Andei a vasculhar no passado. Numas folhas amareladas, gastas, que a minha mãe ainda guarda lá por casa, numa gaveta apinhada de memórias antigas.
Não foi um regresso pacífico, embora tenha sido emocionado e emocionante.
Andei, mais propriamente, a vasculhar as minhas fichas avaliativas referentes à primária e aos primeiros anos do básico. Não é que aquelas fichas me tivessem despertado ou alertado para alguma coisa que eu já não soubesse sobre mim, apenas vieram reforçá-lo ou clarificá-lo dolorosa e dolentemente.
Embora não consiga recuar aos primeiros dias de escola, lembro-me de ouvir os relatos da minha mãe sobre o choro e a agonia que me assaltavam de cada vez que ela me virava as costas ou, pior, me largava a mão. A sensação de abandono e de desconforto conheço-a muito bem. Ainda hoje sou assaltada por ela em variadíssimos momentos.
Não há uma avaliação, em qualquer dos anos, em que não apareça escrita a palavra insegura: "A Sónia é uma criança insegura."; "Muito insegura, a Sónia precisa ainda de..."
O medo de não ser capaz, de não ser suficientemente boa para mim e para os outros, o medo de ser julgada, o medo de ser rejeitada, o medo de não ser amada, o medo de enganar e ser enganada, o medo de ficar só, o medo, o medo, o medo, o medo, o medo...
Estranhamente, e por contigências do acaso e do destino, este medo nunca foi um agente paralisador, antes pelo contrário, foi um autêntico activador de vontades.
A minha insegurança congénita não me paralisa, obriga-me a avançar e sempre de encontro a lugares maiores, maiores, até, do que eu própria.
Ainda assim, continuo a ser aquela menina atemorizada com a dimensão da sala de aula e com o excesso de vozes e bocas. Demasiadas, excessivas para conhecer e confiar.
Continuo a ser aquela menina que aguarda pela mão que a guiará, enfim, ao lugar de consolo.
Consolada. Não mais sozinha. É o que desejo, em cada dia, que me suceda...