade que ele possa vir a sentir em orientar-se no espaço ou em atravessar a estrada em segurança. O que eu quero dizer é que tem de haver uma política equilibrada na gestão da independência e da segurança/qualidade de vida que desejamos proporcionar aos nossos filhos; se não, teremos, no final do caminho, seres humanos imperfeitos.
A minha mãe estava aflitíssima porque o neto tinha ficado em casa sozinho - com o pequeno-almoço preprado e o almoço pronto a ser aquecido no microondas; ainda com dois filmes do videoclube disponíveis para se entreter, sem mencionar a internet e a bibicleta que o aguardava para dar umas voltinhas e conviver com as babes do bairro -, quando me obrigava a mim, na altura com 9, 10 anos, a comprar batatas na mercearia que ficava uns metros afastada de onde morávamos, à chuva e com os trovões a ribombarem aos meus ouvidos. Eu tremia durante todo o caminho (tenho pânico a trovoadas) mas fui e vim, apesar do medo. Todavia, isso já lá vai e agora ela não tem a função de educar, mas sim a de mimar e proteger, fazendo-me sentir, tantas vezes, como o monstro do Lago Ness, que obriga o "menino" a passar pelas mais estranhas provações: "Tu obriga-lo a fazer a cama e a lavar a loiça?! Coitadinho!" E se eu não estiver atenta, acaba a dizer-lhe: "Deixa estar a cama e a loiça que a avó vai lá tratar disso quando sair do trabalho."
Mesmo eu, estando consciente de que não quero formar um homem que não seja capaz de sobreviver por sua própria conta e risco, independentemente de ter a seu lado quem lhe trate das minudências do dia-a-dia, custa-me igualmente perceber que as exigências que lhe faço significam, mais do que tudo, que ele está a crescer, a tornar-se qualquer outra coisa, a fugir do colinho da mãe. Incomodam-me as portas que vão ficando fechadas atrás dele, demarcando claramente um território que até há pouco tempo também era o meu, mas não é mais. Não é mais... Incomodam-me as mãos que escondem as partes do corpo que antes desnudava sem qualquer preconceito. Incomodam-me porque é como se gritassem aos meus ouvidos: "MÃE, ACORDA, A REALIDADE AGORA É OUTRA." Há, todavia, uma porta que ainda se mantém aberta: a do diálogo. Não há nada de que não possamos falar. Bem, pelo menos, por enquanto...

P.S. Os danos do primeiro dia sozinho não foram assim tão desastrosos: fechou a porta de casa e deixou as chaves lá dentro. Resultado? O dia passado em casa não foi bem passado em casa, foi mais na rua. Tive de sair de uma reunião mais cedo para ir resolver o problema. Tirando isso, e as roupas espalhadas pelo chão da cozinha e do quarto, a loiça estava lavada.

3 comentários:

FigueiRita disse...

Pois é... compreendo tudo, até ao último detalhe do que dizes... A nossa missão, por vezes tão dura, é a de Educar... Sei que a função dos dois é mimar, proteger mas... nós não somos as más da fita, como tantas vezes o pintam... Não grites com o menino... e as vezes que tinhamos de fugir?!?!? Porque os gritos ecoavam na nossa cara, sim mesmo em cima de nós?!?!? E aquele olhar 33 que nos fazia tremer agora é substituído pelo Não batas ao menino... Bem ... passando isto para trás, mesmo assim ... o dia do Rodrigo não correu assim tão mal... vá lá... não tiveste de chamar os Bombeiros... ;)

Sónia disse...

Possa... muito me contas. Então já deixaste de ser homeless?!?
Assim parece-me bem melhor, RITA. Só te falta criares um blog também: a blogosfera é um sítio fantástico para se viver. :)

FigueiRita disse...

Já criei... podes visitar-me em: http://figueiringuita.blogspot.com/