Não me lembro desde quando desvalorizo as comemorações do novo ano. Só sei que é desde há muito, talvez desde a época em que eu era tão menina e tão calada que passava horas a interrogar-me sobre o mundo à minha volta. Lembro-me, por exemplo, de um quadro que a minha avó tinha numa das paredes da sua sala, era uma tela enorme emoldurada por um doirado gasto. Na tela vivia uma menina com um penteado semelhante ao meu. Embora ela fosse loira e tivesse olhos verdes. Também tinha um xaile vermelho aos ombros e duas lágrimas no rosto. Sei que não eram as lágrimas que me levavam a ter a certeza da sua tristeza, era mais a profundidade do seu olhar, o beicinho pendurado nos seus lábios e a circunstância da sua solidão. Cheguei a chorar com aquela menina que não conhecia verdadeiramente, por ser uma menina aprisionada numa tela; porém, identificava-me com ela e todas as vezes em que a olhava tornava-me nela própria. Desconhecia as razões da sua amargura, muito menos o significado de «amargura», mas lembro-me, já nessa altura, de compreender a tristeza e de querer encontrar razões para a sua existência: deixaram-na ali, pensava. Deixaram-na ali sozinha e ela está triste por causa disso. Julgo que a solidão me afligia (continua a afligir-me ainda hoje, pelo menos a solidão que eu não escolho) ou quem sabe pensasse outras coisas que agora não consigo recordar; contudo, de uma coisa estou certa, passei horas a tentar, em silêncio, adivinhar as razões que estariam por detrás daqueles olhos tristes iguais aos meus. Não era uma miúda alegre como hoje sou uma mulher alegre. Pergunto-me, será estranho que sendo eu uma mulher alegre me faça confusão a euforia das comemorações do revéillon? Ou não serei eu, afinal, uma mulher assim tão alegre?
Não me lembro, de facto, desde quando sinto que estas comemorações são inúteis, como inúteis são todas as promessas que se fazem:
1. Não vou comer mais doces;
2.Vou deixar de fumar;
3. Vou deixar de cobiçar a mulher do meu amigo e/ou foder o marido das outras;
4. Vou viajar;
5. Vou tirar um curso;
6. Vou emagrecer;
7. Vou praticar ginástica;
8. Passarei a ir ao teatro;
9. Não vou adormecer em frente à televisão;
10. Não vou fechar os olhos e pensar em outras mulheres enquanto a minha própria me engoma a camisa que vou vestir no dia seguinte;
11. Não vou bater umas na casa de banho do meu escritório;
12. Não farei mais sexo virtual.
Na verdade, estas listas não são nada mais do que reminiscências deprimentes da nossa educação católica, que nos leva a acreditar que a vida é mais equilibrada e honesta quanto mais insípida ela for.
Recuso-me este ano em ceder à tentação de participar em festas só porque é suposto que nesta data se festeje seja o que for. Recuso-me igualmente em subir para cima de uma cadeira e devorar 12 passas (que odeio) para ter direito a pedir os meus 12 desejos - que a maior parte das pessoas esquece dois minutos depois - e recuso-me ainda mais a estar na companhia de pessoas que se encontram em exaltação total só porque estão certas da inauguração de um novo ano. Pois, este ano quero ceder apenas à tentação de estar comigo mesma, provavelmente numa praia qualquer, a olhar o mar e a imaginar a vida que existe dentro e fora dele. Este ano exijo que a minha solidão se concretize e seja uma escolha própria, como a roupa que vestirei em seguida. Uma escolha como outras que faço na vivência quotidiana dos meus dias. Uma escolha que me pertence em exclusivo. Tenho dito.
Não me lembro, de facto, desde quando sinto que estas comemorações são inúteis, como inúteis são todas as promessas que se fazem:
1. Não vou comer mais doces;
2.Vou deixar de fumar;
3. Vou deixar de cobiçar a mulher do meu amigo e/ou foder o marido das outras;
4. Vou viajar;
5. Vou tirar um curso;
6. Vou emagrecer;
7. Vou praticar ginástica;
8. Passarei a ir ao teatro;
9. Não vou adormecer em frente à televisão;
10. Não vou fechar os olhos e pensar em outras mulheres enquanto a minha própria me engoma a camisa que vou vestir no dia seguinte;
11. Não vou bater umas na casa de banho do meu escritório;
12. Não farei mais sexo virtual.
Na verdade, estas listas não são nada mais do que reminiscências deprimentes da nossa educação católica, que nos leva a acreditar que a vida é mais equilibrada e honesta quanto mais insípida ela for.
Recuso-me este ano em ceder à tentação de participar em festas só porque é suposto que nesta data se festeje seja o que for. Recuso-me igualmente em subir para cima de uma cadeira e devorar 12 passas (que odeio) para ter direito a pedir os meus 12 desejos - que a maior parte das pessoas esquece dois minutos depois - e recuso-me ainda mais a estar na companhia de pessoas que se encontram em exaltação total só porque estão certas da inauguração de um novo ano. Pois, este ano quero ceder apenas à tentação de estar comigo mesma, provavelmente numa praia qualquer, a olhar o mar e a imaginar a vida que existe dentro e fora dele. Este ano exijo que a minha solidão se concretize e seja uma escolha própria, como a roupa que vestirei em seguida. Uma escolha como outras que faço na vivência quotidiana dos meus dias. Uma escolha que me pertence em exclusivo. Tenho dito.
Um comentário:
Li e reli o texto e compreendi que não posso dizer se gostei ou deixei de gostar. Deixo-me influenciar pelo interesse que o assunto desperta em mim.
Como não a conheci e como não fez parte da minha infância, a menina deixa-me quase indiferente, pois gosto do facto de ao pensares numa dada época a associares a algo tão concreto e que para tantos será insignificante. É engraçado a forma como associamos a certos períodos ou acontecimentos coisas como quadros, perfumes, músicas e sei lá mais o quê.
Gosto igualmente do facto de dizeres "Uma escolha que me pertence em exclusivo" da tua escolha para passagem de ano uma escolha é sempre algo que seguramente nem todas as pessoas compreenderão e possivelmente algumas pessoas criticarão, mas todas as escolhas que fazes, pertencem-te em exclusivo e só tu tens o direito de as tomar, cabendo às outras pessoas o direito de discordar, mas o dever de saberem que existirem razões para essas escolhas, devendo também confiar...
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