quarta-feira, setembro 24, 2008

Haverá mulheres mal-amadas?

Mariela Michelena é psicanalista em Madrid e acaba de lançar um livro com o sugestivo título Mujeres Malqueridas, que sustenta a teoria de existirem mulheres capazes em tudo menos na vivência do amor e que, por causa disso, sujeitam-se a amar homens que, em troca, as amam erradamente. Estes homens ou têm compromissos paralelos ou invocam a impossibilidade de se comprometerem. Ainda assim, elas assumem as relações e fidelizam-se nelas, na esperança, diz a autora, de que o cenário mude, um dia. Só que ele, em princípio, não mudará.
Consigo admitir que este tipo de livros, de orientação, possam cumprir objectivos sérios e ajudar muitas pessoas a definir novos caminhos; ao mesmo tempo, assustam-me as generalizações que se possam fazer, especialmente quando no seu enquadramento surge o tópico: mulher/mulheres. Haverá mulheres para todos os gostos, assim como homens. Haverá as que desejam ardentemente casar, as que fogem a isso, as que querem ser mães, as que se recusam, as que investem na carreira profissional, as que investem na família, todavia, sei que a sustentar estas escolhas está o comprazimento que os afectos lhes proporcionam: é que ninguém deseja o vazio que a falta de amor enseja.
Não posso deixar de admitir que as relações estão diferentes, o compromisso tem vindo a tomar rumos atípicos na sociedade actual. Parece-me que tudo ocorre sob o regime da casualidade e da momentaneidade. De repente, somos todos pessoas independentes, modernaças, que gostam de estar sozinhas. Somos uma cambada de assim-assins, que foge da dor como o diabo da cruz. Aliás, a dor passou a ser a peste negra da actualidade. Só por isso vale a pena evitar o amor. As pessoas resguardam-se nos seus territórios esvaziados, evitam expor-se com medo de revelar a sua fraqueza. Choram às escondidas. Ainda assim, é justo falar em mulheres mal-amadas? Haverá mulheres mal-amadas? Ou há apenas as que são e as que nunca foram nem nunca virão a sê-lo? E homens? Há ou não homens mal-amados? Homens incapazes de amar?
Tenho alguma dificuldade, confesso, em aceitar que haja pessoas a amar outras de forma errada. É-me mais confortável acreditar que o amor ou existe ou não existe. Simplifica. Simplifica-me. Além de que a expressão "mal-amada" ou "malquerida"associada a mulheres perturba-me; é que fica no ar a ideia de passividade, de aceitação relutante de sentimentos que as não favorecem. Nenhuma mulher saudável será capaz de prolongar uma situação semelhante. Aliás, a mulher é capaz de tomar a mais difícil das decisões e por mais que goste, quando reconhece que a história se esgotou, não volta atrás. Nem mesmo para inventariar os destroços que ficaram pelo caminho.
"Eu já não posso mais
Olhar nosso jardim
Lá não existem flores
Tudo morreu pra mim
Não posso mais
Olhar nosso jardim
Lá não existem flores
Tudo morreu pra mim...
Mas não faz mal
Depois que a chuva cair
Outro jardim um dia
Há de reflorir!"
Maria Bethânia, As Flores do Jardim da Nossa Casa

9 comentários:

Anônimo disse...

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste de uma flor!

Florbela Espanca, A uma Rapariga

Anônimo disse...

Concordo em pleno com o post e ficou esta pergunta no ar..

O que é o Amor?

Muitas das pessoas mal amadas não fazem nem querem fazer ideia do que é o Amor, penso que uma das teorias que mais se aproximam da definição de Amor, é a teoria criada pelo psicólogo Robert Sternberg, conhecida por Teoria Triangular do Amor.

"De acordo com o autor, um relacionamento baseado em um único elemento tem menos chances de sobreviver do que um baseado em dois ou mais. De acordo com a presença ou ausência de cada um dos elementos temos as combinações de sentimentos:

1- Amizade: caracteriza as amizades verdadeiras e profundas na qual uma pessoa sente-se muito bem, próxima e intensa a outra, mas sem paixão intensa ou comprometimento a longo prazo.

2- Paixão: é conhecido como o “amor à primeira vista”, algo intenso, mágico, que parece único. O grande problema é que sem os componentes de Intimidade e de Compromisso do amor, a paixão pode desaparecer de repente, tão rápido quando apareceu.

3- Amor Vazio: pode ser encontrado em casamentos arranjados, por exemplo, nos quais os relacionamentos começam normalmente com o amor vazio, ou seja, não há paixão, nem intimidade. Apenas compromisso. Mas também podem ocorrer casos em que um amor muito forte se deteriora, mantendo o compromisso, mas perdendo a intimidade e a paixão.

4- Amor Romântico: nesse caso, os amantes estão ligados emocionalmente como na amizade, possuem intimidade, e fisicamente com uma paixão explosiva.

5- Amor Companheiro: é o sentimento puro que existe em relações familiares, em amizades profundas ou nos relacionamentos longos sem interesse sexual. Mas esse tipo de amor pode aparecer também em uniões onde a paixão acabou, não há mais desejo sexual, apenas um compartilhamento da vida.

6- Amor Instintivo: é o amor carnal. Existe um compromisso motivado pela paixão, mas sem intimidade.

7- Amor Verdadeiro: essa é a base do relacionamento ideal, que muitas pessoas buscam, mas poucas são capazes de encontrar. O autor da teoria adverte que no amor verdadeiro é mais difícil a manutenção do que o encontro propriamente dito. Ele reforça a importância de traduzir os componentes do amor em ação. “Sem expressão, mesmo o maior dos amores pode morrer”. Este amor tem que ser trabalhado, porque pode não durar para sempre. Por exemplo, se acabar a paixão, esse amor se tornará um amor companheiro."

M :)

Sónia disse...

Eu... tu... tu... eu!
EU continuo sem saber quem és TU. TU continuas a assinar EU.
Todavia, o poema da Florbela foi uma boa escolha.

Sónia disse...

Querido anónimo, começas por dizer que concordas com o meu post, mas depois voltas a falar em "pessoas mal-amadas". Se bem me lembro, eu disse preferir não acreditar que exista sequer tal tipo de conceito... Quanto ao amor, acho que cada um de nós saberá defini-lo. Não precisamos das teorias de psicólogos. Não concordas?

Anônimo disse...

Concordo que seja mais confortável encarar a existência do amor de forma pragmática(ou existe ou não existe). Na realidade, coexistem vários tipos de amor e só interessa um, o tal Amor Verdadeiro, assim, os que não amam verdadeiramente vão criar as mulheres e homens mal amados;)

Sendo o Amor um sentimento multifacetado, é na minha opinião uma mais valia, recorrer a informação credível para tentar formar uma opinião sobre a nossa definição de Amor.

Sei que esta forma de pensar tem pouco encanto, mas por vezes o facto de termos bom coração e olhos de poeta só dificulta a definição das coisas..

M.

Sónia disse...

Não posso deixar de olhar o mundo com o coração e os olhos que tenho, se o fizesse, estaria a ser outra pessoa que não eu mesma. E o que me resta, nesta sucessão de dias, é a certeza de que a minha coerência me permite dormir em paz com os meus desejos, vontades e sonhos...

Anônimo disse...

A alma não teria arco-íris se os olhos não tivessem lágrimas...

Cheney , John

M.

Sónia disse...

Reparei agora num M. atirado, perdido, no final de cada comentário teu. O M. traduz-se? É Mariana, Maria, Madalena, Mário, Manuel, Marco, Miguel ou apenas Mar, Marialva, Maior, Mil ou nada?

Anônimo disse...

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Mar :)