O fado tem uma tradição antiga em Portugal. Não conheço a sua história, mas não penso que isso seja importante ou, pelo menos, que interfira naquilo que o fado me proporciona. Sei que a palavra tem uma abragência maior dos que os homens, pois para além de designar a canção tradicional de Coimbra e Lisboa, quer dizer destino, sorte, providência. Não tenho qualquer interesse em esmiuçar os significados da palavra, mas sim falar sobre este gosto particular e característico que tem crescido para dentro de mim, à semelhança das raízes das árvores, que crescem no sentido inverso do tronco, dos ramos e das folhas. Há um gosto particular e íntimo na forma como tenho escutado fado ultimamente. Outro dia, em passeio pela Fnac do Chiado, de mão dada com o Rodrigo, dei por mim parada, fixada num ecrã de televisão onde passava a apresentação de Fados, um filme realizado pelo cineasta espanhol Carlos Saura e que faz parte de uma trilogia que se iniciou com a realização de outras duas obras cinematográficas sobre flamenco e tango. Deixei de ouvir o que se passava à minha volta, sem que isso fosse consciente ou imposto. Aconteceu... simplesmente aconteceu; como quando sentimos calor e procuramos sombra, ou quando sentimos frio e nos enrolamos num abraço próprio. Não me lembro de ouvir fado a primeira vez, terá sido Amália, decerto. Digo isto porque a minha avó materna ouvia-a frequentemente. Lembro-me, aliás, de um disco que o meu avô lhe partiu, numa das muitas sextas-feiras em que chegava bêbedo a casa. É verdade que não me lembro da primeira, mas lembro-me da última. Chuva ecoa ainda nas paredes caiadas de que sou feita e a voz da Mariza traz-me o fado em desatino: "As coisas vulgares que há na vida/ não deixam saudades/ só as lembranças que doem ou fazem sorrir (...)"
Nenhum comentário:
Postar um comentário