Acendo um cigarro. Ponho a música a tocar: escrevo-te. Com as palavras que escrevo digo-te o que não poderia dizer-te de viva voz. Isto porque a voz arrasta ruídos que impedem a sinceridade. Os meus dedos não têm medo de ser mal interpretados ou de serem interrompidos pelo frenético ritmo da sucessão dos dias, que nos consomem. Bem sabes que é no longe que a nossa amizade se consolida, tem sido sempre assim e continuará a sê-lo. Porém, quero que saibas que o longe não traz esquecimento, muito menos ausência. Foi uma lição dura de ser aprendida, mas consegui-o, tu ensinaste-me isso. E também sei que houve outras lições que aprendeste comigo. A vida é tão mais fácil se assumirmos que com a ajuda dos outros vamos mais além, não é?
Gosto de ti. Gosto principalmente daquilo que não é simples gostar; mas eu tenho esta tendência para rejeitar o fácil e tu és terreno fértil nas dificuldades, umas meramente inventadas, outras, dados consumados.
O amor é longe, aprisiona-nos ou liberta-nos. E eu preciso dizer-te apenas isto: parabéns.
"Se eu quisesse enlouquecia" é a primeira frase de um conto de Herberto Helder, do livro "Passos em Volta". Para mim, este "se eu quisesse" abre o mundo a infinitas possibilidades; deixa que a imaginação flua e que a vida se manifeste no entrelinhamento do mero desejo e do realmente acontecido. Entre uma margem e outra, escrevo.
quarta-feira, julho 30, 2008
segunda-feira, julho 28, 2008
Nocturnus
Por que é que, de vez em quando, sinto que não pertenço a lado nenhum? Inauditas as sensações que me habitam por dentro. Estou vazia, ressequida até, como se o meu corpo tivesse sofrido uma exposição demorada ao sol.
Olho em volta de mim e reconheço tão pouco daquilo que vejo. A minha família não é mais a mesma. Parece que viajei e que, agora, no regresso, aqueles que deixei são já outros. Têm o mesmo rosto, a mesma voz e o mesmo odor, que me compelem para o abraço e para o beijo; só que, na verdade, de tão habituados à minha ausência, depressa me coroam com a indiferença, como se tivessem necessidade de demonstrar que a vida acontece para além de mim. Fujo. Corro quilómetros, sem sequer sair do mesmo lugar. Costuma passar-se enquanto durmo, nunca quando estou acordada. O "nunca" da frase anterior não pode mais voltar a ser utilizado. É que estou acordada, ainda assim, as minhas pernas, frenéticas, balançam como se corressem, o certo é que não saio do mesmo lugar.
Não pertencer a lado nenhum faz de mim ninguém. Sou ninguém com ambição de ser alguém. Ou serei alguém com a ambição de ser ninguém?
Poderei eu recomeçar de novo? É isso de que necessito, recomeçar de novo. Acordar de manhã como se fosse a primeira vez, para poder libertar-me das sombras que me perseguem. Estas sombras que insistem em ter o meu corpo e o meu peso e, pior ainda, o meu nome. Posso perder tudo, todavia, se abdicar do meu nome, serei impedida da esperança. E eu não quero isso.
Olho em volta de mim e reconheço tão pouco daquilo que vejo. A minha família não é mais a mesma. Parece que viajei e que, agora, no regresso, aqueles que deixei são já outros. Têm o mesmo rosto, a mesma voz e o mesmo odor, que me compelem para o abraço e para o beijo; só que, na verdade, de tão habituados à minha ausência, depressa me coroam com a indiferença, como se tivessem necessidade de demonstrar que a vida acontece para além de mim. Fujo. Corro quilómetros, sem sequer sair do mesmo lugar. Costuma passar-se enquanto durmo, nunca quando estou acordada. O "nunca" da frase anterior não pode mais voltar a ser utilizado. É que estou acordada, ainda assim, as minhas pernas, frenéticas, balançam como se corressem, o certo é que não saio do mesmo lugar.
Não pertencer a lado nenhum faz de mim ninguém. Sou ninguém com ambição de ser alguém. Ou serei alguém com a ambição de ser ninguém?
Poderei eu recomeçar de novo? É isso de que necessito, recomeçar de novo. Acordar de manhã como se fosse a primeira vez, para poder libertar-me das sombras que me perseguem. Estas sombras que insistem em ter o meu corpo e o meu peso e, pior ainda, o meu nome. Posso perder tudo, todavia, se abdicar do meu nome, serei impedida da esperança. E eu não quero isso.
quinta-feira, julho 17, 2008
Vida com aroma a café
Se há coisa que me irrita é receber no mail pessoal mensagens de correntes de sorte ou de azar, consoante a perspectiva, e outras que tais. Porém, de vez em quando, e só de vez em quando, lá aparece um ou outro mail interessante, que nos leva a pensar. Este de que vos vou falar a seguir é um exemplo disso.
O mail falava em três alimentos distintos e na reacção que cada um sofria em contacto com o mesmo elemento: a água fervente. Os três alimentos eram a cenoura, o ovo e o café. Se pensarem nisso, lembram-se de que a cenoura é um alimento rijo que amolece, após a cozedura. Já ao ovo acontece o processo inverso; depois de cozido, aquilo que era frágil e líquido torna-se duro e consistente. E o café? Bem... o café no contacto com a água a ferver, transforma-a em qualquer coisa inteiramente nova. Estas constatações são simples de comprovar, até porque fazem parte do nosso quaotidiano. A analogia que é feita depois é que surpreende.
O mail questiona-nos directamente sobre qual a nossa atitude perante as adversidades. Reagimos como a cenoura, que é rija e inflexível, todavia, amolece numa situação extremada? Ou como o ovo, que é interiormente frágil e fluido, mas torna-se duro quando confrontado com o adverso? Ou, finalmente, somos como o café, que após conviver com a tensão da água a ferver, a transforma, transformando-se a ele mesmo?
Julgo que todos nós gostaríamos de poder responder que somos mais parecidos com o café; só não sei se isso é possível. A fragilidade que nos sustenta, assim como a imperfeição que nos é instintiva, natural, impede-nos de tal subtileza, pelo menos em todos os contextos.
Eu não gosto de café. Não bebo sequer, porém, se há coisa que me dá prazer é fazer café pela manhã, pois o seu aroma espalha-se num instante pela casa, perfumando-a. Vou tentr ser um bocadinho mais como o café: transformar a água, atribuir-lhe sabor e cor diferentes. Tentarei perfumar as adversidades...
O mail falava em três alimentos distintos e na reacção que cada um sofria em contacto com o mesmo elemento: a água fervente. Os três alimentos eram a cenoura, o ovo e o café. Se pensarem nisso, lembram-se de que a cenoura é um alimento rijo que amolece, após a cozedura. Já ao ovo acontece o processo inverso; depois de cozido, aquilo que era frágil e líquido torna-se duro e consistente. E o café? Bem... o café no contacto com a água a ferver, transforma-a em qualquer coisa inteiramente nova. Estas constatações são simples de comprovar, até porque fazem parte do nosso quaotidiano. A analogia que é feita depois é que surpreende.
O mail questiona-nos directamente sobre qual a nossa atitude perante as adversidades. Reagimos como a cenoura, que é rija e inflexível, todavia, amolece numa situação extremada? Ou como o ovo, que é interiormente frágil e fluido, mas torna-se duro quando confrontado com o adverso? Ou, finalmente, somos como o café, que após conviver com a tensão da água a ferver, a transforma, transformando-se a ele mesmo?
Julgo que todos nós gostaríamos de poder responder que somos mais parecidos com o café; só não sei se isso é possível. A fragilidade que nos sustenta, assim como a imperfeição que nos é instintiva, natural, impede-nos de tal subtileza, pelo menos em todos os contextos.
Eu não gosto de café. Não bebo sequer, porém, se há coisa que me dá prazer é fazer café pela manhã, pois o seu aroma espalha-se num instante pela casa, perfumando-a. Vou tentr ser um bocadinho mais como o café: transformar a água, atribuir-lhe sabor e cor diferentes. Tentarei perfumar as adversidades...
segunda-feira, julho 07, 2008
Se eu soubesse
Se eu soubesse o que sei agora, não teria ido ao ginásio sem antes passar por casa, pois evitaria fazer duas viagens; é que à porta do edifício, percebi que tinha deixado o saco de treino esquecido algures.
Se eu soubesse o que sei agora, não teria deixado o vidro do carro toda a noite aberto, pois assim evitaria que me tivessem roubado o CD que tanto gostava. Se eu soubesse o que sei agora, não teria levado aquele bolo à boca, para evitar cuspi-lo assim que o sabor se entranhou na minha saliva, se misturou com a minha língua e me deu, por instantes, a sensação de vómito.
Quem inventou o "não guardes para amanhã o que podes fazer hoje"? Quem? Devemos, sim senhor, guardar o mais possível para fazer depois, só assim temos a garantia de que quanto mais "depois" houver, mais conhecimento teremos adquirido.
Tenho a mania de me precipitar em tudo o que faço, intuitiva, navego ao sabor das emoções e só mais tarde avalio as consequências dos meus actos. Se eu me guardasse, se eu me guardasse para depois, saberia o que sei agora e o que esse depois me traria. Porém, já sei que comigo não existe amanhã e que mesmo sabendo o que sei agora, qualquer dia terei de fazer novamente duas viagens em direcção ao ginásio, terei sido roubada em mais uns quantos CD's e vomitado outro bolo com sabor a estragado. E isto tudo no mesmo dia, um pouco antes de pensar: "Se eu soubesse o que sei agora..."
Se eu soubesse o que sei agora, não teria deixado o vidro do carro toda a noite aberto, pois assim evitaria que me tivessem roubado o CD que tanto gostava. Se eu soubesse o que sei agora, não teria levado aquele bolo à boca, para evitar cuspi-lo assim que o sabor se entranhou na minha saliva, se misturou com a minha língua e me deu, por instantes, a sensação de vómito.
Quem inventou o "não guardes para amanhã o que podes fazer hoje"? Quem? Devemos, sim senhor, guardar o mais possível para fazer depois, só assim temos a garantia de que quanto mais "depois" houver, mais conhecimento teremos adquirido.
Tenho a mania de me precipitar em tudo o que faço, intuitiva, navego ao sabor das emoções e só mais tarde avalio as consequências dos meus actos. Se eu me guardasse, se eu me guardasse para depois, saberia o que sei agora e o que esse depois me traria. Porém, já sei que comigo não existe amanhã e que mesmo sabendo o que sei agora, qualquer dia terei de fazer novamente duas viagens em direcção ao ginásio, terei sido roubada em mais uns quantos CD's e vomitado outro bolo com sabor a estragado. E isto tudo no mesmo dia, um pouco antes de pensar: "Se eu soubesse o que sei agora..."
quinta-feira, julho 03, 2008
Tenho PRESSA
Tenho pressa em viver. Tenho pressa em que uma série de coisas me aconteçam. Tenho pressa de não ter pressa.
Ontem fui feliz; mas ontem já aconteceu há tanto tempo...
Tinha-me esquecido (bem digo que para lembrar umas coisas, preciso de esquecer outras) do quanto gosto de correr. Houve uma época em que o atletismo fazia parte do meu dia-a-dia, entrava em provas e competia em alguns troféus regionais. Venci umas vezes, fui derrotada outras, mas nada me impedia de ter vontade de regressar à estrada, aos treinos intensos, à superação diária dos meus limites. Quem corre sabe que a luta é de um para um, sejam 5, 100 ou 1000 a competir na mesma prova. Há momentos em que nos ouvimos a pensar: Vou parar, não aguento mais. Só que as pernas continuam no seu ritmo, não acompanham a vontade do pensamento. E ainda bem.
O vento na cara, acho que o vento na cara é aquilo que me proporciona a sensação mais próxima do que será a liberdade. Talvez por causa disso, recuse correr dentro de ginásios. Para mim, correr só faz sentido se for na rua, exposta ao sol, ao vento, à chuva, ao frio, ao calor, à vida.
Tenho pressa em perder-me. Tenho pressa em encontrar-me para me perder de novo. Tenho pressa em que tenham pressa comigo.
Ontem é passado e o futuro não sei que cor traz. Tenho pressa em fugir disto, que é o que sou. Tenho pressa, pressa, pressa, pressa, pressa, pressa, pressa é por isso que estou presa, presa, presa, presa e presa!
Ontem fui feliz; mas ontem já aconteceu há tanto tempo...
Tinha-me esquecido (bem digo que para lembrar umas coisas, preciso de esquecer outras) do quanto gosto de correr. Houve uma época em que o atletismo fazia parte do meu dia-a-dia, entrava em provas e competia em alguns troféus regionais. Venci umas vezes, fui derrotada outras, mas nada me impedia de ter vontade de regressar à estrada, aos treinos intensos, à superação diária dos meus limites. Quem corre sabe que a luta é de um para um, sejam 5, 100 ou 1000 a competir na mesma prova. Há momentos em que nos ouvimos a pensar: Vou parar, não aguento mais. Só que as pernas continuam no seu ritmo, não acompanham a vontade do pensamento. E ainda bem.
O vento na cara, acho que o vento na cara é aquilo que me proporciona a sensação mais próxima do que será a liberdade. Talvez por causa disso, recuse correr dentro de ginásios. Para mim, correr só faz sentido se for na rua, exposta ao sol, ao vento, à chuva, ao frio, ao calor, à vida.
Tenho pressa em perder-me. Tenho pressa em encontrar-me para me perder de novo. Tenho pressa em que tenham pressa comigo.
Ontem é passado e o futuro não sei que cor traz. Tenho pressa em fugir disto, que é o que sou. Tenho pressa, pressa, pressa, pressa, pressa, pressa, pressa é por isso que estou presa, presa, presa, presa e presa!
terça-feira, julho 01, 2008
Virgem em 2.ª mão...
Em conversa com alguns amigos, apercebi-me de que tenho uma perspectiva um pouco diferente sobre o significado do estado civil. Por exemplo, não consigo compreender por que razão alguém que se casa e, mais tarde, se divorcia não volta a ser solteiro. A verdade é que a pessoa regressou ao estádio inicial, àquele que tinha antes de ter casado. Isto é, um contrato assinado por duas partes é dissolvido, logo, regressa-se ao ponto em que se estava antes da assinatura desse contrato: é por isso que me pergunto que raio significa ser-se divorciado?!
Parece-me, isso sim, que o divorciado acarreta uma série de constrangimentos sociais e uma marca de 2.ª mão ridícula e preconceituosa. Eu, apesar de figurar no meu BI "Div.", que pode significar Diversos; Diva; Divina; Divertida mas nunca, NUNCA, divorciada, assumo-me como solteira, pois é assim que me sinto: livre e pronta para amar novamente.
Claro que tudo acontece uma primeira vez e depois de tudo acontecer nada fica como antes, mas eu privilegio a ideia do início, assim como gosto de me pensar virgem em 2.ª mão, porque as segundas, terceiras, quartas, ou o que seja, podem sempre ser vividas como uma eterna repetição dessa primeira vez inaugural.
Parece-me, isso sim, que o divorciado acarreta uma série de constrangimentos sociais e uma marca de 2.ª mão ridícula e preconceituosa. Eu, apesar de figurar no meu BI "Div.", que pode significar Diversos; Diva; Divina; Divertida mas nunca, NUNCA, divorciada, assumo-me como solteira, pois é assim que me sinto: livre e pronta para amar novamente.
Claro que tudo acontece uma primeira vez e depois de tudo acontecer nada fica como antes, mas eu privilegio a ideia do início, assim como gosto de me pensar virgem em 2.ª mão, porque as segundas, terceiras, quartas, ou o que seja, podem sempre ser vividas como uma eterna repetição dessa primeira vez inaugural.
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