- NÃO QUERO AJUDA. NÃO PRECISO DE NINGUÉM - OUVIRAM? - DE NINGUÉM.
Os gritos, o desespero contra o vazio das horas, que passavam em tiquetares estrondosos.
- Estou bem sozinho. Gosto de estar sozinho. Incomoda-me se não estiver sozinho.
A solidão sublinhada por palavras trementes, hesitantes, que não passavam despercebidas aos olhares cúmplices das três.
- Não entendo a vossa insistência. Isto é rápido. Eu sou homem e os homens são fortes. Eu sou forte.
Dávamos as mãos, sem as entrelaçar, sem sequer as encostar umas nas outras. Falávamos do tempo e de restantes banalidades. Criávamos um laço que o ultrapassava e que o confortava sem ele se aperceber.
- Estou aqui. Não vim sozinho, é certo, mas sou homem, logo, sou forte.
As três por detrás dele, sorrindo candidamente e anuindo com a cabeça e com o coração: sim, ele é forte, nós somos fracas e, por isso, quisémos acompanhá-lo.
Despiram-no. Depilaram-no. Meteram-no numa cama despersonalizada. Fria.
- Vão trabalhar. Vão almoçar. Eu estou bem. Eu fico bem.
Palavras que significavam tudo, menos o que diziam. Trocávamos de 10 em 10 minutos. Nenhuma estava disposta a abdicar do seu lugar à cabeceira.
Uma mensagem. As lágrimas disfarçadas de encontro ao amor.
- Ele disse "Avô, que corra tudo bem. Gosto muito de...".
As últimas palavras eram já só soluços, esperanças de um abraço, só mais um abraço.
Desapareceu por uma porta, que era o escuro para nós, o medo, a incerteza de todas.
Chamaram-nos horas depois. Longas horas depois. Muitas esperas depois.
- Tirem-me daqui. Não me deixem sozinho, não aqui.
Os olhos a pedir socorro, a pedir o conforto do resgate; a boca quieta, muda.
- Não quero ficar sozinho. Não gosto de hospitais. Preciso de vocês.