Londres não é uma cidade. Não é.
Londres existe na confluência e intersecção de várias e distintas cidades. Passar de uma a outra é efectivamente passar de uma dimensão a outra. Os londrinos são sobretudo colombianos, gregos, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, argentinos, argelinos, turcos, tunisinos, angolanos, marroquinos, chineses, japoneses, etc., etc., etc., que inundam as avenues, roads e streets. Eles estão por todo lado e emprestam à pouca luz da não-cidade um brilho curioso que interessa explorar.
Não vi velhos, em Londres, e vi pouquíssimas crianças. Só milhares e milhares de jovens com sonhos expostos nos olhos e esperanças dilantando-lhes as veias. A maior parte destes jovens não vai a casa - casa tem aqui a significação de lugar de onde se é proveniente -, assim como não vê a família com a regularidade desejada. É por isso que o tempo em Londres tem uma contagem especial. Não há almoços aos domingos com o pai, mãe e irmãos. O tempo que sobra do trabalho ou do estudo é para os amigos, que são uma espécie de família-inventada-pela-necessidade-imperiosa-de-afectos. Ali, toda a gente ajuda toda a gente e, apesar da solidão ser um gene que se adquire na distância, ninguém está realmente sozinho.
Defendo a ideia de que os super-heróis não são os de capa e espada, que salvam a Humanidade de terríveis malfeitores; os verdadeiros super-heróis são aqueles que se salvam a si mesmos permanentemente e que têm a capacidade de se reiventarem as vezes necessárias: gente como a Daniela, a Carmen, o Stavros, o Oliver, a Alexandra, o Majiek, o Fardad, o Sérgio, a Bibi, pois tiveram a ousadia de abandonar o conforto do lar e a segurança da sua família para fazer parte do futuro em que desejam viver. É-me possível admirá-los por conhecer pessoas, tristes com o seu fado, ou melhor, fardo, uma vez que têm de percorrer 30 quilómetros para chegar ao seu local de trabalho. É que ir e vir todos os dias, enfrentar engarrafamentos de trânsito, no quente do seu automóvel, fá-los maldizer o país em que vivem. Ou admiro-os mais ainda por conhecer pessoas que estão cansadas da vida mesmo antes de se levantarem da cama.
Londres não é uma cidade onde desejasse viver. É fria, segmentada, heterogénea, desmembrada e sem vivência marítima. Mas a dimensão humana que por lá se encontra obrigou-me a aprofundar o olhar sobre mim e sobre tudo o que me rodeia. E a importância de viajar está nisto.
Acabei por não ir a Nothing Hill ou ir ver o Big Ben, mas fui a Camden Town, a Hacney, a Backyard Market, ouvi Dela Sosimi - um grupo que toca num bar em Dalston - e estive em Whitechapel, onde Jack, o Estripador matou cinco mulheres. Melhor ainda, vivi a vida londrina da Daniela e vim convencida de que a amizade é mais, muito mais, do que a presença continuada ou quotidiana. A verdadeira amizade faz-se de pequenos e permanentes gestos.