quarta-feira, dezembro 29, 2010

Código de "Deséctica"

Hoje tive de assinar uma declaração em que garantia ter cumprido com rigor o Código de Ética da empresa.
No local onde estava escrito Código de Ética assinalei com um asterisco e, no final da declaração, escrevi o que a seguir transcrevo:

* Apesar de desconhecer o Código de Ética em vigor na empresa, declaro que o cumpri com todo o rigor. Acrescento apenas que desconheço se tirar macacos e colá-los debaixo da secretária conta como infracção ao código! Ou ficar especada a olhar para o vazio, a pensar em tudo o que não se relaciona com o trabalho, também conta como infracção ao código! Ou se falar dos directores também conta como infracção ao código! Ou rir com e dos colegas...

Nota: Acho que, afinal, não deveria ter assinado a declaração!

Milagrário é não querer voltar ao Livro

Estou triste.
Os dois últimos livros portugueses que li (ainda não consegui terminar ambos) - Milagrário Pessoal e Livro - não me entusiasmaram absolutamente nada. Aliás, até os achei assustadoramente chatos, narrativamente desconexos e com personagens alheadas da história.
Estou irritada.
Sou uma defensora acérrima da literatura que se faz em português mas os dois livros que li retiram força à minha defesa habitual. Ainda por cima, são livros de autores que gosto de ler.
Estou esperançada.
Apesar de viver há muitos anos nos EUA, António Damásio é português. Espero que o Livro da Consciência me renove a fé na literatura escrita em português.

terça-feira, dezembro 28, 2010

CHALADA e sem chá

Há momentos de dúvida. Ao contrário, outros há em que as certezas são absolutas: tenho alturas em que guardo o cérebro numa gaveta e depois esqueço-me de ir lá buscá-lo.
Ontem, antes de dormir, pus a chaleira ao lume para que, ao acordar, fosse apenas necessário aquecer o chá. Isto era o que devo apelidar de "projecto inicial".
O que acabou por acontecer não foi bem aquilo. Ao acordar, lembrei-me que deixei a chaleira ao lume durante TO-DA a noite.
Pus a vida do meu filho em risco de forma gratuita.

Vou guardar o cérebro na gaveta e mantê-lo por lá, pelo menos passa-me este travo de responsabilidade - por causa da falta dela - que se instalou aqui desde o meu despertar...

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Que tanga de manhã...

não sabia, apenas advinhava
o dia cinzento, frio, chuvoso, feio
a cama quentinha, aninhada nos meus pés gelados
e também enrolada num abraço caloroso nos meus braços vazios
foi assim que fiquei mais tempo que devia
absorta em pensamentos tristes, cinzentos, chuvosos, feios
o tempo a passar e o abraço a tornar-se mais e mais caloroso
o alarme impiedoso que tinha tocado há minutos largos
a cama, eu, a cama, eu, um tango sensual, vermelho-choque
é só mais uns minutos, é só mais uns minutos
quando dei por mim, os minutos eram já mais do que muitos
e o atraso mais do que certo
há dias em que a cama apetece e o mundo lá fora nos cospe na face
em ambas as faces, se, seguindo o Novo Testamento, lhe oferecermos a lavada...

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Bem, se não nos virmos...

Por que razão quando as pessoas se cruzam connosco na rua nos desejam Feliz Natal da seguinte maneira?

- Bem, se não nos virmos, feliz Natal.

E se dissessem só "Feliz Natal" não serviria?

quarta-feira, dezembro 22, 2010

É Natal, é Natal

Pelas mensagens de Natal que tenho recebido no meu email profissional, estou convencida do seguinte:

1. As pessoas resolveram emigrar para uma realidade alternativa, onde não haverá aumento do IVA, da electricidade, do desemprego, nem diminuição de salários, uma vez que praticamente todas as mensagens desejam sucessos profissionais e pessoais;
2. Julgam, igualmente, que os outros só existem nesta época; de repente, recebo emails de gente que não conheço e com quem nunca troquei palavras, sorrisos ou o que quer que seja;
3. Para terminar, creio que acreditam que o Natal implica uma transformação tal que nos torna a todos em seres bonzinhos, solidários e o raio que os parta;

Estas mensagens agoniam-me e só me acentuam o desconforto que sinto por viver esta vida neste país de merda...

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Parabéns a mim

Ontem foi o dia do meu aniversário.
No dia dos aniversários não há filhos que se esquecem de nos presentear com um beijo redondo e um abraço horizontal.
No dia dos aniversários não há portas de casa fechadas com a chave na fechadura, do lado de dentro.
No dia dos aniversários não há carros na reserva, nem bombas com o combustível esgotado.
No dia dos aniversários não há filas de trânsito intermináveis que não nos deixam chegar a casa a tempo de jantar com a família, que nos aguarda, ansiosa pelo abraço e a felicitação costumeira.
No dia dos aniversários não há pais zangados ou a gritar-nos aos ouvidos, irritados com os problemas próprios, pessoais e intransmissíveis. Nem mães a vaguear pelas ruas, à espera de acalmar a irritação sentida momentos antes.
Não há. Ou melhor, não deveria.
Há dias de aniversário em que o dia deveria passar como se de outro dia qualquer se tratasse.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Natal anoréctico

Estou aflitíssima com o Natal. Gostava de ser criativa o suficiente para oferecer a cada uma das pessoas o presente certo. O presente. Cada vez menos me entusiasmam as banalidades.
Ontem lá fiz a árvore (finalmente!) mas está tão nuazinha, escanzelada, sem qualquer embrulho a decorá-la que mais parece a Kate Moss nas piores fases da anoréctica doença.
Quero uma árvore gorda, anafada, roliça, tipo Kirstie Allen. Uma árvore orgulhosa dos seus pneumáticos. Quero, sobretudo, que cada presente aninhado aos seus pés valham a aflição de não saber HOJE o que oferecer a quem.
Acho que vou deprimir-me em frente a uma folha de papel com vários nomes, tipo escritor angustiado e às voltas com uma folha de papel em branco...

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Este frio de DEZEMBRO

Tenho os pés gelados. As mãos também.
Estou sentada ao computador a contar o tempo que passa. Mas estou desconfiada que o tempo passa sem eu  ter tempo de contá-lo. Daqui a nada o despertador vai tocar e anunciar um novo dia. O pequeno-almoço. A viagem para a escola. A viagem para o trabalho. Os acidentes da A5. O trabalho. Os telefonemas. As informações. Os pareceres. Os directores. Os requerentes. Os colegas. As piadas de teor sexual que fazem rir. A hora de regressar a casa. As filas de trânsito na A5. O treino de natação. O jantar. O silêncio. O sono. A aproximação de um dia novo.
Tenho a perfeita noção de que o ciclo do tempo se aperta. Antes, o tempo sobrava-me e eu sentia dificuldade em ocupá-lo. Agora, o tempo falta-me e eu sinto dificuldade em desocupá-lo. E isto, dizem-me, é crescer. É ficar mais velho. É saber responder a qualquer questão que nos coloquem. É saber exactamente que já não controlamos o tempo, que é o tempo que nos controla a nós.
O frio regela, neste instante, outras partes do meu corpo. A conversa no facebook susbstitui a conversa que deveria fazer-se pessoalmente. O facebook é a falácia da modernidade: não aproxima, afasta. Não aconchega o tempo, acelera-o.
A não aceitação das virtudes da tecnologia é só mais um sinal de que o meu mundo se faz na corrida contra o tempo; já não a seu favor...

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Tanga ou Sunga?

Sinto-me a viver num país tropical, tal é a humidade e o calor que emana da atmosfera.
Só falta mesmo os políticos irem trabalhar de tanga... ou de sunga, que é uma tanga mais sofisticada porque brasileira!
E tudo o que é importado... é bom!

(Já estou a imaginar o Teixeira dos Santos, com o seu ar de pai natal grave e cinzento, a fazer contas de subtrair - nos Açores fazem-se de somar porque os açorianos são portugueses de outra estirpe -, vestido com uma tanga branca, com a bandeirinha da UE estampada ao centro) 

sábado, dezembro 04, 2010

Era uma vez um pai

- NÃO QUERO AJUDA. NÃO PRECISO DE NINGUÉM - OUVIRAM? - DE NINGUÉM.
Os gritos, o desespero contra o vazio das horas, que passavam em tiquetares estrondosos.
- Estou bem sozinho. Gosto de estar sozinho. Incomoda-me se não estiver sozinho.
A solidão sublinhada por palavras trementes, hesitantes, que não passavam despercebidas aos olhares cúmplices das três.
- Não entendo a vossa insistência. Isto é rápido. Eu sou homem e os homens são fortes. Eu sou forte.
Dávamos as mãos, sem as entrelaçar, sem sequer as encostar umas nas outras. Falávamos do tempo e de restantes banalidades. Criávamos um laço que o ultrapassava e que o confortava sem ele se aperceber.
-  Estou aqui. Não vim sozinho, é certo, mas sou homem, logo, sou forte.
As três por detrás dele, sorrindo candidamente e anuindo com a cabeça e com o coração: sim, ele é forte, nós somos fracas e, por isso, quisémos acompanhá-lo.
Despiram-no. Depilaram-no. Meteram-no numa cama despersonalizada. Fria.
- Vão trabalhar. Vão almoçar. Eu estou bem. Eu fico bem.
Palavras que significavam tudo, menos o que diziam. Trocávamos de 10 em 10 minutos. Nenhuma estava disposta a abdicar do seu lugar à cabeceira.
Uma mensagem. As lágrimas disfarçadas de encontro ao amor.
- Ele disse "Avô, que corra tudo bem. Gosto muito de...".
As últimas palavras eram já só soluços, esperanças de um abraço, só mais um abraço.
Desapareceu por uma porta, que era o escuro para nós, o medo, a incerteza de todas.
Chamaram-nos horas depois. Longas horas depois. Muitas esperas depois.
- Tirem-me daqui. Não me deixem sozinho, não aqui.
Os olhos a pedir socorro, a pedir o conforto do resgate; a boca quieta, muda.
- Não quero ficar sozinho. Não gosto de hospitais. Preciso de vocês.

Tensio

Não sei se é do frio. Não sei se é da sede. Ou da fome. Ou da pobreza. Ou da miséria. Ou da inoportunidade. Ou da inércia. Talvez da ataraxia.
Só sei que olho para o mundo de hoje e não sinto tesão por dele fazer parte.
Nem um niquinho.
Nada.
Mesmo NADA.