terça-feira, setembro 30, 2008

O sentido trágico

Acho que foi assim que entrei dentro da sala de aulas, talvez tenha sido assim que olhei para eles sentados à minha frente, ou minutos depois, quando já tinha as mãos completamente sujas do pó do giz, senti nesses momentos aquilo que procuro ignorar a maior parte do tempo: que a minha vida só ganha uma dimensão verdadeira ao vestir a pele de professora de português. Não é que me sinta um peixe fora de água na vivência do meu quotidiano, nem pensar nisso; é apenas ter a noção de que a minha vocação cumpre-se ali, a ensinar.
Ando extraordinariamente cansada e o extraordinário tem aqui o sentido literal de "mais do que o normal", a verdade é que não podia deixar escapar esta oportunidade, mesmo que me obrigue a uma dedicação personalizada. Os materiais são todos pensados e criados por mim, do zero, uma vez que a bibliografia existente é insuficiente e, não raras vezes, pouco profícua. No sentido oposto, diria que as conquistas que vou fazendo; melhor, que eles vão fazendo, possibilitam-me uma sensação de vitória mais ardente e apaixonada.
Um barco acaba de deixar na água a marca da sua passagem, um risco indelével, pouco perceptível na distância. Se eu tivesse de descrever o teu efeito em mim (que não tenho, mas quero) diria que tu és o barco e eu sou a água. Tu deixas-me, ó asa-de-corvo, a herança indelével e eu, como resposta, permito que a espuma das minhas águas enfeitem o teu percurso, tornando-o mais belo.
É engraçado, com uma preponderância trágica, que eu não possa desenvolver a minha acção profissional no sentido da minha formação universitária; é curioso, também com uma preponderância trágica, que os professores sejam os indigentes das profissões liberais e é sobretudo admirável, com um sentido trágico total, que eu mantenha a convicção de outrora - e alguma esperança também - de que o meu lugar é dentro de uma sala, a ensinar e a aprender, a ser cada dia mais velha junto daqueles que serão, em mim, cada dia mais novos.

4 comentários:

Ego. disse...

Felizarda vc por ter convicção da sua vocação, e por faze-la digna!
Felizardos os alunos que cruzam o teu caminho!

Sucesso, sucesso sempre!

Anônimo disse...

Rí, tens talento, rega sempre a convicção que é esperança, porque eles precisam da tua arte e de tí..

:)

M.

Sónia disse...

Esse sorriso, esse M. enigmático, essa forma subtil de me dizer coisas, sugerindo saberes sempre do que falas sobretudo quando se fala de mim...

Ego, felizarda sou eu que os tenho ali só para mim, obrigando-me a saber mais da língua que falo e estudo.

Robson Ribeiro disse...

Deixo aqui um belo sorriso para você...

E o desejo de muito sucesso e felicidade!

Beijo!