sexta-feira, maio 08, 2015

Zé, o meu

Era uma vez o Zé, senhor de nenhumas fortunas e pouco dinheiro. A compensar-lhe o desgaste da carteira vazia, tinha o génio dos artistas.
Fugiu à mesa pouco farta, ao calor desenfreado e à lonjura de nenhures do alentejo e estabeleceu-se em Lisboa. Com ele vieram os quatro filhos e a mulher. Mas o Zé, de marido pouco soube, de pai pouco fez. 
Os quatro filhos depressa se multiplicaram em netos e em bisnetos. Da mesa pouco farta, Zé passou a uma família farta. E fartava-se dela com frequência, embora nunca ninguém lhe tenha conhecido um esgar de impaciência ou de intolerância.
As mulheres, segundo a Maria, a esposa, também se multiplicavam e nem as primas escapariam a tamanha voracidade sentimental.
O Zé viajou - Espanha, Suíça, Holanda.
O Zé fez amigos até mais não: 1, 2, alguns, vários, muitos, tantos.
O Zé reinventou-se e nunca sucumbiu ao infortúnio, nem mesmo quando se viu obrigado a enterrar a Maria no cemitério de São Domingos de Rana.
Disse aos filhos que haveriam de morrer primeiro do que ele. Assim não foi, mas ao dizer isso ele não queria dizer isso, queria apenas sublinhar que se sentia eterno como se tivesse bebido água da fonte da juventude.
E foi jovem até não ser mais.

(ainda tenho os teus olhos nos meus. ainda guardo o calor das tuas mãos nas minhas. menos um para amar. menos um para amar-me. sentir-te-ei pelos restos dos dias que ainda me sobram. chorar-te-ei como agora, no silêncio de quem não precisa mais nada para lembrar-te. somos iguais. quero honrar essa igualdade. tu avô eu neta. mas sem o meu avô como poderei manter-me neta?)


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