sexta-feira, janeiro 28, 2011

28/34

Carrossel. Para cima. para baixo.
De cima vêem-se os montes. Toca-se o céu. Ou aspira-se a isso.
Em baixo tudo é escuro e frio. Há incertezas embrulhadas em desespero.
De cima, as coisas são mínimas, pequeninas, quase imperceptíveis: minúsculas.
Em baixo, as coisas agigantam-se, atemorizam, intimidam.
Caí do alto, lá, onde segurava o azul e a luz.
O trambolhão causou-me feridas pequeninas, invisíveis, daquelas que doem lancinantemente.
Olho para cima, mas tudo é tão grande, tão difícil de apanhar.
Por ora, sento-me na escuridão à TUA espera.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Ficou vazio o teu lugar à mesa

Mundo. Europa. Portugal. Lisboa. Cascais. Parede. Madorna. Rua 25 de Abril.
Eu. Pai e Mãe. Avós. Bisavós. Trisavós. Família. Humanidade.

Vi-te e o meu mundo ruiu.
Habituada a olhar-te são, libertário, selvático, veio agora a realidade repor uma nova ordem, imposta pela velhice e, sobretudo, pela doença.
Fraco, debilitado, frágil, numa luta desonesta contra o tempo.
Tens uma bomba-relógio dentro do teu corpo, alojada com carácter definitivo e não há nada que se possa fazer contra isso.
Gostava de salvar-te da dor, como outrora me salvaste das agressões de escárnio com que os outros nos saudavam prontamente.
Eu e tu somos iguais - dizias-me. E eu acreditava.
Era à hora de almoço e de jantar que essa cumplicidade se tornava mais óbvia: tu ocupavas o lugar de topo, eu sentava-me imediatamente à tua direita. Eras o capitão e eu o teu co-piloto.
O navio paira agora sobre águas revoltas, turvas. Eu já não me sento à tua direita e tu já não ocupas o lugar de topo à mesa. Aliás, nem mesa existe por estes dias. Nem mesa, nem sala, nem casa. Nada.
Lembras-te de me chamares ao teu quarto para ver as tuas coleções de moedas? As tuas colecções de isqueiros?
Um dia, distribuíste um saquinho de moedas de prata, do BPI, a cada um dos 13 netos: a nossa herança.
Desconfio que aquelas moedas servirão, no futuro, para lembrar-te como me lembro agora. O teu rosto bem definido, sob o calor das minhas mãos: pensei que morria, as dores eram tantas.
Há lágrimas aqui dentro. Lágrimas que não posso, nem quero, silenciar. São tuas. São nossas. Entendo-as como um hino ao nosso amor tão próprio. Ao nosso amor que floresceu numa casa que tinha mesa, um lugar de topo e um à  direita. O navio que segurávamos entre os dedos e que foi paisagem da minha adolescência.
Sentirei a tua falta, avô. Capitão de uma família destroçada, vagueando no vazio que a tua partida se limitará a concretizar...

domingo, janeiro 23, 2011

Sombras eleitoralistas

Pensei em ir votar. A sério que pensei. Mas a qualidade dos canditatos presidenciais, ou melhor, a falta dela, impediram-me de fazê-lo.
Não votaria em Cavaco Silva. Um presidente que prefere calar do que revelar o que pensa; um presidente que opta pela promulgação de determinados diplomas quando, pelo seu discurso, advinhamos que preferiria o veto; um presidente que ameaça o país com a subida de juros se a eleição não se cumprir à 1.ª volta, é um presidente que não me interessa, não me move, não me representa.
Os outros, bem, os outros foram uma nulidade gritante. A própria campanha foi de extrema pobreza. Não houve qualquer debate de ideias. Limitaram-se a esgrimir um argumentário gasto e vazio.
Quem acredita que Cavaco Silva saiba o significado de "povo" quando diz "povo"? Ou quem acredita que Fernando Nobre saiba o que é "fome" quando fala de "fome"? E Manuel Alegre saberá, na verdade, o que significa ser "isento" ou "independente"?
O meu voto de protesto fez-se no momento em que optei pela abstenção. E, ainda assim, não me deixo de sentir triste com essa opção...

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Mãe

Bastaram o sopro das suas palavras para me despertar quase instantaneamente:
- Mãe... - foi tudo o que disse, às 05.30 da manhã.

terça-feira, janeiro 11, 2011

Crime, disse ele

A arma do crime não deixa margens para dúvidas.
Se fosse um nova-iorquino teria usado um picador de gelo. Como foi um português, usou um saca-rolhas...

quinta-feira, janeiro 06, 2011

125 Azul

Às vezes sinto-me como se tivesse uma arma de fogo apontada à minha cabeça.
Nessas vezes, só consigo pensar numa palavra: DISPARO.
Depois disto, consigo  visualizar os meus miolos  misturados no sangue vivo e espalhados pelas paredes próximas.
Não vislumbro quaisquer lágrimas. Só alívio. A sensação exacta de quando estamos muito aflitinhos e nos sentamos, finalmente, na sanita.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Pontas soltas

Senti muitas vezes o cheiro da tua terra nos meus cabelos, sem ter pisado terra ou cheirado cabelos.
Vi a tua terra inscrita no lado invisível do meu olhar, se ele existisse.
Apaixonei-me incessantemente pela tua terra de tanto ver as figuras ocre que criavas.
Eras moçambique em vida. Serás moçambique em morto.
Dou-me a ti MALANGATANA. Dou-me a ti como outrora me entreguei à terra ocre, roubadora de sossegos e inventora de permanências.
Dou-me a ti MALAGANTANA. MALAGANTANA. MALANGATANA. MALANGATANA.MALANGATANAMALANGATANAMALANGATANAMALANGATANMALANGATAMALANGATMALANGMALANMALAMALMAM...

terça-feira, janeiro 04, 2011

Mário Augusto vs. Papões

Tenho papões a atormentar-me o sono. Com esta idade, os papões não são aquelas figuras disformes e monstruosas. São, isso sim, pensamentos disformes e monstruosos. Para dissipá-los, ligo a TV: pior a emenda do que o soneto.
Às três da madrugada estava a passar, na RTP, o Cinemax: pensei, olha, boa, vamos lá saber mais sobre cinema. O entusiasmo durou pouquíssimo. Porquê? Perguntam e bem!
Assistir ao Cinemax é como assistir a um combate de boxe. O Mário Augusto finge que faz umas perguntas para o crítico responder, mas assim que coloca o ponto de interrogação no final da questão, responde ele mesmo à pergunta. Confuso? Também acho. Ainda por cima soa pessimamente num programa de televisão.
O crítico bem tenta  discursar de forma coerente sobre os filmes, mas o Mário Augusto atropela-o a aplica-lhe K.O. sucessivos.
Será que podem mandar calar o sr. Mário Augusto?
Oh, vá lá! Ou contratem, em alternativa, um crítico vigoroso, musculado, que arremesse o braço direito contra o discurso do Mário e o obrigue a respeitar a vez do outro.
Mário, há mais pessoas a perceber de cinema, está bem? Sei que é difícil aceitá-lo, mas tenta. Boa?
Fogo, venham os papões atormentar-me o sono. Mil papões. Todos os papões.