segunda-feira, maio 11, 2009

Gota D'Água

Fui porque era Chico, antes de ser Paulo ou outra coisa qualquer. Fui porque era Eurípedes e Medeia pela batuta musical e artística de Chico Buarque e por uma gota de água o meu universo foi aquilo e aquilo foi suficiente para eu entender que o sofrimento habita o ser humano por dentro e que a finalidade de todos nós deveria passar pela harmonização da vida com a dor sem procurar ou desejar a fantasia da felicidade em demasia, pois ela é a maior mentira que nos contaram desde a existência de deus.


Gota D'Água é uma história comum, deprimentemente comum, que a torna sempriterna, apesar da sua antiguidade se estender já à época clássica.


A história anda à volta de uma mulher - Joana/Medeia - que é deixada pelo marido - Jasão - uma vez que este se apaixona por uma mulher bem mais jovem - Alma/Creúsa - ou pelo poder que o dinheiro do seu pai - Creonte - propicia.
Joana é deixada para trás num passado que é, afinal, o seu único presente. Enquanto a Jasão o futuro lhe promete um caminho de sucesso e crescimento pessoal, a Joana esfrega-lhe na cara a inutilidade de uma vida que já foi e que não poderá voltar a ser. A única herança que cabe a Joana por ter partilhado com Jasão 10 anos de vida comum são duas crianças menores - dois gatilhos apontados na sua direcção a lembrar-lhe o fracasso de um amor que acreditou duradoiro. Uma gota de água bastou para Joana perceber que a única forma de recuperar o que lhe fora roubado era roubar de Jasão a sua consciência: é por isso que envenena os dois filhos e a si mesma.


A voz de Joana/Izabella Bicalho é iluminada e iluminadora: ela traz-nos a lucidez alucinada de quem perde e a loucura apaziguadora de quem se vinga.


Moralmente, não sei dizer se defendo a atitude de Joana, se a condeno. O que sei é que todos nós já fomos Jasão e Medeia, já fomos abandonadores e abandonados e sabemos que ambas as situações são de morte, cada uma à sua maneira. E que basta uma gota de água para querermos matar ou desejarmos ser mortos.

"Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água..."




2 comentários:

Coffee Taste disse...

Quero tanto ir ver... Adoro Buarque

Sónia disse...

Maria Papoila, já não vais a tempo, pá!