terça-feira, agosto 11, 2009

Hoje é o dia?

"Um dia beijo-te a meio de uma frase"



Não bebo café. Não tenho esse hábito. Não gosto do sabor. Só do odor que dele emana. É por isso que me dá prazer preparar café para oferecer às visitas lá de casa, numa cafeteira antiga que faz um café de merda, diga-se de passagem, mas permite que o cheiro permaneça por algum tempo nas minhas narinas. É verdade que a Nespresso, pelo que dizem, faz cafés deliciosos, mas não devolve ao ar o cheiro que tanto aprecio. Com a devoção que existe por estas máquinas hiper-mega-eficientes, tipo Nespresso ou Bimbi, impedimos, sem nos apercebermos, da possibilidade de activar memórias adormecidas pela acção do cheiro.

Por exemplo, o cheiro do arroz de cabidela leva-me de imediato para uma tarde de calor insuportável, para o quintal da minha bisavó, no Minho, e para vozes de tias e avó, acotovelando-se para se fazerem ouvir, misturadas com o som do pingar constante de patos mortos e depenados, de cabeça para baixo, dispostos em alguidares multicolores. Até hoje não suporto arroz de cabidela. Tenho o cheiro do sangue dos patos entranhado na memória.

Com o cheiro do café acontece-me pensar em hálitos quentes e dentes amarelo-acastanhados, sorridentes de chávena na mão, entregues àquele ritual silencioso de pega-na-chávena-com-a-ponta-dos-dedos-e-leva-a-aos-lábios. Fixo-me nos olhos e há muitos a espreitarem-me por entre as chávenas.

Não bebendo café, há uma série de outras coisas que não faço. Como sair de casa, aflita, para ir ao café da esquina, por exemplo. Não indo ao café da esquina, a verdade é que fico sem conhecer muitos dos meus vizinhos que frequentam aquelas paragens. E também não sou surpreendida com frases Nicola. A não ser que algum devorador de café, por simpatia, me estenda um pacote de açúcar onde está dito: "Um dia beijo-te a meio de uma frase" e me deixe pendurada de lábios esticados ansiando por esse beijo atrapalhador de frases...

7 comentários:

Anônimo disse...

Curiosamente foi com o café que te falei a primeira vez... sim falei. Porque os "olás" de corredor trocados de acordo com as regras de boa educação e de bom conviver não são falar .. muito menos conversar...

Foi com o café que te tentei ver através dos teus óculos/máscara de sol, esses que tornam os teus olhos quase inatingíveis. Não porque queiras, parece-me, mas apenas porque as lentes e o reflexo assim entendem...

Falei pouco, ouvi alguma coisa ... o sol a bater ali naquele cantinho ajuda à descontração... Tenho saudades desse sol. Dos minutos que intervalavam a correria laboral.

Já agora, tenho também saudades do café gratuito, à distância de um copo de plástico. Tenho saudades dessas frases-de-pacote-de-açucar. Não pelas frases... mas pela discussão que chegavam a criar.
Não tenho saudades dessas micro-pseudo-colheres de plástico que em nada enaltecem o café. O café quer-se bem mexido... para libertar aromas e apurar paladares...

...como a tua escrita se quer rebelde e sentida, aguçada e vivida para nos soltar no teclado e na mente...

... vou beber um café!

Beijo

Walter Ego

PEdro disse...

Olá SoF!

Começando pelo café.. se não tens esse vício, não o ganhes. Eu só bebo um ou dois por dia, mas tenho sempre uma quebra a meio da tarde se não beber ao almoço! O pior é começar.. é nessa altura que nos começa a fazer falta.
O Nespresso tem de facto muito boa qualidade.. mas em casa só faço de cafeteira!

Os cheiros.. tenho dois que reavivei recentemente! O de casa de praia - já não tiro uns dias de férias de praia há algum tempo e este fim-de-semana fui ao Algarve. Lembra-me ser mais novo e de ter grandes férias em Portimão.
O cheiro dos dedos depois de tocar guitarra.. não tocava há muito tempo e noutro dia comprei umas cordas e tenho tocado um pouco. Engraçado como em músicas de que não me lembro como tocar, acontece de repente dar pelos meus dedos a fazer os movimentos de que já não me lembrava!

"Um dia beijo-te a meio de uma frase".. Adoro esse frase. Sempre que me sai esse pacote no café, guardo-o. :)

Beijinhos

Anônimo disse...

Poderias calcular que essa oferta não foi feita "por simpatia". Coninha nela todo um desejo.

Sónia disse...

Quando o que escrevo desperta esta vontade de partilha de experiências e sensações, sinto-me a mulher mais bem-sucedida do mundo...
Walter... será que tu existes mesmo?!

Anônimo disse...

"Walter... será que tu existes mesmo?"

Já tive menos certeza disso... hoje considero que essa personagem de Angeli a quem eu ousei roubar o nome por achar fantástica a sua sonorização. Não deixo no entanto de me rever com características comico-egocêntricas que ele (o Walter) revela enquanto se passeia de quadradinho para quadradinho nas suas divinais tiras de BD.
Guardei-me neste (W)Alter Ego para te poder ler e sentir sem entraves.
Para não ter que pensar ou repensar as linhas por mim escritas, que assim se revelam fluidas ao correr dos dias. Assim sinto-me outro, um outro que já fui .. um outro que também escrevia.

Por isso acredito que realmente existo ..eu .. e o Walter..

E quando alguém estranhamente te perguntar se te apetece um café...pensa "-pode ser o Walter!"

Coffee Taste disse...

Café... Há tanto para te dizer sobre os meus cafés! MAs o melhor deles é: o cheiro, o calor e a companhia.

Amiga, queres vir "cheirar" um café dos meus?

Beijo

Sónia disse...

Marta, calro que quero. E tem de ser dos grandes, temos tantas conversas para conversar...