quarta-feira, março 31, 2010

Alunos: máquinas de fazer pensar

Os professores, mais do que ensinar, aprendem. E os alunos estrangeiros são "professores" previlegiados dos professores-alunos porque revelam, com ingenuidade e transparência, o quão complexa e intrincada é a  língua portuguesa.
Num destes dias, enquanto adquiriam léxico relativo à casa e à sala de aula, chamaram cortador à tesoura e, impulsionados pela máquina de café e máquina de lavar roupa, máquina de fazer comida ao fogão - é uma delícia reconfigurar o mundo através do olhar do "outro".

Metáforas literais

As promessas de amor eterno são apenas isso: promessas. Até ao dia em que um "não consigo respirar sem ti" signifique literalmente "não consigo respirar sem ti".

sábado, março 27, 2010

Sorte ao jogo e ao amor

O amor é como o jogo, se não arriscares, nunca ganharás qualquer prémio. E quanto maior for a tua aposta, maior a probabilidade de saires vencedor.

sexta-feira, março 26, 2010

Coisas de mãe

Fui mãe aos 6 anos. Prematuramente arrancaram-me a filha dos braços, porque estava velha e rota.
Chorei até se esgotarem lágrimas e dor - nessa altura, umas não existiam sem a outra.
Fui mãe outras vezes e de cada vez o amor era mais sério, mais comprometido com os filhos que ia tendo - os primos que cresciam lá por casa,  os animais que trazia às escondidas do meu pai (borboletas, cães, gatos e até caranguejos que viajavam no meu balde e que eu insistia em fazer de meus) e os vizinhos de quem tomava conta em troca de um ou outro escudo.
Se voltar a  cabeça para o lado do passado (será do lado esquerdo ou do direito?!) tudo na minha vida concorreu para um único momento: aquele em que agarrada às mãos, às voltas na cama do hospital em razão das dores lacinantes, já sem rosto, já sem olhar, já sem expressão, pedia à minha avó, acabadinha de morrer, para ajudar-me a trazer à luz o meu primeiro filho natural.
Percebo agora que as aprendizagens ganhas com as maternidades anteriores contribuiram para que eu fosse uma mãe eficiente, mesmo que aos 20 anos. Nunca me atrapalharam fraldas, biberões ou doenças. Ou o amor incondicional.
O que me atrapalha neste momento - pois o ensinamento não veio com as maternidades antigas -  é ter o meu filho a competir comigo por coisas tão banais como o espelho, a banheira ou a tábua de engomar.

segunda-feira, março 22, 2010

O que nunca se diz sobre a Meia Maratona de Lisboa

1.º O congestionamento da Ponte 25 de Abril é estrutural; mesmo sem qualquer carro na área, houve filas de espera, ultrapassagens difíceis e alguns atropelamentos;

2.ª O lince ibérico pode estar em vias de extinção, mas como a Mãe Natureza tudo faz para compensar perdas e gastos; descobri uma nova espécie (genuinamente portuguesa) nos taludes da praça da portagem; são fisicamente parecidos com os homo sapiens sapiens, usam aquele espaço como mictório (era vê-los espalhados pelos arbustos à procura da aliviar o aperto) embora a organização tenha disponibilizado umas casas de banho ambulantes a uns passos de distância;

3.ª Há quem faça a corrida (eu) para vislumbrar paisagens lisboetas únicas e há quem aproveite a oportunidade para comemorar o Carnaval, uma vez que em Fevereiro faz demasiado frio;

4.ª Vi o Sócrates a dar a sua entrevista de t-shirt azul, com um sorriso tão fantástico que me apeteceu ir lá perguntar-lhe se participámos ambos na mesma corrida - é que eu vinha estafada e só consegui esboçar o meu primeiro sorriso lá para as 4 da tarde;

5.ª Houve policiamento sério no final da corrida, vi pessoas a serem paradas porque levavam mais do que um saco-oferta EDP: "Vá, toca a devolver o saquito que isto tem de ser distrubuído equitativamente"; o que valeu é que mais à fente estava o pessoal da Olá que oferecia gelados ao desbarato. Ainda lhes disse que não gostava muito de Super Maxi, se dava para me arranjarem um Corneto de Morango, mas para minha tristeza, só tinham daqueles. Para a próxima - disse-lhes eu - vejam se trazem outro tipo de gelados, há pessoas que não gostam de Super Maxi.

terça-feira, março 16, 2010

Angústia a dois compassos

Compasso I

Estou completamente angustiada.
Pensei que a reentrada na sala de aulas fosse revigorante e exultante. Ao invés, foi ultrajante e muito pouco prestigiante.
Quiseram enfiar-me (este é o verbo mais do que adequado) a mim e a mais 20 alunos Erasmus numa sala onde havia mesas e cadeiras. Também havia um quadro branco, mas sem canetas.
Acho que a indignação na minha cara foi tão óbvia que fizeram tudo para me encontrar uma sala com computador, Data Show e quadro e, já agora, canetas.
Percebi, exactamente no instante em que o computador desta segunda sala deixou de funcionar, que vivo num país demasiado pequeno e pobre para se dar a soberbas de europeísmo.

Compasso II

Estou completamente angustiada, com nós no estômago e na garganta também.
Ontem o Rodrigo esfregou-me (este é o verbo mais do que adequado) na cara, na minha e só na minha, de que necessita de privacidade; por essa razão, não quis contar-me o teor das mensagens que continuamente trocava com uma amiga.
Percebi, exactamente no instante em que os lábios dele se fecharam, que sou demasiado pequena e pobre para não usar da chantagem emocional para extorquir-lhe os segredos. Usei a chantagem, ainda assim, fiquei sem saber os segredos.

domingo, março 14, 2010

Parto de língua

Amanhã nasço novamente professora de português. O que gosto mais nestes partos intermitentes é que eles nunca se repetem.
Amanhã serão outros os rostos cravados em mim, ansiosos por perceber se a viagem se fará de olhos fechados, desejando que termine, ou de olhos abertos, para que nenhum pormenor se perca, se confunda, se minimize.
A escolha dependerá sempre do que eu conseguir fazer...

sexta-feira, março 12, 2010

Epifania

E o que fazer naqueles dias em que se acorda cheio de ideias, cheio de textos em turbilhão na ponta dos dedos?
O que fazer nos dias em que acreditamos ser donos do mundo; em que a euforia da vida, de viver a vida, se transmite no olhar, na forma de andar?
Que fazer nos dias em que a felicidade não te deixa morrer impávido nas páginas no teu quotidiano? Em que os outros te aplaudem, sem usar as mãos?

quinta-feira, março 11, 2010

Folhas outonais

Ontem, enquanto jantava em família, recordei-me de eventos que se passaram comigo há anos. Dos que já nem suspeitaria existirem em mim, sobretudo, com aquela força viva.
As memórias são como folhas outonais que balançam ao vento, de vez em quando, há umas que nos caem no colo.

quarta-feira, março 10, 2010

Kidgarden

Estou certa de que a vivência do nosso mundo interior está cheia de absurdidades - umas mais abstractas do que outras - e até de algum maquiavelismo.
Há um jogo que repito com  frequência, principalmente na banheira: fecho os olhos e tomo banho com eles fechados. Dá-me alguma satisfação perceber que naquele espaço minúsculo me safo com alguma ligeireza. Sei onde encontrar o shampoo e o gel de banho. E raramente me atrapalho com o manuseamento da torneira.
Às vezes também utilizo uma única mão a vestir-me; demoro o dobro do tempo, é certo, mas consigo fazê-lo.
O bom deste tipo de jogos é ter consciência que eles não duram mais do que a minha vontade.

terça-feira, março 09, 2010

Reflexologias

"Queria viver tudo numa noite"

Queria  olhar-me ao espelho e gostar sempre do que vejo; ainda que, algumas vezes, duvide que a imagem projectada me represente fidelissimamente.
Vejo Lisboa daqui. Mas nem sempre é a mesma cidade que se estende na paisagem em frente. Eu também não sou permanentemente a mesma, ainda que o espelho insista em devolver-me a costumeira imagem, já que é incapaz de acompahar-me nas mudanças.
Ontem, ao fim da tarde, por exemplo, Lisboa estava obscurecida por uma manta de névoa e humidade, como nunca tinha visto antes. Quanto a mim, há muito que não me sinto obscurecida por paisagem alguma. Estou em período de luz. E o espelho não consegue reconhecê-lo, infelizmente.
Ou mudo de espelho ou mudo de mim.

segunda-feira, março 08, 2010

No meu tempo é que era bom

Li, em qualquer lugar, que a multiplicação da oferta, tanto a nível televisivo - com a proliferação consolidada de canais - como em outras fontes de informação - rádio, Internet, etc. - impedem que a noite dos oscares tenha o glamour, o suspense e a ansiedade do antigamente. E eu concordo que assim seja.
Procuro, muitas vezes com alguma determinação, evitar expressões que comecem com "no meu tempo ... é que era bom", até porque sei que no tempo da inocência e da juventude as coisas eram vividas com uma tal intensidade que a memória só pode ter cristalizado esses eventos numa caixa onde não caiba o realmente acontecido. Ainda assim, não consigo fugir sempre da expressão "no meu tempo... é que era bom".
Por isso, cá vai disto: No meu tempo, a noite dos oscares é que era boa, não tínhamos acesso aos jornais nem às críticas da especialidade que antecipavam panoramas de vitória, não tínhamos visto qualquer making off, pelo que desconhecíamos os segredos, as dificuldades, as contigências das filmagens. Sabíamos apenas que Billy Cristal seria o apresentador de serviço - mas isso apenas aumentava a ansiedade e a satisfação com que aguardávamos pelo compacto que a RTP exibia na tarde seguinte. De tantas vezes que víamos a cerimónia, decorávamos as músicas e as coreografias e tudo aquilo era mais do que uma mera entrega de prémios ou consagração de carreiras, era um espaço de socialização importantíssimo, que consolidava gostos, preferências, amizades.
Vi sempre as cerimónias com as minhas primas e, nessa altura, "cerimónia" era a palavra adequada para descrever aqueles momentos: era raro termos oportunidade de ver os nossos actores favoritos enquanto eles mesmos, a não ser em algumas páginas da revista Bravo.
Assisti ontem à entrega dos prémios em directo, sem legendas, tardíssimo, sentada no meu sofá. Já não tinha as minhas primas à minha volta, nem as nossas risadas estridentes por termos visto o Bruce Willis de mão dada com a Demi Moore. Vi sozinha a transmissão, como nos anos anteriores desde que me tornei mulher. E atrevo-me a dizer que cumpro este ritual com esperança de reviver aquelas tardes do antigamente.

P.S. Não vi o Bruce na edição deste ano, mas a estar lá, seria de mão dada com uma modelo espanhola, de 20 anos; enquanto a Demi estaria acompanhada pelo seu Ashton Kutcher. Enfim... modernices!

sexta-feira, março 05, 2010

As asas do frango

O meu filho saiu pela primeira vez de casa para dormir três dias inteirinhos fora sem família, que é o mesmo que dizer, sem suporte. Só ele com os colegas do clube de natação e o respectivo professor. Para mim, esta primeira vez reveste-se de uma nostalgia triste, difícil de explicar; é que eu sei que, depois desta experiência, nada será como antes. Ele vai finalmente sentir o gosto que a independência nos deixa na boca, ainda que não perceba porquê. Talvez nem nunca venha a perceber. Acho que nem eu percebo. Só sei que muito dificilmente abdicaria dela de tão difícil que foi ganhá-la.
Ser mãe implica ser capaz de dizer-lhe adeus, contendo as lágrimas, o medo, a apreensão e deixá-lo partir para a aventura, permitindo que ele cresça ao ritmo que ele próprio impõe e que a vida permite. Ser mãe implica ser capaz de abnegar gostos, vontades, desejos por uma razão maior: o amor dele, com ele, por ele.
A minha mãe garante que adora comer as asas do frango. Desconfio que ela decidiu abdicar de outras partes por saber que eu sou louca pelo peito e a minha irmã pelas pernas.
Gestos destes, simples, quase imperceptíveis, sustentam as maiores lições de vida. 

Morto mas pouco

Disseram-me - O teu blogue está morto. O que se passa?
Não respondi, mas mordi o lábio inferior, contendo a raiva.