terça-feira, novembro 24, 2009

Carta Aberta a Herberto Hélder

Não me conheces, Herberto. Mas eu conheço-te a ti. Andámos tantas vezes de mãos dadas pelos terrenos enlameados da Faculdade de Letras de Lisboa. Eu era, então, uma jovem tão jovem que de jovem que era só sonhava sonhos jovens. Tu, para mim, também és jovem. Não te sinto com 79 anos quando acaricio a tua pele impressa nos livros que escreveste. Gosto tanto dos livros que escreveste.
Sabes uma coisa? Este lugar, este lugar de onde te escrevo estas palavras só existe porque tu existes. Os Passos em Volta deram-me a volta. Desde que os li não me senti mais a mesma. Serás tu o mesmo depois de cada poema escrito?
Tenho saudades tuas, Herberto. Tenho saudades de nós e da Faculdade de Letras de Lisboa. Lembras-te do cheiro da terra molhada a entranhar-se nos meus sapatos jovens? E do meu riso a antecipar uma vida cheia de livros?
Era natural chegar  atrasada às aulas (quem me conhece, que não tu, sabe que me atraso de forma compulsiva), mas trazia-te pela mão, pois consolavas-me no meu desconsolo.
Gosto de ti, Herberto. Gosto de ti e do teu peixe vermelho, que foi verde e que ficou amarelo. Gosto tanto de ti.
Gosto do abalo que a tua poesia me provoca. Como se de um Poema Contínuo se tratasse.
Não me conheces, Herberto. Nunca me conhecerás. Só eu te conheço a ti e aos teu livros que leio de colher na boca, sem colher ou sem boca.
Se eu pudesse abraçava-te e pedia-te baixinho: escreve a minha vida em poema surdo e leva-me de volta para o tempo em que eu era jovem e de tão jovem que era tinha apenas sonhos jovens. Detesto sonhos gastos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fantástico ...

..é isto que gosto de ler em ti.


Beijos mil

Walter Ego