quarta-feira, fevereiro 18, 2009

O Caminho do Santiago

Eras tão pequenino, a primeira vez que te vi, que tive a sensação de caberes na minha mão. Mas o amor não aconteceu logo ali.

Devia ter suspeitado, pela forma como impuseste a tua vontade ao nascer, que não ias ser uma criança qualquer. E não és. Os teus olhos grandes e negros, que apregoam um mar de doçuras, não criam qualquer suspeita sobre o teu voluntarioso carácter. A primeira vez que saímos juntos, choraste compulsivamente durante tanto tempo que julguei que ia envelhecer ao som dos teus gritos. Foi a primeira vez que não soube o que fazer com uma criança nos braços. Isso irritou-me.


Foste crescendo ao sabor do amor inquestiónável de uma MÃE-pai, de um avô-pai e de uma avó-pai, uma vez que O verdadeiro decidiu, espontanea e estupidamente, desaparecer do teu mapa de afectos. Não te importes nunca com isso, ou não te importes muito. Ia sentir-me miserável por te ver sofrer com a decisão miserável de um miserável qualquer.
Conquistaste-me inequivocamente. Talvez eu seja a tua primeira conquista. Contigo o tempo pára. Adoro ouvir-te tropeçar na gramática ao mesmo tempo que tropeças nos passeios. Juntar a minha voz à tua só para ouvir-te cantar as músicas dos Da Weasel (e do Rui da Cena, tia). E pegar-te na mão para irmos dar pão aos patos (quando não o comemos a meias) e inventar-te histórias sobre eles que tu anseias ouvir (o preto está mesmo doente, tia? ele não vai dar mergulhos?). Ou ir pelas ruas da Parede à procura de um mar onde possamos, descalços, atirar pedrinhas e contá-las num alfabeto numerológico inventado à revelia da matemática: um, dois, três, quatro, sete, nove, seis, dez: tantas pedrinhas, tia.
E este tia que ecoa num universo que me pertence tanto por a ti pertencer a voz que diz tia.
Santiago, estou no teu caminho com a mesma fé com que os peregrinos vão na descoberta do outro caminho que tem um nome similar ao teu.

2 comentários:

Fi disse...

"E este tia que ecoa num universo que me pertence tanto por a ti pertencer a voz que diz tia"

Deus, por quanto tempo irei passar por aqui e encontrar-me com as palavras que senti e nunca soube escrever!

Caramba, não é que até chorei, agarrada a este quentinho que iluminaste no meu coração. Até os consigo ouvir!

Toda eu sou um sorriso orgulhoso que só ouve "tia" ecoar por tudo o q neste instante respira em mim!
Bjs Sofi

PEdro disse...

Espero que ele possa ler isto um dia.. um dia já mais crescido, mais vivido, adulto.. quando estiver a precisar de um ombro amigo, quando estiver a precisar de acreditar no mundo.

Beijinhos