É como quando trocamos olhares com alguém pela primeira vez: a mesma ansiedade, a mesma compulsão para o toque, para ver e ser visto, a mesma capacidade para ignorar tudo o que existe à nossa volta, a mesma necessidade do cheiro, de sentir aquele cheiro único, próprio, a mesma vontade de o desnudar à nossa frente e fazermos amor com ele irrepetidas vezes, até à saciedade, à fartura, à lassidão: até que o seu corpo inexista e se torne o nosso corpo.
É assim de cada vez que olho para o livro que estou prestes a iniciar. Enquanto não devoro as folhas e me alimento das palavras que as compõem, limito-me a olhar para ele e a desejá-lo intensamente.
O meu próximo livro chama-se Somos o Esquecimento Que Seremos (El Olvido Que Seremos - no título original) e, para mim, nesta fase, não há outro que me apeteça tanto como este: eu bem digo, como aqueles olhos com quem trocamos olhares pela primeira vez. O seu autor é colombiano e chama-se Héctor Abad Faciolince.
Verdade seja dita, nem aos livros sou fiel. Sou incapaz de ler apenas um. Há sempre vários na minha cabeceira, ainda que normalmente vagueie entre dois deles. Como os Sinais de Fogo, do Jorge de Sena, é um romance altamente introspectivo, difícil de ler; intrometo-me nas páginas de outros, para que o regresso ao original seja mais intenso e dedicado.
Ainda me vem o tal papa não-sei-quantos pregar à fidelidade e à abstinência, recusando o benefício dos preservativos na contenção do HIV.
Não fossem os preservativos, já eu tinha parido não sei quantos livros-bebés à custa de tanta infidelidade literária. E depois quem os sustentaria? O tal papa não-sei-quantos? Que deve saber tanto de crianças, de fidelidade, de HIV e de pobreza como de abstinência.
E por que não se abstém ele e a Igreja Católica de fazer comentários totalmente absurdos e em desacordo com o mundo actual?
Eu digo: a infidelidade é uma certeza e a abstinência uma violência.
2 comentários:
"Verdade seja dita, nem aos livros sou fiel."
Você me diverte.
Engraçado essa questão da Igreja Católica. Ora, se eu não sou Católico, porque tenho que ouvir seus bons conselhos???
Beijos!
Adoro cheiro de livro novo, parece comida fresca!rs...
Sófi e sua inteligência gritante!!
Adoro os passeios por aqui.
Bjus querida*
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