quarta-feira, outubro 01, 2008

Hino à minha mãe

Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual?
A minha irmã abraçou-se a mim a chorar, eu senti o seu corpo frágil sustentado pelas minhas mãos vazias de tudo. Só consegui dizer-lhe: "se ela desistir, se ela tiver já desistido, a única coisa que podemos fazer é aceitar a sua decisão e sermos fortes ao mesmo tempo que ela. Estás a ser egoísta, ela não pode querer a vida só porque para nós seria insuportável viver sem ela." Quis parecer maior, recusar-lhe o direito à dor, revelar-lhe a sua pequenez, mas cada palavra me foi devolvida com violência. Tenho no meu corpo a marca de cada uma das palavras que usei contra a minha irmã. O que estava eu a dizer? Que sou capaz de aceitar a sua desistência? Que gosto mais da minha mãe do que a minha irmã? Que sou capaz de vê-la desistir e acompanhá-la nessa decisão porque isso me faz generosa, solidária? Ridícula. Sou neste momento a mais ridícula de todas as mulheres. Foi só preciso entrar no carro e ouvir o som da solidão, para o medo me levar às lágrimas e as lágrimas me levarem ao medo. Sou cobarde, grito para dentro e o que sai para fora já vem tão distorcido que não se manifesta por ondas sonoras, só através do que agora escrevo. Em vez de guardar em mim o segredo da dor e do medo, exponho-o. E porquê? Porque não passo de uma menina assustada a gritar por socorro.
Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual?
Eu não sou generosa e também não sou solidária. Sou apenas uma filha assustada com a doença da mãe. E no fundo sei bem que serei incapaz de perdoar-lhe a desistência, no fundo, sei que os meus dias terão no seu reverso a amargura de sabê-la fraca, vendida ao caminho mais fácil. É só por isso que não corro para os seus braços implorando-lhe a coragem que me falta sempre que a vejo debilitada.
Qual é o valor da vida humana? Qual é? Qual? Quanto vale a minha mãe? Quanto deve pesar o amor de um filho? Que distância deve existir de um coração ao outro? Que peso têm as minhas lágrimas choradas? E as por chorar? Quanto tempo se deve esperar por um abraço? Que espaço ocupa a ausência? Quem me abraça agora? Quem se calará para sempre? Quanto tempo aguento eu sem chamar por ti, mãe? Quando é que isto acaba, mãe? Quando é que te vejo feliz, mãe? Quando é que regressas para nós, mãe? Quando é que me abraças, mãe? Quando é que percebes, mãe, que és a estrutura, a base e as paredes desta família que criaste, mãe? Mãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãemãe. Estou exausta, mãe. Vou dormir, mãe. Amo-te, mãe. Para sempre, mãe. Como só a ti poderia, mãe.

4 comentários:

Anônimo disse...

ao ler-te, o meu coração acelerou de forma que não contava nesta noite fria e solitária.
qual o valor da vida humana? vale a felicidade de crescer sonhadora, ver nascer os filhos, esperar pela vinda dos netos, reviver a maternidade nos traços e gestos de alguém que é nosso mas que não nasceu de dentro de nós. Vale isso e vale o sorriso de alguém que amamos, feliz com a mais simples das coisas. Vale rios e mares, pores-do-sol ao longe, ondas de espuma a bater no pé descalço. vale este refrão de Pedro Abrunhosa.

Que palavras vais usar
Quando o sono não vier,
Quando a noite te disser:
«Vem comigo».
Que loucura irás dizer
Quando a mão que te apertar
Te pedir para ficares
Só mais um dia,
Tu não sabes,
Tu não sabes,
Tu não sabes.

ouve em:
http://www.youtube.com/watch?v=lW71C9jjKnQ

Sónia disse...

"Tu não sabes" e se me conhecesses saberias que eu oiço Abrunhosa em todas as circunstâncias da minha vida. Tenho o DVD do concerto ao vivo onde está integrada esta música, chama-se Intimidade e foi gravado na Casa da Música, no Porto, em 2005. Recebi-o de presente de um amigo, no Natal do ano passado.
Ainda assim, fui ouvir a música, como me pediste. É linda!

Robson Ribeiro disse...

Olá Sofi!

O que posso dizer?

Bem, acho que quando acontecer de perdermos alguém que nos é querido (e isso é inevitável), devemos preencher o vazio com as lembranças boas que esse alguém nos deixar...

Esse é um assunto delicado e que requer longas conversas...

Identifico-me bastante contigo. Esteja bem, querida.

Um forte abraço!

FigueiRita disse...

Não te culpes Nunca pelas tuas palavras... entendi-as... E entendo a tua dor... é semelhante à minha... Não fosse a tua e minha Mãe... :) Amo-a e vou lutar ao seu lado, não vou deixá-la ir... vale a pena o esforço, vale a pena tentar... A minha vida não faria sentido sem a sua presença. A Mãe que tem vivido para a Família desta vez... terá a Família a viver para ela... Não aceito perder, não esta batalha... Não desta vez. Beijo. Amo-te mana.

http://figueiringuita.blogspot.com/2008/10/o-2-de-outubro.html