terça-feira, janeiro 27, 2009

ARE WE HUMAN?

Episódio I - Numa escola qualquer
- Olha, olha. Este chavalo ainda não foi ao castigo.
- Ya. Pega no gajo.
Sobre o olhar de todos os outros, os da conversa anterior desatam a correr atrás do puto que, sozinho e isolado, procura debater-se e impedir os algozes de o levarem ao castigo. Num golpe de sorte, consegue esconder-se dentro do pavihão. A sensação de estar a salvo foi curta: os outros dois entraram também. Frustrados por não o terem caçado no pátio, onde a tortura seria mais facilmente aplicada, deitam-no ao chão e despejam sobre o seu corpo atlético, ainda que sozinho e isolado, uma jorrada de pontapés que lhe acertam em cheio. Condoído de uma mágoa interior, muito mais do que qualquer dor física existente, enrola-se sobre o seu corpo, cerra os dentes e adia as lágrimas. Até que um dos pontapés lhe acerta em cheio nas partes. Onde? Nos colhões, pá. Acertámos-lhe nos colhões. Aí não conseguiu mais disfarçar a dor que se instalava rapidamente contra a sua vontade de criança. Não pôde mais levantar-se do chão. As lágrimas infectavam-lhe o orgulho e a virilidade.
- Caga no gajo. Bute saír daqui antes que venha a cota da funciónária.
- Ya. Bora.
Episódio II - Num supermercado qualquer
Numa fila de supermercado, uma mãe, acompanhada pelos seus dois filhos gémeos, arruma as compras nos sacos. Os miúdos não têm mais do que 6 anos. A mãe não mais de 40. Um deles chora copiosamente, pedindo por tudo que ela lhe compre não-sei-o-quê extremamente importante e imprescindível à sua vida de criança mimada e mal-criada. O outro, porque cúmplice da vontade do irmão, empurra a mãe, chamando-lhe entre dentes de "", ao mesmo tempo que cerra os punhos e lhe dá socos nas costas e na barriga. A mãe, empanturrada de trabalho, de frustração e de cansaço, ignora o choro e, pior, os socos. Continua, como que apática, a arrumar as compras dentro dos sacos de plástico. As compras arrumadas dentro dos sacos de plástico são tudo o que ela lhe apetece controlar. Os filhos gémeos continuam, porém, na sua demanda por não-sei-o-quê vital que lhes acentua a veia autiritária e ditadora sob o olhar vazio da mãe. Outro soco. . És má.
Episódio III - Nuns semáforos quaisquer
Sinal vermelho de um lado. Sinal verde do outro. Regra? Os que têm sinal vermelho param. Os que têm sinal verde avançam.
A fila de carros estende-se mais do que o habitual. Há pressa para chegar a casa. Há pressa para fazer o jantar. Há pressa para sentir o cheiro dos filhos . Há pressa para ver o telejornal. Há pressa e pressas. O sinal está verde. Pode avançar-se. Só que os que têm sinal vermelho não impedem a marcha, impedindo os que têm agora sinal verde de fazer o que é seu direito. Um dos carros, afoito, decide avançar contra os carros que deviam estar a aguardar a sua vez. O carro, afoito, buzina. Os outros lançam-se em protestos, levando o dedo indicador à testa. O carro, afoito, ignora-os. Ele sabe que é a sua vez de passar.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Óscar para ti, Óscar para mim



O Heath Ledger está nomeado para a categoria de Melhor Actor Secundário. A Angelina Jolie para a de Melhor Actriz. Acabou por cumprir-se o que não me apetecia que se cumprisse. Relativamente à nomeação de Heath, apesar de considerá-la absolutamente merecida, uma vez que a sua interpretação como Jocker foi brilhante, como já tinha tido oportunidade de mencionar num texto que escrevi aqui, em Agosto; não deixo de sentir que a sua nomeação não lhe trará nada de concreto, NADA.


Já em relação à nomeação de Angelina, preferia que ela não tivesse acontecido. A sua performance em Changeling não se aproxima daquilo que foi a sua actuação em Girl Interrupted, que lhe valeu, em 2000, o Óscar para melhor actriz secundária.

Este descontentamento não tem nada a ver com o facto dela se deitar todas as noites com o Brad Pitt. Ou tem?!

quarta-feira, janeiro 21, 2009

terça-feira, janeiro 20, 2009

Os pés em Almada, os olhos em Lisboa

Não estou sentada há muito. Tive primeiro de esvaziar as caixas de cartão que se amontovam no gabinete. Depois, tive igualmente de dar aos papéis e dossiers um aspecto organizado. E agora, no final do dia, após ter despachado determinados assuntos, sentei-me, sozinha e em silêncio, de luzes apagadas, a olhar Lisboa, que me espreita iluminada; piscando-me o olho, a sedutora.

Desconheço quanto tempo ocuparei este gabinete, quanto tempo terei para apreciar a beleza daquilo que se estende para diante de mim.

Uma coisa é certa, hoje, esta vista magnifíca foi inteiramente minha. Hoje, sucumbi ao canto de sereia maldita que esta cidade esconde na voz. Ao contrário de Ulisses, não quis amarras nem postes, muito menos cera a encher-me os ouvidos. Quis apenas sentir-me pequena no confronto com a imensidão de vida que observo daqui.

Não fui aumentada. Não mudei de função. Só de sala. Ainda assim, subi de vida.


segunda-feira, janeiro 19, 2009

Changeling

Associo o nome de Clint Eastwood a cowboys, olhos semi-cerrados e tiros. E longe de mim ter visto mais do que dois ou três filmes onde ele aparecia como actor. A apatia que sinto em relação ao seu trabalho performativo não está ligado ao facto de ele ser um actor de uma geração distante da minha. Acompanhei o trabalho de outros tão antigos quanto ele, como Jack Nicholson, Sean Connery ou Al Pacino.
O extraordinário para mim é que o mesmo homem consiga, ainda que num papel diferente, retirar-me da apatia e devolver-me à paixão. Considero Clint Eastwood um contador de histórias extraordinário. Mystic River é disso exemplo. Aquele filme trata a dor como nenhum outro. Sem drama. Sem comiseração. Sem excesso: só a dor na sua inteireza real.
Changeling, o seu mais recente filme, é um exercício de inteligência e sabedoria, que só a experiência pode proporcionar. No mesmo filme, e sem nunca perdermos o fio condutor da história que é contada, temos um drama, um thriller, um policial, uma cómedia negra e um filme sobre tribunais. E a razão destes géneros coexistirem em equilíbrio é a razão da história não poder ser contada de outra forma.
Sobre os actores que participam na película, demoro-me apenas em Jason Butler Harner, como Gordon Northcott, que conseguiu a proeza de transformar um serial killer hediondo numa personagem de recorte humano, sem trejeitos de insanidade não fosse o seu gosto em cortar com um machado criancinhas que apanhava na rua.
Changeling vale a pena ver, não porque poderá significar a consagração de Angelina Jolie, mas porque revela que a idade pode ser representativa de uma lucidez esmagadora.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

One step to nowhere

O espectro dos sonhos aligeirado pelo espectro dos passos. Resta saber de onde vêm estes sonhos. De mim? Ou daquilo que é suposto vir de mim? Nunca sei, ou raramente sei, até onde chega a minha liberdade. Gostava de acreditar que os sonhos me pertencem, pois já os passos não duvido que sim.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Ai, ai os Homens


Até percebo que haja pessoas incomodadas com a legalização do aborto, com o casamento entre homossexuais e com a eutanásia. Deve ser exactamente o mesmo incómodo que eu sinto em relação à tortura, xenofobia e a tradições culturais como a excisão. Daí a organizar um partido político para "combater" tais práticas? Mas quando é que alguém explica a essas cabecinhas que o mundo não é a preto e branco? O aborto existe, os homessexuais existem e a morte pode ser, em algumas situações, uma oportunidade mais ridente do que a própria vida.


terça-feira, janeiro 13, 2009

Conversa (mais do que) Improvável

Filho - Mãe, não quero que tu morras!
Mãe - após fazer uma festa no rosto do filho e como que acariciando-o, com as suas palavras - Está descansado, prometo-te que só morrerei depois de tu morreres.


"PORQUE É QUE OS HUMANOS ADIAM TUDO, ATÉ SER TARDE DE MAIS?"

(pensamento de Rambo, personagem do romance Myra)

segunda-feira, janeiro 12, 2009


Há no frio um não-sei-quê especial, mais que não seja por fazer do abraço um gesto ansiado.


(Gustav Klimt)

domingo, janeiro 11, 2009

Sábadomingo

Quando o domingo desce em mim, há saudades que flutuam nos meus pés de criança. Não vejo o riso. Não oiço o amor. E perco-me na incerteza do certo e do errado. Quando o domingo desce em mim, as saudades são o gosto do inverso, submerso em tudo o que foi experimentado até aí: no instante em que a porta se fecha e o sábado é já domingo.

É a minha opinião...


Por acaso já repararam que podem dizer as coisas mais estúpidas e aberrantes se usarem a expressão: "É a minha opinião"?

Querem ver? É fácil!

"Os toxicodependentes deviam ser todos exterminados. Afinal, que benefício trazem eles à sociedade? É a minha opinião."

Resulta ou não resulta?

"O Paulo Portas é um político com P grande. O maior político que este país já viu. É a minha opinião."

A verdade é que depois do "é a minha opinião" ficamos esvaziados de argumentos. Só ainda não sei se por causa do uso da expressão se da estupidez que é dita...



sábado, janeiro 10, 2009

Gays and lesbians

Hoje fui à Fnac do Chiado. E vim de lá chocadíssima: descobri, enquanto me passeava pelos corredores, que há agora uma secção, na parte que respeita os livros, dedicada a gays e lésbicas. A minha primeira reacção foi procurar a MINHA secção, a dos heterossexuais. Mas não há secção para os heterossexuais. Já viram descriminação maior do que esta?

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Olha a cavaca fresquinha!

Se tivesse tempo, que não tenho; se tivesse dinheiro, que não tenho; se tivesse coragem, que não tenho ou se tivesse fé, que nunca tive; ia este fim-de-semana a Aveiro, pedir a São Gonçalinho um milagre: que nunca mais tivesse de ouvir "Ah... como é que uma mulher como tu está sozinha?"






Considerações - Parte I


O Carlos Cruz é um ex-apresentador de televisão. O Carlos Cruz é um dos acusados do processo Casa Pia. O Carlos Cruz é um homem muito poderoso.


Considerações - Parte II


As alegações finais da defesa de Carlos Cruz acontecem hoje. Para essas alegações vão ser usados meios multimédia inéditos: ecrãs gigantes e PowerPoints, meios estes que o Tribunal de Monsanto não dispunha, logo, tiveram de ser contratados a uma empresa exterior. Ricardo Sá Fernandes, um dos advogados de defesa, alega que se justifica o uso destes meios porque poderia ser "fastidiosa" a leitura das declarações.


Aviso


As considerações feitas na Parte II não são causa directa das considerações feitas na Parte I. Ou são?


Conclusão


Nestas merdas sou muito pragmática: se na maior parte dos julgamentos não foi ainda necessário recorrer ao uso da multimédia por que se justifica fazê-lo precisamente neste? Ainda por cima para defender o maior entertainer da televisão portuguesa...


Sabem o gosto que isto me deixa na boca?


A defesa - contratada a peso de ouro, paga vá-se lá saber por quem (ou julgarão vossas excelências que o Carlos Cruz era o único senhor envolvido na escandaleira? quantos não terão desejado entregar-lhe este mundo e o outro em troca de silêncio?) - fará deste momento um flash apetecível para as revistas, jornais e televisões, e em consequência para os seus consumidores, perdendo-se na bruma do factual aquilo que realmente importa: saber se o Carlos Cruz, que nos fez companhia em tantos serões, foi ou não o papão para várias criancinhas. E sobretudo desarma-me na minha inocência que estava ainda convicta de que todos merecemos tratamento igual. Afinal, os ricos e poderosos podem comprar fogo de artifício, pipocas e bombons para atenuar o fastio que se sente numa sala de audiências onde se decide a culpa ou a inocência de um possível predador de crianças.


quarta-feira, janeiro 07, 2009

Perguntas a merecer resposta

Por que será que os cidadãos esperam sempre que de uma ida ao médico resulte uma lista infindável de medicamentos a tomar impreterivelmente (se a lista não vier, é certo que o médico não presta)?




Por que será que os cidadãos avaliam um político pela quantidade de obra feita (o Santana é de novo candidato à Câmara de Lisboa. Será que sem o Túnel do Marquês essa candidatura seria possível?)?




Por que será que os cidadãos continuam a cuspir para o chão a cada ataque de gosma? Ou a coçar os tomates como sublinhado de uma virilidade impossível de contestar? E também a tirar macacos para se distrairem das filas de trânsito infinitas pela manhã?




Por que será que os cidadãos continuam a dizer "Ai, meu Deus" ou "Deus nos valha" mesmo que Deus seja, para eles, uma entidade esvaziada?




Por que será que os cidadãos riem sempre de um peido que é dado? Ou de alguém que consiga arrotar enquanto diz um sem número de palavras (já ouvi Cascaishopping)?




Por que será que os cidadãos estão convictos (embora disfarcem) de que os pretos são burros e os ciganos sujos?




E por que será que os cidadãos não saibam sequer o que é ser-se cidadão?








sábado, janeiro 03, 2009

Inside my dreams


Encontrei-o. Mesmo que não me lembre do seu rosto sei que era ele. Veio para me mostrar o mar e dar-me a mão. Senti-me segura entre as suas mãos. Pela primeira vez, desde há muito, estive em paz. Porém, a cobra devoradora de homens levou-mo antes sequer de eu poder dizê-lo meu.